Artigo: Covid-19, números x números – Por Pedro Luiz Rodrigues

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Pedro Luiz Rodrigues

Ao contrário do que publica e transmite a imprensa – brasileira ou estrangeira– o Brasil não está necessariamente se encaminhando para um apocalíptico Armagedom do Covid-19.  

 Excitada, a mídia, em particular a dos países mais traumatizados pela doença, anunciam que somos já o o terceiro país do mundo com maior número de infectados, e o sexto em número de óbitos.

 Não mentem em termos absolutos os noticiaristas e comentaristas quanto aos dados absolutos desse ‘ranking’ nefasto, que se apresenta lamentavelmente como uma competição sensacionalista de horror. Mas escamoteam de seus leitores, ouvintes e telespectadores a verdade relativa dos fatos, a visão da proporcionalidade que coloca as coisas em seus devidos lugares.

 Não se pode minimizar o que ocorre no País, em termos de sofrimento das vítimas do Covid-19 e de seus familiares.   Mas não gosto de ver o Brasil levando caneladas pelo que considero verdades imperfeitas (haja eufemismo para que não diga manipulação de dados!), como as que têm abundado nas notícias e análises sobre os efeitos do coronavírus entre nós.

Não se pode,  por exemplo, levar a sério ‘rankings’ na América do Sul, sobre qualquer assunto, pois o Brasil estará, em termos absolutos, sempre no topo da lista. Isso por uma simplíssima razão: nossa área e população representam, aproximadamente a metade da área e da população do continente. Um ‘ranking regional, portanto, só faz sentido se estabelecido em termos relativos.

 Nossa população equivale à da Alemanha, França e Itália somadas. Assim, se temos o número de pessoas contaminadas igual ou ligeiramente superior a qualquer um desses países – que têm PIBs robustos e sistemas de saúde alegadamente mais eficientes – diria que não estamos tão mal assim. Na verdade, acho que em certa medida as profecias tenebrosas sobre o futuro do Covid-19 no Brasil  decorrem do fato de contarmos com um Presidente da República de direita, errático, que se expõe muito mais do que seria conveniente, e que parece firmemente decidido a indispor-se com a Nação.  
Principalmente no noticiário no exterior, quase não se faz referência ao fato de o Brasil ser uma federação, e que políticas sanitárias preventivas há tempos foram postas em vigor por governadores e prefeitos que, assim como a população de modo geral, não dão excessiva consideração ao que pensa ou fala Sua Excelência sobre o novo coronavírus.

Vamos aos números, Perguntemo-nos, a título meramente ilustrativo, sobre uma situação de contraste inequívoco: qual a situação mais grave, a de um Brasil com 16 mil mortos pela Covid-19, ou a Bélgica, com nove mil? Se fosse razoável julgar o impacto de uma pandemia pelos números bruto, obviamente se apontaria para o Brasil. Acontece que uma efetiva análise deve levar em conta o que acontece em termos relativos. Refaz-se a pergunta: qual a situação mais grave, a do Brasil, com 77 mortos por cada cem mil habitantes, ou a da Bélgica, com 792?

Se adotarmos a régua da proporcionalidade, ficaremos atônitos em descobrir que um dos lugares mais perigosos do mundo em termos de contágio e fatalidades do Covid-19 é a Sereníssima República de San Marino, uma república de sonhos, encravada em território italiano: lá, o número de óbitos foi de 41, mas em termos relativos, assustadores 1.213 por cem mil habitantes. Isso, num dos lugares de mais alta renda per-capita do mundo.

 Repito que nada há a comemorar em estatísticas deste tipo, mas seria razoável que os jornalistas, daqui e de lá fora, se dessem à pachorra de examinar os dados relativos quando fossem fazer suas matérias, e, principalmente, suas análises. Não gostar do Bolsonaro é uma coisa, compreensível, mas omitir informação para prejudicar o Brasil é outra coisa, lamentável.

