Entrevista com Bolat Nussupov – Embaixador do Cazaquistão no Brasil

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Este ano é um ano especial para as relações cazaque-brasileiras. Este ano marca o 30º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas entre nossos países. Como o Cazaquistão e o Brasil desejam celebrar esta data?

– De fato, este ano nossos países estão celebrando o 30º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas. É um evento muito significativo, ao qual devemos nos aproximar com avanços especiais. A este respeito, este ano nos esforçaremos para levar a cooperação entre nossos países a um nível qualitativamente novo em todas as áreas de cooperação, especialmente no comércio e investimento. Dada a sólida base que lançamos nos últimos anos, temos todos os motivos para estar otimistas sobre o futuro das relações bilaterais entre o Cazaquistão e o Brasil.

Seria desejável, é claro, fazer as visitas ao mais alto nível e realizar consultas políticas regulares este ano. Como sabe, o Presidente Lula visitou o Cazaquistão em 2009, e nossas últimas consultas foram on-line em 2021. Acho que deveríamos criar um grupo de trabalho intergovernamental sobre o comércio e investimento para melhorar nossa cooperação econômica. Isto está nos planos, mas ainda não posso dizer exatamente quando este mecanismo será lançado.

Este ano pretendemos inaugurar um monumento ao grande poeta e educador cazaque Abay Kunanbaiuly no Rio de Janeiro. Acho que este evento perpetuará o trabalho do grande poeta cazaque no ano do aniversário de nossas relações. Continuaremos também realizar o projeto “Biblioteca Cazaque no Brasil” e já começamos a traduzir o segundo volume da trilogia “Nômades” de Ilyas Yesenberlin.

O senhor disse que o desenvolvimento da cooperação econômica entre nossos países é uma prioridade do seu trabalho. Poderia comentar sobre este ponto?

– O Brasil é o principal parceiro comercial do Cazaquistão na América Latina. Aumentar os volumes de comércio e expandir a gama de produtos é uma das principais prioridades da cooperação entre os dois países. Estamos encantados que no final do ano passado o volume de negócios entre nossos países tenha aumentado 115 por cento ou 2,2 vezes e atingiu 364,2 milhões de dólares americanos. Acho que devemos manter esta dinâmica este ano.

Tem sido repetidamente observado que o Cazaquistão deve ser visto como uma ponte para as exportações brasileiras, ligando os grandes mercados em rápido crescimento da China e do Sul da Ásia, bem como a Rússia e a Europa Ocidental por rodovia e ferrovia. Ao fazê-lo, o papel do corredor transnacional e do porto de Kuryk no Mar Cáspio é muito importante, especialmente agora, dadas as dificuldades atuais do transporte marítimo internacional. Enquanto isso, consideramos o Brasil como uma “porta de entrada” para a América do Sul para os produtos de exportação do Cazaquistão.

Além disso, o Cazaquistão está interessado em desenvolver a cooperação com o Brasil no setor de mineração, levando em conta o potencial existente e a experiência de nossos dois países. O Eurasian Resources Group, uma empresa da mineração cazaque, está implementando o projeto Bamin na Bahia, no valor de 2,6 bilhões de dólares americanos. Sob tais circunstâncias, é claro, esperamos que as empresas mineiras brasileiras sejam mais ativas na cooperação com o Cazaquistão.

E, como sei, existe um grande potencial de cooperação na agricultura, especialmente no desenvolvimento da ciência agrícola e na implementação de projetos de investimento conjunto. As empresas brasileiras têm grande potencial, mas infelizmente, ainda não estão prontas em entrar em novos mercados promissores, como o nosso. Portanto, continuaremos a prática de realizar fóruns de negócios e promover apresentações das oportunidades econômicas do Cazaquistão em São Paulo e em outros grandes estados do Brasil.

O ano passado foi repleto de eventos culturais na Embaixada. O que Vossa Excelência gostaria de destacar em particular a este respeito?

– Este segmento de nossas relações com o Brasil tem sido mais dinâmico. Em junho passado, pela primeira vez na história de nossas relações, abrimos cursos de língua e estudos cazaques no Rio de Janeiro e assinamos um acordo correspondente com a Universidade Federal Fluminense.

Em julho, foi criado o Fórum de Amizade Cazaquistão-Brasil, que permite a nossos amigos brasileiros conhecer melhor a história, tradições e a cultura do Cazaquistão. Acredito que a criação do Fórum deu um forte impulso não apenas ao intercâmbio cultural e humanitário, mas também a todo o espectro de nossas relações bilaterais.  

Em novembro passado, sob a égide da Sociedade de Amizade Cazaquistão-Brasil, juntamente com a Biblioteca Nacional em Brasília, lançamos o projeto “Biblioteca Cazaque no Brasil” e apresentamos o primeiro volume do livro “Os Nômades” de Ilyas Esenberlin sobre a história de nossos antepassados em português, seguido da exibição do filme “Os Nômades”.

