O Chile vive momentos de euforia desde 19 de dezembro de 2021, com a vitória do jovem Gabriel Boric, esquerdista nascido em Punta Arenas, no extremo Sul da Patagônia, líder eloquente, que representa uma nova geração de liderança calcada em 4.5 milhões de votos. Trabalho inusitado que abrangeu setores do eleitorado que antes não estavam envolvidos na política eleitoral. Trata-se de competência altamente simbólica, imersa numa narrativa positiva e seletiva para uma verdadeira transformação democrática no país com repercussões dinâmicas na região. O futuro imediato apresenta a democracia plena, participativa, próspera, que transitam entre o estado de direito e instituições sólidas, visando ao aumento nos níveis educacionais e expansão do compromisso global.
Ao construir pontes, Boric almeja erradicar injustiças contínuas, sanear desigualdades perpetradas contra grupos étnicos, que foram excluídos dessa prosperidade, dentre os quais indígenas, mulheres e grupos vulneráveis LGBTQ, com direitos políticos e econômicos para todos. Ressalte-se que, a partir do século XVIII, o modelo de Estado de Direito passa a ser, de certa forma, imposto aos Estados periféricos e ex-colônias. Os seus subprodutos como a democracia e os direitos humanos também foram difundidos numa perspectiva universalista, baseados na teoria do direito natural, supondo que todas as comunidades possuem os mesmos valores e perseguem o mesmo rol de direitos. A lista de direitos humanos se estendeu ao longo dos tempos, tendo como ponto de partida a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão editada em 1789, cuja concepção iluminista preconizou a liberdade e a igualdade dos homens, buscando proteger os direitos humanos numa visão liberal e individualista. Direitos reconhecidos dentro do Estado, mas nunca contra o Estado.
Em junho de 2021, a Convenção Constitucional do Chile foi assentada, culminando um processo que começou com protestos espontâneos no final de 2019, logo se cristalizou em demandas por uma reforma do modelo social do país e reescrita a constituição do Chile, que remonta à ditadura de Augusto Pinochet.
Perspectivas futuras vislumbram um Chile forte, em estágio de transformação, que no plano substantivo busca tornar-se um ator governamental que se preocupa com direitos básicos de educação, saúde e meio ambiente, que valoriza o cidadão como partícipe da democracia.
Conquistas que mostram o compromisso da sociedade civil que, em outubro de 2019, protestou contra o aumento das tarifas do metrô, mobilizando os países vizinhos ao se solidarizarem com as reivindicações populares por melhores condições socioeconômicas, em meio à pandemia de COVID-19. Recentemente, o país viu-se abalado pelo escândalo dos Pandora Papers que expôs as contas no exterior, transações inapropriadas por parte das elites chilenas, que levou a público o contexto político de Sebastián Piñera e da Câmara Baixa, e torpedeou a pretensão presidencial do candidato do centro direita Sebastian Sichel.
Boric enfrentará um série de problemas em seu governo, como as relações exteriores, questões de segurança, proteção ao meio ambiente, e atração de investimentos externos. Infere-se acerca da premente necessidade de uma coalizão dos partidos políticos chilenos, com negociações pontuais para o desenvolvimento de seu governo, interlocução com atores de diferentes partidos. No Senado chileno de 50 cadeiras, a coalizão “Eu aprovo a dignidade” de Boric concluiu as eleições gerais controlando apenas 6 assentos, demandando uma nova coligação com o assento do centro-esquerda “Novo Pacto Social”, o que lhe permitirá uma maioria no legislativo, com mais alguns dos cinco assentos, que serão ocupados pelos partidos de centro ou os 22 que serão controlados pela coalizão de centro-direita “Podemos”. Não se pode esquecer que, apesar do delicado equilíbrio que enfrentará Boric no Congresso do Chile, o Partido Comunista do Chile com sua própria coalizão “Apruebo Dignidad”, que inclui o seu diretor de campanha, o comunista Izkia Siches, poderá limitar seu compromisso de “uma sociedade de bem-estar social”, educação universitária gratuita e melhores serviços de atendimento à saúde.
Boric se comprometeu a aumentar as regalias no setor de mineração, trabalhar diligentemente contra a evasão de impostos, e aprovar o decreto de um “imposto verde”. Num balanço geral, as repercussões econômicas para o Chile incluem reformas no sistema de previdência social, que deverá ser trocado por um sistema público universal e coloca em cheque as obrigações de pensões para uma nova geração de chilenos. O dilema perpassa por milhares de cidadãos que passaram a vida toda com contribuições previdenciárias diferenciadas no sistema.
Em análise comparativa com outros países da América do Sul constata-se que, o Chile está entre as economias mais abertas da região e é sensível à volatilidade dos preços das commodities, que caíram muito em 2021 por causa do COVID-19. A resiliência do Chile se deve a um compromisso de várias décadas com políticas macroeconômicas prudentes. O que inclui manter um orçamento equilibrado, e economizar o excesso de receita das exportações de cobre, em vez de usá-lo para financiar gastos públicos pródigos que fizeram com que outras economias dependentes de commodities, como Argentina e Equador, caíssem em armadilhas de dívidas caras.
Como resultado, o Chile construiu uma reputação entre credores e instituições financeiras internacionais como modelo de economia de mercado emergente, o que permitiu gastar com liberalidade durante a crise atual, e iniciar 2022 com a previsão de uma expansão econômica de 3,5%, crescimento sustentado por uma “recuperação do investimento, aumento nos preços do cobre, maior investimento público e condições favoráveis de financiamento” (OCDE, UOL economia, 2021).
A meta é um governo para o povo, com garantia de governabilidade, passando pela credibilidade e transparência para a opinião pública do país.
Boric enfatizou em seu discurso da vitória “Nosso governo conversará permanentemente com seu povo. O povo entrará no Palácio La Moneda. Hoje, a esperança venceu o medo. Estamos contentes, mas sabemos da responsabilidade que temos”.
Sonhos utópicos de um presidente que se define como “um farol que ilumina uma ilha deserta”, ou uma realidade factível de um país que se transformará em um modelo de bem-estar para o mundo?