Entrevista concedida a jornalista Fabiana Ceyhan
Embaixador do Japão no Brasil, Akira Yamada
O adiamento dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio foi uma decisão difícil, mas necessária, considerando-se as circunstâncias sem precedentes que afetaram e continuam afetando todo o mundo. O que mudou no Japão desde o anúncio do adiamento?
Nas Conversações das Cinco Partes realizadas em março pelo Governo do Japão, o COI, o COP, o Comitê Organizador e o Governo Metropolitano de Tóquio chegaram a um acordo para descartar a aceitação de espectadores de outros países. Quanto ao limite superior dos espectadores domésticos, continuaremos a definir a direção básica tendo em conta a situação da COVID-19 e dos eventos desportivos no Japão e no estrangeiro.
Os Jogos de Tóquio 2020 serão muito diferentes de tudo o que já vimos antes. No entanto, a essência dos Jogos permanecerá a mesma: atletas dando o melhor de si e inspirando o público com os seus desempenhos excepcionais.
Esta é a primeira vez em que os Jogos Olímpicos foram adiados por um ano, devido a uma doença infecciosa. Acredito que os vários conhecimentos que adquirimos na gestão dos Jogos de Tóquio, mantendo a COVID-19 em mente, serão um grande legado para futuros eventos desportivos e outros eventos globais. Enquanto utilizamos tecnologia japonesa, começamos a considerar mecanismos concretos que permitirão às pessoas de todo o mundo aplaudir os Jogos e conectarem-se umas às outras de uma forma apropriada a esta era.
Os Jogos de Tóquio tinham o objetivo de ser “os mais inovadores da história”. E agora, o que podemos esperar dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, com as restrições necessárias para garantir a segurança dos atletas, da organização e do público? O que vamos ver na TV, a partir de 23 de julho?
Como símbolo de solidariedade global, e como “Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Reconstrução”, para transmitir ao mundo o espírito de recuperação do Grande Terremoto do Leste do Japão, espero que os Jogos Olímpicos e Paralímpicos conduzam todos ao futuro. Espero também que, sob o impulso do bastão a ser passado “do Rio para Tóquio”, o intercâmbio desportivo entre o Japão e o Brasil se torne ainda mais ativo.
Além disso, a Embaixada realizou um webinário em março, convidando o chefe do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio a explicar o conceito dos Jogos. O vídeo do webinário está agora disponível no canal da Embaixada no Youtube. Por favor, confiram o vídeo para saber mais sobre os planos para os Jogos de Tóquio.
Como o Sr. avalia o espírito do Japão nesse momento? Como o país tem reagido ao novo coronavírus? Que tipo de exemplo japonês o Sr. acha que pode servir de inspiração, enquanto todos tentam aprender a conviver nesse “novo normal”?
No Japão, em 18 de maio, o número de pessoas infectadas com o COVID-19 é de 687.825, e o número de mortes é de 11.591. Em maio do ano passado, o Governo do Japão delineou um “novo estilo de vida” considerando os cuidados necessários para a prevenção da COVID-19.
As orientações são:
(1) Evitar o contato com as pessoas;
(2) Evitar os “3 Cs” – espaços fechados e com pouca ventilação (closed spaces), aglomerações (crowded places) e contato próximo entre pessoas (close-contact settings);
(3) Uso de máscaras;
(4) Incentivar a lavagem das mãos com sabão e a desinfecção com álcool.
O Governo do Japão apelou aos seus cidadãos e estrangeiros residentes no Japão para que aderissem a essas orientações de várias maneiras.
O povo japonês tem feito esforços para cumprir este novo estilo de vida de modo a não espalhar a infecção. Esta política básica não mudou, mesmo perante a propagação de variantes do vírus.
