Pedro Luiz Rodrigues, jornalista, é embaixador aposentado pelo Itamaraty
O processo de aproximação entre o Brasil e a China foi cuidadosamente conduzido, a partir de 1971, por dois presidentes militares: os generais Emílio Médici e Ernesto Geisel. Médici tratou da abertura comercial, Geisel concluiu com a aproximação política. Foi um processo em que, por cima das preferências ideológicas, valorizou-se o pragmatismo.
Renovam-se indícios, aqui e ali, de que o governo brasileiro estaria desejoso de interromper o caminho que os dois países decidiram traçar a partir dos anos setenta. Por qual outra razão pessoas graduadas, próximas ao Presidente da República, viriam produzindo manifestações inamistosas à RPC.
Como se deve interpretar a iniciativa do ministro da Educação, Abraham Weintraub, de postagem nas redes sociais de material inaceitavelmente desrespeitoso e grosseiro para com a República Popular da China – país com o qual mantemos relações construtivas há 45 anos? Terá sido um gesto de irresponsabilidade fortuita – com o qual atingiu acidentalmente seu colega de Ministério, o chanceler Ernesto Araújo – ou houve combinação prévia? Não tendo havido mensagem de desautorização, fica-se sem saber.
Como cidadão comum, Weintraub pode dizer o que lhe dê na telha, usando e abusando da liberdade de expressão. Mas como Ministro de Estado, deveria melhor refletir sobre as consequências do que fala, evitando incursões em áreas sensíveis como as das relações internacionais. Se mal dá conta de gerir o seu próprio, por qual razão imiscuir-se em ministérios alheios? É claro que por trás de toda essa argumentação, renova-se a pergunta: agiu por conta própria ou a mando de escalão superior?
O comando da diplomacia brasileira foi entregue a meu colega Ernesto Araújo, um profissional da área. Weintraub, com seu protagonismo de botequim, presta-lhe um desserviço, minando publicamente seu prestígio e autoridade. O que é inaceitável, inclusive em termos institucionais. Afinal é o Itamaraty e não o MEC membro-nato do Conselho de Defesa Nacional, última instância da República no que diz respeito à soberania e à defesa do Estado democrático.
Em seu artigo 4º. a Constituição Federal estabelece com sabedoria muita precisão os princípios de nossas relações internacionais, por saber o Constituinte tratar-se de área sensível, onde não costuma ser salutar a presença de neófitos ou lambões.
Na verdade, a iniciativa de Weintraub está a merecer a atenção dos demais poderes da República, sobre se sua grotesca intervenção não configuraria crime de responsabilidade.
O Ministro da Economia deve ser consultado. Ele, melhor do que ninguém, poderá dizer o que significa agredir gratuitamente nosso principal parceiro comercial, o país que dá a sustentação mais importante às nossas contas externas (pois é no comércio com a China que geramos 80% de nosso superávit comercial), em particular na etapa de grandes incertezas em que está mergulhando a economia internacional.
O governo deve confirmar, por seu lado, se não terá recebido da Embaixada da China, na semana passada, listas com pedidos de doação ou aquisição de equipamentos e material formulados por diversos Estados da Federação e algumas das principais prefeituras do Brasil. Para começar a atender a esses pedidos, é preciso que o Ministério da Saúde defina suas prioridades ao governo chinês.
Já tivemos, em passado recentíssimo, a infelicidade de contar com com presidentes que optaram por cultivar chanceleres com funções praticamente decorativas. Em assuntos da política externa, Lula não movia uma palha nessa área sem auscultar seu assessor especial – que atuava como o chanceler de fato-, o professor Marco Aurélio Garcia. Dilma, por sua vez, deu pouca atenção ao professor, mas reduziu a zero a relevância dos ministros de Estado, um dos quais tratava de maneira grosseira, publicamente. Não é conveniente que esse tipo de desprestígio à titularidade da Casa se reinstale, e muito menos que Weintraub seja escolhido como o sucessor de Garcia nesse papel.