Este ano planejamos estabelecer um intercâmbio acadêmico e científico entre as principais universidades de nossos países no campo da ciência e engenharia agrícola.

É encorajador ver que a parte cultural e acadêmica da cooperação está avançando mais vigorosamente do que o conteúdo político e econômico de nossas relações. Porém aqui, eu acho, ainda precisamos trabalhar sério.

Há sérios processos políticos e transformações ocorrendo no Cazaquistão. O senhor fala frequentemente sobre isso. Poderia mencionar as reformas mais importantes?

 – O Cazaquistão está entrando em uma nova era de seu desenvolvimento. Em março passado, o Presidente do Cazaquistão, Kassym-Jomart Tokayev, propôs reformas constitucionais visando mudar todo o modelo e forma do governo do Estado em nosso país, limitando os poderes do Presidente, fortalecendo o papel do Parlamento, aumentando a participação dos cidadãos nos processos políticos e fortalecendo ainda mais a proteção dos direitos humanos. O novo modelo garantirá uma rotação regular do poder e consolidará o desenvolvimento democrático do moderno Estado cazaque.

Como o Presidente Kassym-Jomart Tokayev observou em seu discurso inaugural, nosso objetivo é construir um Cazaquistão justo, onde a lei e a ordem prevaleçam, onde os direitos dos cidadãos sejam devidamente respeitados. Há muito trabalho a ser feito para transformar a sociedade e transformar o Cazaquistão em um país desenvolvido com instituições verdadeiramente democráticas. Entre os principais objetivos estão a criação de uma economia baseada no equilíbrio de interesses e no bem-estar dos cidadãos, as empresas, o uso eficiente dos recursos do país, a resolução de questões sociais e a melhoria do nível de vida da população.

O senhor poderia dizer se já houve algum progresso na implementação dessas reformas?

Presidente Kassym-Jomart Tokayev conseguiu conceitualmente combinar todos os princípios do seu curso político de forma otimizada, pois juntos eles são projetados para melhorar as atividades do Estado e de seus órgãos e sua interação com a sociedade. Também é notável que em seu programa eleitoral ele defendeu a democratização da sociedade e a transformação do sistema estatal com base na democracia. Assim, o Chefe do Estado enfatiza a importância de realizar transformações relevantes não simplesmente no espírito da modernização como certas mudanças em prol da melhoria, mas também no interesse da continuação do movimento do Cazaquistão no caminho escolhido no início de sua Independência para construir um Estado democrático governado pelo Estado de direito.

A implementação de reformas concretas nos permitiu ficar de pé e olhar para um futuro brilhante. Nossas iniciativas econômicas visam a diversificação, a demonopolização e asseguram uma distribuição equitativa da renda nacional. É importante destacar que a proposta do Presidente Tokayev reduziu o mandato presidencial de dois mandatos de cinco anos para um mandato de sete anos sem possibilidade da reeleição. Esta iniciativa eliminaria os riscos de uma monopolização do poder e fortaleceria os princípios básicos da democracia. Assim, é seguro dizer que as reformas já estão tendo um impacto positivo na estabilização e no restabelecimento do sistema político de nosso país.

Seu país está se preparando para as próximas eleições parlamentares. Como estão indo os preparativos e o que o senhor espera do resultado?

– No ano passado, em seu discurso de setembro, o Presidente Kassym-Jomart Tokayev propôs abertamente a realização de eleições para o Majilis (Câmara Baixa do Parlamento) e Maslikhats (órgãos representativos locais) no primeiro semestre deste ano. Assim, o período desde o anúncio desta iniciativa até o dia da votação será de mais de meio ano. Os candidatos e partidos políticos nunca tiveram tanto tempo para se preparar para uma campanha eleitoral desde a Independência.

A realização das eleições antecipadas para o Majilis e Maslikhats é ditada pela lógica da reforma constitucional apoiada pelos cidadãos em um referendo nacional. De acordo com seus resultados, nosso país passou a adotar novas regras mais justas e competitivas para a formação do ramo representativo do poder.

Agora 70% dos deputados do Majilis serão eleitos a partir das listas do partido e 30% a partir dos distritos uninominais. As eleições para maslikhats nas regiões e cidades de importância nacional também serão realizadas sob um sistema eleitoral misto, com uma proporção de 50/50. Nas eleições para o Maslikhats de distritos e cidades de importância regional, os cidadãos votarão apenas em candidatos dos distritos uninominais. O novo modelo de formação Majilis e maslikhats permitirá proteger plenamente os interesses dos eleitores tanto em nível nacional quanto regional, garantindo uma ampla gama de pontos de vista nos órgãos representativos do poder. Isto criará condições favoráveis para o desenvolvimento futuro da sociedade civil.

O Cazaquistão está ativamente envolvido em processos internacionais através de suas iniciativas e atividades. Poderia nos falar sobre isso em detalhes?

