Entrevista com o Embaixador da Finlândia no Brasil sobre o combate ao Covid-19 “O país, desde a Guerra Fria, mantém grandes depósitos com insumos”

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Entrevista exclusiva a Jornalista Fabiana Ceyhan

O país, desde a Guerra Fria, mantém grandes depósitos com insumos e produtos essenciais como forma de segurança de abastecimento em casos de emergências, como ameaças militares, por exemplo.

1- Quantos casos de infecções pelo Covid-19 tem na Finlândia Hoje? 

Até esta terça-feira (14), a Finlândia tinha 3.161 casos confirmados de Covid19, com 232 pacientes internados, sendo 75 em UTI. Até o momento, foram registradas 64 mortes, uma média de 12 óbitos por milhão de pessoas. Então Finlândia está mais ou menos no mesmo nível que o Brasil nesta pandemia. Nossos vizinhos nórdicos, infelizmente, estão mais afetados no momento.

2- Quais as medidas atuais tomadas pelo governo para evitar a propagação do Vírus? Como a população tem reagido?

Estamos fazendo um trabalho em conjunto na Finlândia. Na luta contra a Covid19, é preciso união entre governo e população para que a gente atravesse essa crise da maneira menos danosa e o mais brevemente possível. O governo decretou Estado de Emergência em 16 de março, fechando parcialmente as fronteiras. Hoje, apenas finlandeses e residentes permanentes na Finlândia podem entrar no país, como forma de preservar a saúde de todos. A região de Uusimaa, onde fica Helsinque, é a que apresenta o maior número de casos e, por isso, ficou isolada do resto do país até o dia 15 de abril, como forma de prevenir que o vírus se espalhasse rapidamente para regiões que ainda não foram atingidas.

O controle no aeroporto é rígido: os passageiros finlandeses e residentes permanentes precisam preencher um formulário sobre o estado de saúde durante o desembarque e, caso apresentem sintomas, têm que ficar isolados em um hotel até que o resultado do teste fique pronto. Independentemente de apresentar sintomas ou não, todos os cidadãos que desembarcam na Finlândia precisam fazer quarentena de 14 dias. Ônibus também estão proibidos para passageiros que voltaram do exterior – eles devem sair do aeroporto em carro próprio ou táxi-charter organizado pelo governo.

Aulas presenciais foram suspensas, exceto para crianças matriculadas em creches ou entre 7 e 10 anos cujos pais não têm com quem deixa-las. Restaurantes podem funcionar apenas em esquema delivery ou take-away. A população também faz sua parte respeitando as orientações e ficando em casa. As ruas na Finlândia estão vazias, demonstrando o cuidado da população com o próximo. Sabemos que a contribuição de todos é importantíssima neste momento, então os finlandeses estão bem conscientes de que é preciso que cada um faça a sua parte e fique em casa para evitar que as infecções se alastrem.

Na Finlândia sempre tivemos uma cultura de respeito e cuidado com o próximo. Num clima ártico como o nosso, ninguém nunca sobrevive sozinho. Talvez por causa disso colocamos muitas vezes os interesses coletivos acima dos interesses pessoais. Nossa população é relativamente pequena, e cada pessoa importa, independentemente da idade ou do gênero. O respeito e o cuidado, típicos da cultura finlandesa, ajudam muito na luta contra o vírus, porque queremos proteger a nossa população, especialmente idosos e pessoas com doenças crônicas. A empatia e o cuidado uns com os outros sempre foram traços da nossa sociedade e com essa crise pudemos perceber a importância dessas características. Só assim, comunião e alinhamento entre governo e população, conseguiremos vencer esta luta, e acredito que estamos cumprindo o nosso papel de cidadãos na Finlândia.

3-O sistema de saúde do país está preparado para um aumento de casos?

O sistema de saúde está suportando bem até o momento. Em todo o país, temos 300 leitos de UTI e 200 leitos de semi UTI para 5,5 milhões de habitantes. Agora temos 75 pacientes internados em UTI em decorrência da Covid19, uma ocupação de 25% do total de leitos de UTI. Apesar de tudo estar sob controle até o momento, o governo tem a meta de ampliar as unidades de terapia intensiva, chegando a 1.000 leitos de UTI. Felizmente no momento parece que temos respiradores mecânicos em número suficiente na Finlândia, mesmo que não tenhamos produção nacional. Além disso, outras decisões foram tomadas, como por exemplo a suspensão de cirurgias não urgentes, para evitar que leitos de UTI sejam ocupados sem necessidade em um momento delicado como este.

4- Quando o Sr acredita que tudo voltará ao normal?

Acho que ninguém tem essa resposta, mesmo que já tenhamos noção da dureza desta pandemia depois de observar as experiências de alguns países. Eu, como um otimista eterno, quero acreditar que o Brasil e a Finlândia possam sair desta crise mais cedo e menos afetados, já que nossos países começaram as medidas de isolamento bastante cedo, quando o número de contaminações ainda era relativamente baixo. Vamos todos fazer a nossa parte: evitar espalhar o vírus e ajudar nossas famílias, nossos vizinhos e as pessoas mais vulneráveis a passarem esse tempo em segurança.

5- Fique à vontade para fazer quaisquer considerações sobre o assunto.

Além das medidas naturais tomadas pelo governo, como fechamento de fronteiras, isolamento da região de Uusimaa e suspensão da maior parte das aulas presenciais, tivemos um fato interessante e inédito na Finlândia. O país, desde a Guerra Fria, mantém grandes depósitos com insumos e produtos essenciais como forma de segurança de abastecimento em casos de emergências, como ameaças militares, por exemplo. Esses depósitos foram amplamente abastecidos com insumos básicos de sobrevivência, como cereais para alimentação, petróleo para casos de desabastecimento e também com insumos de saúde, como agulhas e seringas descartáveis, dispositivos de transfusão de sangue, material de intubação, máscaras e outros produtos muito úteis em emergências sanitárias como esta que estamos vivendo. Como a Finlândia passou por muitos períodos difíceis de guerra, aprendemos com a história a prevenir tempos de penúria. Manter esses estoques estratégicos ao longo das últimas décadas foi uma dessas decisões para proteger a população. Neste momento de crise mundial, o governo resolveu, pela primeira vez, abrir esses imensos estoques, que nunca foram desmontadas depois da Guerra Fria, para que não falte nada à população, especialmente materiais hospitalares.