Por outro lado, devido ao aumento do número de pessoas recentemente infectadas e à escassez de leitos hospitalares em algumas regiões, foi emitida uma declaração de emergência com prazo até 31 de maio para nove prefeituras (Hokkaido, Tóquio, Osaka, Quioto, Hyogo, Aichi, Okayama, Hiroshima, e Fukuoka) com elevados níveis de infecção.
Segundo esta declaração, o Governo do Japão solicita às prefeituras identificadas para:
(1) Abster-se de sair desnecessariamente ou de se deslocar entre as prefeituras, inclusive durante o dia;
(2) Pedir aos restaurantes que servem álcool e karaokês que fechem, e solicitar a outros restaurantes que encurtem o seu horário de abertura para 20h;
(3) Instalação de painéis acrílicos em restaurantes e definição da distância social entre pessoas;
(4) Limitar o número de visitantes aos eventos;
(5 )Reduzir o número de empregados que chegam ao trabalho em 70%, por meio do home office;
Além disso, no que diz respeito à vacinação, estão a ser feitos esforços para completar duas injeções de vacinação para todos os idosos que desejam ser vacinados até ao final de julho, com um objetivo de um milhão de injeções por dia. Neste contexto, o Japão está encontrando um equilíbrio entre a prevenção de infecções e várias outras atividades.
Podemos ver que o Japão não cancelou as Olimpíadas e Paralimpíadas, mas como o país manteve também a educação de crianças e a atividade econômica nesse último ano?
Em primeiro lugar, no que diz respeito à educação, o Japão retomou as aulas presenciais em quase todas as escolas, impondo um “novo estilo de vida”, baseado na crença de que a aprendizagem das crianças é essencial para o futuro do país e também na importância de que as crianças continuem a aprender neste momento.
Para o apoiar o aprendizado das crianças, o Ministério da Educação, Cultura, Esporte, Ciência e Tecnologia (MEXT) formulou o “Pacote Integral de Medidas para Assegurar a Aprendizagem dos Estudantes em Resposta ao Novo Coronavírus”, que inclui medidas orçamentárias para a melhoria do ambiente das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) nas instalações educativas, a compra de álcool em gel e outros artigos para prevenir infecções, e o destacamento de 85 mil funcionários para apoiar os professores das escolas. Os detalhes destes esforços estão disponíveis nosso canal do YouTube. Vejam também este vídeo.
Em segundo lugar, em relação às atividades econômicas, o Governo do Japão tem promovido medidas econômicas desde o início da propagação do novo coronavírus no Japão. Em dezembro de 2020, o governo japonês formulou as “Medidas Econômicas Abrangentes para a Paz de Mente e Esperança para Proteger a Vida e os Meios de Vida do Povo”.
O Governo do Japão assegurou quase 676 bilhões de dólares especificamente para:
(1) Prevenir a propagação da infecção, incluindo a segurança dos sistemas de prestação de cuidados médicos;
(2) Apoiar o emprego e as empresas para proteger os meios de subsistência das pessoas contra o impacto econômico da pandemia dentro e fora do Japão;
(3) Promover a adaptação da estrutura econômica e alcançar um ciclo virtuoso em direção à era pós-COVID-19.
Algumas dessas medidas também têm tido efeito no exterior? Que iniciativas do Japão têm auxiliado no combate global à pandemia?
Na luta contra a COVID-19, o Japão reuniu a sabedoria dos setores público e privado e fez o seu melhor para a saúde e segurança das pessoas no país e no mundo.
(1) Em primeiro lugar, a fim de proteger vidas de novas infecções pelo coronavírus, o Japão apoiou plenamente o desenvolvimento de medicamentos, vacinas e diagnósticos, e a segurança da acessibilidade equitativa aos mesmos, inclusive nos países em desenvolvimento. Estamos também participando na iniciativa internacional (COVAX) para a compra e distribuição conjunta de vacinas contra o coronavírus nos países em desenvolvimento, e estamos propondo um quadro de “agrupamento de direitos de patente”.
