Artigo: Muita pancadaria, pouca solidariedade – Por Pedro Luiz Rodrigues

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Pedro Luiz Rodrigues

Pedro Luiz Rodrigues é jornalista e diplomata aposentado. Foi Embaixador do Brasil na Nigéria, Benim, Níger e Chade e Ministro-Conselheiro em Paris.  Serviu em Washington, Buenos Aires, Tel-Aviv, Assunção e Daca. Foi  diretor da sucursal do jornal O Estado de São Paulo em Brasília e da Febraban e Secretário de Imprensa da Presidência da República, do Ministério da Fazenda e do Ministério das Relações Exteriores.

A pandemia do novo coronavírus ainda corre desembestada, a aterrorizar boa parte do planeta, seja pela ameaça à saúde das pessoas, seja pelos danos que começa a produzir na economia. A descoberta de uma vacina e sua produção em massa, para assegurar a imunidade das pessoas, vai levar de seis meses a um ano. Já os danos à economia prometem ser de muito mais longa duração.

Se a crise internacional de 2008 – que teve por origem descalabros na esfera financeira – foi desastrosa, ela não representou mais do que uma recessão, a etapa final de um ciclo econômico. O que agora está em gestação é algo muito mais sério: estamos no limiar de uma depressão.

Os primeiros sinais do desastre já se manifestam, com intensidade maior nos países ocidentais.  A desativação da máquina produtiva, o desemprego, a necessidade de transferência de gigantesca massa de recursos públicos para assegurar renda mínima de sobrevivência para milhões, são apenas as consequências imediatas e mais evidentes.

Atreladas a essas consequências vem o desarranjo das contas públicas, o acúmulo de dívidas – pelos governos, empresas e indivíduos – e uma tendência à desorientação dos preços relativos. No Brasil, o sintoma imediato foi a queda na arrecadação – só no âmbito federal, o declínio foi de 30% no mês de abril, em relação a março. Globalmente, já estão sendo atingidos os vínculos globais do comércio e do investimento.

A falta de equipamentos e materiais médicos recentemente experimentados por alguns países, nos cruciais períodos de emergência do Covid-19, alertou governos, empresas e cidadãos quanto à insegurança representada pelo fato de itens essenciais não estarem sendo produzidos dentro de suas próprias fronteiras nacionais.

Se essa preocupação persistir, pode tornar-se uma tendência e levar ao rompimento de cadeias produtivas globalizadas e, como resultado, ao abandono da maior conquista da logística produtiva das últimas décadas – o ‘just-in-time’.

Agrava o quadro as crescentes tensões entre os Estados Unidos e a China, em relação às quais não se observa no cenário, até agora, perspectiva de solução. A cada o dia o noticiário mostra que o diálogo bilateral vai se erodir ainda mais, ampliando a lacuna de mal-entendidos entre os dois países. O que teve início há dois anos como uma disputa comercial, encaminha-se para uma queda de braço entre as duas principais potências econômicas do mundo.

Na semana passada, Robert E. Lighthizer, o representante comercial dos EUA, disse, em artigo, perceber que os riscos  estão se tornando  maiores do que a eficiência incremental obtida com a terceirização global..

Ele lançou duras  farpas, particularmente  em direção à China. É o aspecto da ‘pancadaria’ a que quis me referir no título deste artigo, onde excessos, de qualquer natureza, em particular verbais, são matéria-prima muitíssimo apreciada pelos manipuladores das mídias sociais. Esses inputs, adulterados e ampliados,  são absorvidos acriticamente por uma opinião pública que, como Walter Lippman nos ensinou, é muito mais guiada pela emoção do que pela lógica.

Não há dúvida de que o grande motor em ação no momento, nessa máquina de produzir tensões em escala global,  é de natureza político-eleitoral, com vistas às eleições de  ‘mid-term’ (meio-mandato) que ocorrerão nos EUA em novembro próximo.

Entrevistado há alguns dias pelo Global Times, de Pequim, Stanley Roach – economista da Universidade de Yale e ex-presidente do Morgan Stanley Asia – expressou sua grave reocupação com a adesão de expressiva parcela da opinião pública americana  à campanha orquestrada da Casa Branca contra a China. Mencionou “um vazamento na estratégia política do Partido Republicano que foi escrita por alguns consultores para a campanha presidencial”, que havia lido com muito cuidado: “Sua orientação básica sobre a nova política de coronavírus é: não defenda Trump, mas ataque a China. A estratégia republicana na próxima campanha eleitoral presidencial está muito focada no ataque à China ”.

O economista e d Prêmio Nobel, Paul Krugman, não emprega meias palavras, vai direto ao ponto.  Para ele, o presidente Trump não está encontrando uma maneira fácil dos problemas criados na área da saúde: sua falta de paciência com o trabalho duro, para conter a pandemia pode ser precisamente o que torna mais séria a situação. Se nada for feito, advert Krugman, não será apenas uma recessão que está à nossa frente, mas uma profunda depressão.

Além disso, a disseminação da retórica anti-China já alimenta reações políticas mais extremas em terceiros país, dificultando a indispensável colaboração política global para a contenção do COVID-19.

Países como o Brasil devem agir com cautela. Temos interesses concretos em manter um bom relacionamento com a China, não apenas nosso principal parceiro comercial, mas também o parceiro com o qual obtemos um superávit comercial grande o suficiente para cobrir o déficit da conta de serviços em nossa conta corrente da balança de pagamentos.

As empresas, americanas ou não, que investiram pesadamente na China temerão os obstáculos que podem ser estabelecidos unilateralmente pelas autoridades americanas, prejudiciais à integração e interconectividade global. (Este artigo é adaptação de anterior, publicado em 14 de maio no Diário do Poder,  sob o título “Tudo vai piorar ainda muito mais!“)

Pedro Luiz Rodrigues é jornalista e diplomata aposentado. Foi Embaixador do Brasil na Nigéria, Benim, Níger e Chade e Ministro-Conselheiro em Paris.  Serviu em Washington, Buenos Aires, Tel-Aviv, Assunção e Daca. Foi  diretor da sucursal do jornal O Estado de São Paulo em Brasília e da Febraban e Secretário de Imprensa da Presidência da República, do Ministério da Fazenda e do Ministério das Relações Exteriores.

Texto publicado com autorização do autor para o www.brasiliainfoco.com