 Na verdade, o exame, mesmo que superficial, dessas estatísticas, traz algumas revelações interessantes. Uma delas é a de que o Covid-19, embora originada da China, transformou-se num desastre sanitário nos países mais ricos do Hemisfério Norte ocidental, como mostram alguns dados por país (medidas as fatalidades por cem mil habitantes). Vejamos, só para efeitos de registro e melhor balizamento de nossas análises, a situação de alguns desses países mais vitimados pelo Covid-19 (dados do dia 18 de maio), em termos de fatalidades por cem mil habitantes: San Marino (1213), Bélgica (792), Andorra (662), Espanha (592),  Itália (528), Reino Unido (521), França (420) Suécia (361), Holanda (330), Irlanda (318), Estados Unidos (278), Suiça (221),  Canadá (156), Portugal (118,5), Mônaco (106), Dinamarca (94) Lembrando que no mesmo dia, o índice no Brasil era 77.

 Em impactante contraste, temos os países da África subsáarica – países pobres, em geral com sistemas de saúde deficientes – mas  poupados  (esperamos que definitivamente) do malévolo vírus. Trata-se de fenômeno que deve ser considerado pelos cientistas que buscam estudam a morbidade do Covid-19, Vejamos, a título de exemplo o grau de mortalidade, por cem mil habitantes de alguns desses países: Madagascar (0,0), Angola, Burundi e Etiópia (0,1), Benim e Maláui (0,2), Zimbábue (0,3), Tanzânia, Gana e Botsuana (0,4), Nigéria (1,0), Costa do Marfim e Quênia (1,1),  Bangladesh (2,0),  Sudão (2,5), África do Sul (4,6), Cabo Verde (5,5) e São Tomé e Príncipe (34,3).

 Universo no qual há também certa uniformidade baixa no número de contágios e óbitos é o da Ásia Central e Sudeste Asiático, representando a China um caso extraordinário: as medidas de controle da expansão da epidemia tornaram possível que apenas 3,3 pessoas por cem mil habitantes fosse vitimada pelo novo coronavírus.

 Os desempenhos dos demais países das duas regiões foi também excepcional, o que deve ser atribuído não apenas às medidas preventivas quanto aos hábitos sociais. Vejamos:  Myanmar  e Nepal (0,1), Taiwan (0,3), Sri Lanka  e Uzbequistão (0,4),  Hong-Kong (0,5), Tailândia (0,8), Índia (2,2), Malásia (3,6), Singapura (3,9),  Indonésia (4,3),  Coréia do Sul (5,1), Japão (5,9) e Filipinas (7,7).

 Quanto aos países do Norte da África e Oriente Médio, os resultados de fatalidades foram os seguintes, do início da pandemia até o dia 17 de maio de 2020: Síria (0,2), Líbia e Palestina (0,4),Jordânia (0,9), Quirguistão (2,1), Líbano (3,8), Paquistão (4,3), Omã (4,8), Marrocos (5,3), Catar (5,4), Egito (6,4), Bahrein (7,6), Arábia Saudita (9,3) Argélia (13,0),  Emirados Árabes ( 22,8),  Kuwait (27,1), Israel (30,6) Turquia (50,3), Iran (85).

 Na América do Sul,  a situação é a seguinte:  Venezuela (0,3), Paraguai (1,6). Suriname (1,7), Guiana Francesa (3,4), Uruguai (5,7) Argentina (8,4), Colombia (11,6),  Guiana (12,8), Bolívia (14,9), Chile (24,0), Brasil (77,0), Peru (82,8),  Equador (160,1).

Com exclusividade para o Brasilia in Foco.

(Trata-se este artigo de forma revista de outro, publicado no dia 19 de maio de 2020, no Diário do  Poder, sob o título “Covid-19: os números não mentem jamais”.)

Pedro Luiz Rodrigues, diplomata aposentado, é jornalista. Serviu em Washington, Buenos Aires, Assunção e Tel-Aviv, tendo sido minisro-conselheiro em Paris e embaixador da Nigéria (e, cumulativamente, no Benim, Níger e Chade). Foi diretor do jornal O Estado de São Paulo e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).