Mulher Maravilha com dois emes maiúsculos
O universo dos super heróis, assim como a vida real e toda a cultura pop (quadrinhos, filmes, livros, séries, jogos e afins), ainda carece de representatividade feminina. Mulher Maravilha – que arrecadou R$ 23 milhões e levou mais de um milhão de brasileiros aos cinemas no final de semana de estreia – é não apenas o primeiro filme da categoria a ser dirigido por uma mulher (Patty Jenkins) como também o primeiro longa da história com direção feminina e orçamento acima de 100 milhões de dólares.
Ponto para a Warner/DC, que além de sair na frente da grandiosa Marvel ao levar para o cinema a história solo de uma personagem mulher, ainda cuidou de representá-la pelos olhos e enquadramentos de outra mulher. Considero essa a grande realização do primeiro filme da Mulher Maravilha. Não vemos, enfim, a hipersexualização feminina, um problema recorrente em HQs e games – produtos que durante muito tempo foram criados por homens e vendidos para homens.
As amazonas e sua Ilha Paraíso rendem cenas com fotografia incrível e figurinos impecáveis. Conhecemos no primeiro ato a pequena Diana (Gal Gadot), uma menina que pede para ser treinada pela tia, a General Antíope (Robin Wright), escondido da mãe, a Rainha Hipólita (Connie Nielsen). Até então, a princesa das amazonas desconhece sua origem e seus poderes. É somente quando o avião do capitão Steve Trevor (Cris Pine) cai nas proximidades de Temiscira que a heroína embarca numa jornada de autodescoberta que a levará a cumprir seu destino no mundo dos homens.
Na Londres do início do século 20, Diana Prince enfrenta adversários muito comuns das mulheres ainda no século 21. Questiona profissões e modelos de roupas atribuídas às mulheres. Adentra em uma sala em que somente homens têm acesso e permissão de fala. Não bastasse fazer todas essas referências aos espaços que o machismo definiu para as mulheres, o longa coloca a heroína no front de combate da Primeira Guerra Mundial – conflito conhecido pelo uso de trincheiras, as quais dificultavam o avanço territorial das tropas.
Nesse momento, no segundo ato do filme, testemunhamos o nascimento da Mulher Maravilha. Precisamente, na cena em que ela resolve atravessar o campo de batalha com seu escudo, atraindo para si todas as balas dos adversários alemães. Eu fui às lágrimas com essas imagens. Senti como se todas nós, mulheres, estivéssemos ali representadas na Diana. Um tipo de identificação que nunca experimentei com nenhum outro super herói masculino. O que vemos a partir desse momento são cenas ainda mais impressionantes de luta, focadas na demonstração de força, habilidade e poder da personagem.
O último ato surpreende ao traduzir, simbolicamente, a forma como o machismo opera no cotidiano. Para bom entendedor, Ares – o Deus da Guerra (David Thewlis), durante sua batalha com Diana, a trata como incapaz, fraca, burra e ingênua. O que ele faz é mansplaining, prática comumente adotada por homens em conversas com mulheres. O Deus da Guerra fala didaticamente com a princesa das amazonas, inclusive, se apresentando como o detentor da “verdade”. Que mulher nunca passou por isso?
Ao derrotar Ares, Diana percebe que sua missão não foi concluída. Ela se vê motivada a trabalhar pela proteção da Humanidade após a morte do capitão Steve Trevor. Para a heroína, só o amor pode combater todo o mal e a desordem, porque foi isso que ela aprendeu desde criança com as amazonas. Não o amor romântico. A Mulher Maravilha é a guerreira que luta com o coração e a verdade, movida pelo altruísmo e pela empatia. Ela é tudo que as mulheres mais precisavam numa super heroína símbolo feminista. Espero ver muito mais ainda dessa incrível personagem nos próximos filmes da DC Comics.
Elenco
Cabe ressaltar aqui a espetacular interpretação de Gal Gadot no papel. A atriz deu o tom certo de humor, graciosidade e força à personagem, dentro e fora do set de filmagem. Cris Pine também foi perfeito, na medida exata de sua função como coadjuvante. Destaque ainda para a incrível General Antíope, que mesmo com pouco tempo de tela conseguiu ser marcante e sensacional tanto nas cenas de ação como nas de drama. Senti falta apenas de conhecer mais sobre a Rainha Hipólita e a Doutora Veneno (Elena Anaya), que poderia ser uma vilã mais bem explorada.
Por Bianca Nascimento – jornalista carioca que vive e trabalha em Brasília