(2) Em segundo lugar, em preparação para uma próxima crise sanitária, enquanto empregamos esforços inéditos para a construção de hospitais nos países em desenvolvimento, estamos apoiando o reforço dos sistemas de saúde em cada país por meio do fornecimento de equipamentos e da formação de recursos humanos.
(3) Em terceiro lugar, a fim de garantir a segurança sanitária em diferentes aspectos, o Japão está fornecendo mais de 1,6 bilhões de dólares em assistência estrangeira nos domínios médico e da saúde em resposta à crise atual, incluindo a melhoria ambiental em áreas como WASH (água e saneamento) e nutrição.
Também temos prestado vários tipos de cooperação ao Brasil. Como medida contra a COVID-19, o Governo do Japão forneceu numerosas formas de cooperação no valor aproximado de 4,8 milhões de dólares, incluindo o fornecimento de equipamento médico. Além disso, como parte da assistência de emergência para a prevenção e controle da pandemia na América Latina através da OPAS, fornecemos aproximadamente 485 mil dólares ao Brasil. A Embaixada doou também 7 mil máscaras, 4 mil luvas, e 1 mil equipamentos de proteção individual para o pessoal médico ao Departamento de Saúde do Distrito Federal (DF). As empresas japonesas também estão cooperando com o projeto do Governo do Brasil de reparação de ventiladores, e estão fornecendo fundos e equipamentos aos hospitais.
Além disso, em cooperação com a OPAS e outras organizações, realizamos reuniões online de peritos e webinários para partilhar nossos conhecimentos sobre contramedidas e esforços relacionados com a COVID-19. Por meio de vídeos de redes sociais e da minha própria participação na Comissão externa da Câmara dos Deputados, compartilhei o meu conhecimento dos esforços do Japão para reabrir escolas e assegurar a aprendizagem das crianças.
Por ocasião da celebração da Data Nacional do Japão, em fevereiro deste ano, estes esforços foram destacados num vídeo com uma mensagem de um novo futuro para o Japão e o Brasil.
O Japão continuará a trabalhar com a sociedade internacional para proteger a vida, a subsistência e a dignidade das pessoas em todo o mundo, com base na ideia de que “ninguém deve ser deixado para trás’.
O Brasil é um dos países que sempre contou com a ajuda do Japão. Afinal, temos a maior comunidade nikkei do mundo, fora do Japão. Em 18 de junho, completam-se 113 anos de imigração japonesa no Brasil. Como o Sr. avalia a influência da cultura japonesa sobre o Brasil?
Gostaria de expressar a minha gratidão aos muitos brasileiros que celebram todos os anos o 18 de junho como “Dia da Imigração Japonesa”. Este ano, a Embaixada está também preparando um projeto comemorativo. Através disso também, espero celebrar com vocês o 18 de junho.
O Brasil é o lar de aproximadamente 2 milhões de nikkeis, o maior número no estrangeiro. Este laço humano especial é uma importante pedra angular da relação de amizade entre os dois países.
Os nikkeis têm levado aos muitos brasileiros a comida japonesa, como sushi, tempura e yakisoba; uma vasta gama da cultura japonesa, como o Ikebana; sobre eventos tradicionais japoneses, como Bon Odori; e sobre a cultura empresarial do Japão e as sensibilidades japonesas.
Por exemplo, através do judô, a importância da disciplina e da etiqueta japonesa foi transmitida. Recentemente, jovens nikkeis em São Paulo desenvolveram atividades de limpeza de ruas para transmitir o valor da cultura japonesa de limpeza e higiene. Os jovens nikkeis em Brasília estão desempenhando um papel central na promoção do estabelecimento de uma rede de empresários nikkeis em todo o Brasil.
Estou muito feliz por ver e ouvir que muitos brasileiros gostam da cultura e sensibilidade japonesas e a incorporam as suas vidas. Espero que o encontro com a cultura e sensibilidade japonesas aprofunde o seu interesse e compreensão do Japão e o faça sentir-se mais familiarizado com o Japão.
