Entrevista com embaixador e poeta Raul de Taunay sobre o lançamento do livro

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ENTREVISTA COM RAUL DE TAUNAY
AUTOR DE “A LUCIDEZ DA LENDA”

O escritor Raul de Taunay lança no dia 26 de abril seu novo livro “A Lucidez da Lenda: Um Ensaio Sobre o Futuro”*. Será na Biblioteca Nacional, a partir das 18h. A programação inclui um bate-papo com o autor sobre sua nova obra, uma sessão de autógrafo e um coquetel.

“A Lucidez da Lenda” é o nono livro da carreira de Raul de Taunay. O romance se passa na pequena São Bento da Ribanceira, cidade amazonense fictícia criada para ser um dos cenários do romance épico passado na segunda metade do Século XXI. Nele, o ditado que diz que “Deus é brasileiro” parece se confirmar. É ali que Ele, sob diferentes formas e em diferentes momentos, vai se comunicar com Antônia dos Anjos, uma jovem ribeirinha cuja missão será impedir a destruição da Amazônia por parte da Federação das Corporações Unidas, a mega associação de multinacionais, que com seu poderio econômico, midiático e bélico domina a Ordem Mundial.

1) Qual foi o ponto de partida que o inspirou a criar o argumento para o livro?
Houve alguma leitura, algum fato que serviu de fagulha para o início da
criação?

Aprender a ler e a escrever foi o ponto de partida, o que de mais vibrante me
aconteceu na vida; depois, foi iniciar a converter palavras em imagens. Como
autor deste romance de características épicas, posso dizer, sem descambar
para o piegas, que foram várias as leituras que me inspiraram na criação
desta obra.
Vejam bem, no meu tempo de criança eram poucas as revistas em
quadrinhos, nem havia muitos filmes e estávamos ainda longe de descobrir a
internet e todos os seus jogos e aplicativos. Então, ainda pequeno, minha
diversão maior era ler os vários volumes escritos por Vítor Hugo, Alexandre
Dumas, Julio Vergne, Edgar Rice Bourroughs, Monteiro Lobato, Henry
Charrière, que escreveu o calhamaço esplendido de título “Papillón”, Alain
Bombard e suas aventuras oceânicas, enfim, dezenas de outras obras de
ficção e não ficção que enchiam meus olhos. Eram para mim como as séries
do Netflix são para os jovens de hoje.
Assim foi que, através da leitura, naveguei ao lado do Capitão Nemo e suas
vinte mil léguas submarinas, lutei ao lado de d´Artagnan contra a guarda do
cardeal Richelieu, visitei o pátio dos milagres e ajudei os injustiçados, subi na
torre de Notre Dame para ver o corcunda a badalar seus sinos, e torci para
que Joana d´Arc libertasse seu país.
E a fagulha veio, justamente, da luta de Joana d´Arc pela libertação da
França, que sempre cativou meu espírito: uma jovem virgem lançada contra
os lobos invasores, e que, com o apoio de Deus, venceu batalhas até o dia
em que foi traída e queimada viva na fogueira. Uma mulher que entrava para
a posteridade ainda na mais terna idade. Dela, nasceu Antônia dos Anjos,
simbolizando o ideal de grandeza e união que projetei para o nosso futuro.

2) Por que a escolha de um cenário futurista para desenrolar a trama?
Porque eu sempre escolho os grandes desafios. Sempre fui assim. Quando
comecei a carreira diplomática, aos vinte e poucos anos, preferi acompanhar
a guerra num país africano a viver na calmaria de um posto no mediterrâneo,
onde pouca ação ocorria. No caso deste livro, em vez de escolher um cenário
de romance bucólico e urbano, desenvolvido no presente, me meti nas águas
turvas de um futuro incerto e misterioso, de difícil concepção. Um futuro que,
se pensarmos bem, está, de alguma forma, enraizado em todos nós, cada
qual com sua visão de como se organizará a sociedade quando formos um
formigueiro humano de dezenas de bilhões de seres vivos – um formigueiro

em fecundação, querendo amar, procriar e consumir num planeta
terrivelmente explorado e asfixiado. Portanto, escolhi este desafio mais bem
como um sublime exercício de ideais e sensibilidades expostas nesta
maratona que foi escrever tantas páginas e que despertou para sempre minha
vocação de escritor.

3) Como sua experiência na vida diplomática o influenciou na construção desta
narrativa?

Aprendi duas coisas importantes na carreira diplomática: a observar e a
escrever. Aprendi também a sobreviver num ofício político disputado,
abundante em temas originais, repleto de assuntos com força dramática,
causas estudadas e examinadas por protagonistas de primeira ordem.
Impossível, portanto, não desenvolver na carreira técnicas de convívio com
esses temas, acompanhando e observando os diplomatas brasileiros, que são
professores exemplares.
E nesse embroglio de leitura e ação, edificou-se em mim a ambição suprema
de contar uma história bem contada, uma história envolvente, daquelas que
não se lêem, mas que se vivem.
O diplomata em mim ajudou-me a conceber o enredo do livro, mas não foi
crucial. Foi o escritor que construiu os personagens, que deu-lhes o poder de
induzimento e persuasão que se alastra ao longo das páginas. Se consegui
ou não anular a distância entre trama e diplomacia, caberá a cada qual dizer.
O que sei é que pensei em criar uma realidade paralela onde me refugiasse
para dar vasão a esta paixão, a este vício que é escrever e que eternizou meu
instante, aproximando-me da consciência de que o heroísmo e o épico cabem
tanto no futuro quanto couberam no passado.

4) Há uma temática ambiental nessa obra. Isso reflete, de alguma maneira, uma
preocupação com questões ambientais, principalmente envolvendo a
Amazônia no contexto global?
A Lucidez da Lenda carrega sem dúvida a preocupação com a temática
ambiental porquanto, lamentavelmente, o nosso futuro como civilização prevê
um contexto trágico se não cuidarmos com muita consciência de nosso
planeta. Vários são os problemas gerados pela raça humana que afetam a
fauna, a flora, o solo, as águas, o ar e etc.
Por isso o livro traz em suas entrelinhas a filosofia do reencontro com a
natureza, uma espécie de xamanismo, a descoberta dos fenômenos naturais
que existem nas matas e que estrondeiam para nos alertar de que há vida
fora dos shopping-centers e de que frutas e sucos naturais são mais
saudáveis e saborosos do que comidas e bebidas tóxicas.

Outras considerações
No fundo, sinto-me aventurado ao colocar no papel o que penso deste livro que
escrevi, e que está escapando de mim e entrando para o domínio público. Cada qual
terá sua opinião a respeito da trama desta novela, assim como ela também, como
todas as novelas, alterará de alguma maneira a percepção estabelecida do leitor,
sendo cada obra um mundo extraordinariamente diverso e com coerência própria. E
para que ela nos persuada de sua verdade, ela deve ser coerente e autêntica.
Em literatura, a verdade de uma narrativa não precisa necessariamente
corresponder a uma verdade abstrata ou com a qual todos concordem. A verdade na
obra pode ser uma contradição radical tal como o autor a entende fora ou dentro do
universo da ficção.
E cada autor é o seu país e, nesse sentido, sou parisiense de nascimento e carioca
de coração; por isso, quem sabe, como escritor, vivo no mundo da melancolia,
trafego pela simbologia, tenho relações profundas com os abismos e o meu sangue
brada entre as metáforas. Detesto as injustiças em qualquer parte do mundo e vibro
ao achar que estou amainando, com meu trabalho e obra literária, as complexidades
de nossa frágil condição humana.

(Raul de Taunay, Brazzaville, 5 de abril de 2018)