Depreende-se que a hegemonia de um Estado no contexto internacional é resultante de vários fatores, e pode ser exercida pela hegemonia dirigente no campo da cultura e das idéias ou pela hegemonia dominante, via militar. Hegemonia, na verdade, não é sinônimo de imperialismo. A diferença de hegemonia para império está na falta de comprometimento explícito para com o bloco territorial de poder em si, e no embasamento em persuasão e recompensa aos subordinados. Hegemonia implica a participação do outro no exercício de seu poder, convencendo, bajulando ou coagindo-os a querer aquilo que você quer. Conceitos de poder, hegemonia, império e Estado dominante são equivalentes, uma vez que a guerra é inevitável para solucionar tensões geradas pela desigualdade na distribuição de poder no contexto internacional e a hegemonia é a consequência inevitável da vitória de pelo menos um Estado ou grupo. É nesse sentido que nos debruçamos sobre as tensões entre Rússia v. Ucrânia, que impactam a todos os atores internacionais.
O sistema de relações internacionais mudou desde o pós-Guerra Fria, quando sobressaíram novas características pontuadas por Kenneth Waltz, dentre elas uma maior interdependência entre os Estados, aumento dos fluxos de informações, ascendência na atuação das organizações internacionais, e diplomacia para a resolução de conflitos.
A crise russo-ucraniana afeta os países vizinhos, como a Turquia, estado membro da OTAN, que durante trezentos anos sofreu os embates da Rússia e tem seus interesses ameaçados por qualquer avanço russo. Fatos históricos mostram a dissolução da URSS em 26 de dezembro de 1991, e um lastro de “perdas” sofridas pelo país. Perda de poder, perda territorial de 5 milhões de quilômetros quadrados e 140 milhões de habitantes. A tática russa em 2022 está embasada em repor suas perdas, expandir sua influência no entorno estratégico e afastar de seu território a ameaça da inclusão da Ucrânia na OTAN, além de suprimir a interferência dos Estados Unidos em suas decisões.
A complexidade deste cenário remonta a 2008, por ocasião da “Guerra da Geórgia”, às ameaças militares, ataques cibernéticos, artefatos e vetores aéreos, navais e terrestres (caças, fragatas e carros de combate), com sofisticados sistemas de Comando e Controle, bem como detalhes minuciosos para alcançarem uma consciência situacional no Teatro de Operações, que provoca uma histeria psicológica provocada pelos anúncios sucessivos de iminente invasão, com famílias deixando o país, ou levando os filhos para acampamentos, além do deslocamento de milhares de soldados norte-americanos chegando na Polônia para defender a Ucrânia, enquanto a Bielorússia de Lukashenko abriga “centenas de milhares” de soldados russos. Um jogo de xadrez complexo, que coloca os atores envolvidos em torno de uma mesa com lances rápidos, precisos para definir os termos de sua proposta.
A violência aumentou no leste da Ucrânia a partir de 17/02/2022, com separatistas apoiados pela Rússia e autoridades em Kiev trocando acusações sobre violações do cessar-fogo ao longo da linha de frente, enquanto o presidente Joe Biden assevera que Moscou está fabricando um pretexto para invadir seu vizinho, alertando sobre a ameaça de uma incursão russa. Líderes governamentais têm seus olhos voltados para as declarações do Kremlin, ameaças explícitas de recorrer a “medidas técnico-militares” não especificadas se não receber dos EUA e de seus aliados garantias juridicamente vinculantes de sua segurança, que incluem uma promessa da OTAN de que nunca permitiria a adesão da Ucrânia, bem como restrições ao envio de tropas na Europa Oriental.
A prioridade centra-se na adoção de equipamentos modernos, desenvolvimento científico e tecnológico, intensificação da interoperabilidade e a logística conjunta e integrada, que torna esses exércitos mais eficientes, eficazes e capazes de enfrentar as ameaças da Rússia. O Conselho de Segurança da ONU recebeu Antony Blinken, Secretário de Estados dos EUA na quinta-feira, 17 de fevereiro, e ouviu atentamente seu discurso sobre o conflito, sua proposição de uma reunião com o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov. Blinken enfatizou que “A ameaça mais imediata à paz e à segurança é a iminente agressão da Rússia contra a Ucrânia. As apostas vão muito além da Ucrânia. Este é um momento de perigo para a vida e a segurança de milhões de pessoas, bem como para a fundação da Carta das Nações Unidas e a ordem internacional baseada em regras que preservam a estabilidade em todo o mundo”.