A fim de desenvolver ainda mais a amizade entre o Japão e o Brasil, a Embaixada fará mais esforços para apoiar eventos culturais japoneses; para promover o judô no ensino escolar em cooperação com a Confederação Brasileira de Judô (CBJ); e para tornar a comida japonesa, como a carne japonesa (Wagyu) segura e saborosa, o saquê e o shochu (bebida destilada japonesa), disponível para mais brasileiros.
A cultura mais moderna do Japão ainda influencia os jovens, não é? O Sr. vê muitos jovens, descendentes de japoneses ou não, que continuam ligados ao Japão pela afinidade com a cultura pop?
No Japão, um grande número de mangás são publicados e muitas animes são transmitidos. Creio que, devido a esta feroz competição no Japão, excelentes obras são produzidas e sua qualidade é aceita pelo mundo.
Este mês, foi lançado no Brasil o filme “Demon Slayer”, com um total bruto de bilheteira de mais de 74,4 milhão de dólares fora do Japão. Acredito que haverá mais oportunidades para entrar em contato com o anime e o mangá japoneses no Brasil.
Tenho participado em eventos em todo o mundo relacionados com a cultura pop japonesa, tais como mangá e anime, dando palestras sobre mangá, e interagindo com fãs em todo o mundo. Eu fui apelidado “Diplomatico Friki” e “Diplomatico Otaku” pelos fãs espanhóis, e “Embajador Otaku” pelos mexicanos.
No Brasil, ministrei uma palestra sobre mangá na Japan House São Paulo, em 2019. Embora não tenha havido uma edição no ano passado, organizamos um evento de cosplay anualmente em cooperação com as organizações locais de cultura pop, no qual também participei.
Muitos brasileiros vieram às minhas palestras e eventos de cosplay, e penso que os fãs de anime e manga japonesa estão criando raízes em várias partes do mundo, e sinto fortemente que estes fãs têm interesse no Japão através do anime e do mangá.
Por exemplo, alguns estudantes universitários formaram-se em estudos japoneses devido ao anime e ao manga e, em alguns casos, há estudantes que querem estudar no Japão.
Além disso, os fãs entusiásticos querem ver diretamente os locais no Japão que são tratados em anime e mangá, o que leva a incentivos para o turismo no Japão.
Esses laços diplomáticos também têm reflexo na relação econômica entre os dois países? Que aspectos tornam o Brasil um parceiro comercial interessante para o Japão, e como essa relação deve se desenvolver nos próximos anos?
O Japão e o Brasil compartilham valores fundamentais como a democracia, o estado de direito e os direitos humanos. Os dois países têm as relações de amizade com base nos fortes laços humanos há muito tempo. Na área econômica, vieram aprofundando a cooperação em amplas áreas, incluindo a implementação de vários projetos nacionais.
Na ocasião da visita ao Brasil do Ministro Motegi, dos Negócios Estrangeiros do Japão, em janeiro deste ano, foi confirmada a “Parceria Estratégica e Global” entre ambos os países, que promove a cooperação e a parceria não somente bilateral, mas também no âmbito internacional, e foi acordado o fortalecimento da relação entre Japão e Brasil, que ano a ano se amplia e se aprofunda.
Desde 2011, o número de empresas japonesas que expandiram suas atividades no Brasil aumentou de 370 para 654. Mas o potencial das relações econômicas entre ambos os países é ainda maior. Espera-se do governo brasileiro a melhoria do ambiente de negócios por meio de desburocratização e reformas. As relações comerciais Japão-Brasil estão se desenvolvendo de várias maneiras com as diversificações da cadeia de suprimentos e expansões das empresas japonesas ao exterior, num ritmo superior às estatísticas de comércio bilateral. Espera-se um progresso maior no empenho do Brasil na ampliação da participação na cadeia de suprimento global.