Regras que espelham a história dos fluxos de relacionamentos entre as sociedades, que se desenvolveram através de diversos campos de interação como o econômico, político e cultural e, com o tempo, tornaram-se mais complexos, dinâmicos, importantes e cada vez mais agressivos. Os regimes internacionais fortes dependem de um poder hegemônico, ao passo que a fragmentação do poder entre países em competição leva à fragmentação do regime e põe em risco a sua estabilidade. A esse conjunto de ações, atores e organismos que se permite denominar de Relações Internacionais, insere-se uma dominação, uma ordem baseada ideologicamente no consentimento, funcionando de acordo com princípios gerais que, de fato, asseguram a contínua supremacia de atores líderes: Alemanha, França, Reino Unido, EUA, China, Rússia, Alemanha. Ressalte-se, o poder bélico da Rússia, o poder econômico da China, o poder naval e econômico da Grã-Bretanha, o poder da Alemanha com sua participação nos mercados internacionais.
A eventualidade de uma invasão russa ao território da Ucrânia com seus mísseis supersônicos, seu poder militar e o domínio da cibernética, evidencia a urgente necessidade de uma conduta estratégico-diplomática da União Europeia, com a interferência do Chanceler alemão Olaf Scholz, que apresenta uma grande dependência do gás russo Nord Stream 2, apesar das relevantes divisões no seio da nova coalização alemã em relação ao posicionamento nessa questão. Os interesses econômicos alinhados à Rússia falam mais alto. A Alemanha importará da Rússia 60% de sua energia.
Na expectativa de uma solução imediata, inferimos sobre a dialética da paz e da guerra, que contribuem para esclarecer a lógica do comportamento diplomático e estratégico, que adentra a eventualidade do conflito armado. Como a paz é o objetivo razoável de todas as sociedades, constituindo o princípio da unidade da política externa, do intercâmbio contínuo entre as nações, reconhece-se a importância das questões acerca das relações entre indivíduos e de grupos em sociedades de tipos diferentes e em circunstâncias históricas distintas, assim como das relações entre liberdades individuais e responsabilidades sociais ou coletivas.
A constante evolução das relações internacionais traz à luz novos desenvolvimentos, balizados por pactos e convenções, sobre direitos civis e políticos, assim como direitos econômicos, sociais e culturais. A rivalidade entre as coletividades políticas não se inicia com o rompimento dos tratados, nem se esgota com a conclusão de uma trégua. Importante salientar, qualquer que seja o objetivo da política externa – posse do solo, domínio sobre populações, triunfo de uma idéia -, este objetivo nunca é a guerra em si. Alguns homens amam a luta por si mesma; enquanto outros povos praticam a guerra como um esporte. No nível das civilizações superiores, contudo, quando os Estados se organizam legalmente, a guerra não pode ser mais do que um meio (quando é deliberada conscientemente) ou uma calamidade (se foi provocada por causa desconhecida dos atores). Até hoje a paz nos tem aparecido como a suspensão, mais ou menos durável, das modalidades violentas da rivalidade entre os Estados. Costuma-se dizer que “reina a paz” quando o intercâmbio entre as nações não se manifesta por meio de formas militares de luta. No entanto, como esse intercâmbio se efetua à sombra das batalhas passadas, e sob o temor ou a expectativa de futuras batalhas, o princípio da paz (no sentido em que Montesquieu emprega o termo, na sua teoria do governo), não difere muito do princípio da guerra. A paz se fundamenta na potência, isto é, na relação entre os diferentes graus da capacidade que têm as unidades políticas de agir umas sobre as outras.
A essência dos conflitos políticos se assenta na incompatibilidade das metas e dos interesses dos membros da disputa. A partir do momento em que surge o conflito, o seu avanço se alastra com uma dimensão tal em seu curso e estágio. Compreender o desenvolvimento dos estágios de um conflito e a sua caracterização torna-se crucial para que possamos receber elementos do que vai acontecer no estágio seguinte, e como isso poderá facilitar o gerenciamento do conflito. A análise em questão indica uma luta ferrenha pelo poder, quebra de acordos internacionais, irresponsabilidade, e decisões coercitivas e intempestivas.
O gerenciamento do conflito Rússia v. Ucrânia indica numa primeira instância a perspectiva dos Estados Unidos e Alemanha atuarem como mediadores visando ao arrefecimento da tensão, a retirada das tropas, e um acordo político de longo prazo.
Augura-se a adesão de toda a comunidade política internacional para que se faça a paz, com a consolidação de uma estratégia pacificadora imbuída de um modelo integracionista e de sociabilidade, visando a defesa dos direitos das gerações futuras.