– O Cazaquistão é um participante ativo na política regional e global do desenvolvimento econômico, segurança e diálogo cultural.

Primeiro, como o maior país sem costa marítima do mundo, estrategicamente localizado entre a Europa e a Ásia, o Cazaquistão desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da Nova Rota da Seda. O desenvolvimento do potencial de trânsito, garantindo a conectividade de nosso país e da região com o mundo é uma das principais prioridades econômicas estrangeiras do Cazaquistão. O Centro Financeiro Internacional em Astana, inaugurado em 2018, foi projetado para servir como um centro financeiro regional para a iniciativa “Cinturão e rota”, baseada na lei comum inglesa.

Em segundo lugar, o Cazaquistão contribui continuamente para os esforços internacionais para fortalecer a segurança global e regional, o diálogo intercultural, o desenvolvimento sustentável e a gestão de crises. O Cazaquistão convocou a Conferência sobre Interação e Medidas de Confiança na Ásia (CICA), que agora inclui 27 países. No ano passado, a cúpula desta organização foi realizada em Astana.

Somos participantes ativos em projetos regionais como co-fundadores da Organização de Cooperação de Xangai (OCX) e da Organização dos Estados de Língua Túrquica (OELT). É importante notar que o Cazaquistão foi o primeiro país da Ásia Central a organizar a cúpula da OSCE em 2010 e foi eleito como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU para 2017-2018. O Cazaquistão também foi o iniciador da resolução da ONU que declarou a Ásia Central como zona livre de armas nucleares em 2007.

Em terceiro lugar, a experiência do Congresso de Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais, convocado pela primeira vez em 2003 na Conferência Internacional de Paz e Harmonia, nos permite cooperar com todas as organizações e estruturas internacionais, visando promover um diálogo entre religiões, culturas e civilizações. O fato de que os chefes dos principais estados do mundo, chefes de grandes organizações internacionais, enviaram suas saudações ao Congresso é uma evidência do reconhecimento mundial do sucesso e da confiança nas novas iniciativas do Cazaquistão.

Estamos muito satisfeitos que este ano seja estabelecida uma cooperação entre a União Planetária do Brasil e o Centro Nazarbayev para o Desenvolvimento do Diálogo Inter-Religioso e Inter-Civilizatório. Ambas as organizações têm metas e objetivos semelhantes. Sua coordenação tornará possível fortalecer nosso diálogo intercultural pela paz e o bem-estar espiritual de nossos cidadãos.

Em quarto lugar, hoje o Cazaquistão é a principal economia da Ásia Central, a primeira em termos de comércio exterior e investimentos estrangeiros atraídos. Ao longo dos anos da independência, nosso país aumentou sua economia 21 vezes e atraiu cerca de 370 bilhões de dólares de investimento estrangeiro de mais de 120 países. Na verdade, o Cazaquistão atraiu 70% de todos os investimentos na região da Ásia Central. Tendo aumentado 16 vezes desde a independência, seu PIB ultrapassa 180 bilhões de dólares, o que é mais da metade do PIB da região da Ásia Central.

Em quinto lugar, o Cazaquistão abriga mais de 130 grupos étnicos diferentes e 18 denominações religiosas vivendo em paz e harmonia. A Assembleia do Povo do Cazaquistão, criada em 1995, desempenha um papel importante na formação de um modelo único de coesão social no país.

Em geral, ao longo dos anos de independência, o Cazaquistão tornou-se um estado influente na região, respeitado internacionalmente por sua significativa contribuição aos esforços internacionais para formar uma zona de boa vizinhança e segurança na Eurásia.

A Embaixada do Cazaquistão no Brasil também é responsável pela cooperação com todos os países da América do Sul. Como Vossa Excelência consegue coordenar as relações com eles?

– Como Embaixador do Cazaquistão no Brasil, também sou credenciado na Argentina e no Chile. No ano passado, apresentei minhas credenciais aos presidentes desses países.

É claro que prestamos muita atenção ao trabalho com todos os países do continente. Temos cônsules honorários na Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru. Estamos agora considerando abrir Consulados Honorários no Uruguai e no Equador e agradecemos a nossos colegas por suas recomendações.

Junto com o Brasil, este ano estamos comemorando 30 anos de relações diplomáticas com a Argentina, Uruguai e Chile. Acho que devemos celebrar esta data com nossos amigos nestes países com a mesma honra como com o Brasil. Planejamos trocar felicitações por esta data e organizar eventos culturais. No final de fevereiro, convidei os embaixadores sul-americanos para a nossa Embaixada para a segunda reunião, onde discutiremos a agenda atual das relações bilaterais.

Porém, gostaria de observar que no último ano fizemos progressos notáveis na expansão de nossa base legal e de tratados. Em setembro passado, em Nova York, assinamos acordos intergovernamentais sobre isenção de visto para titulares de passaportes diplomáticos e de serviço com o Paraguai, Bolívia e Venezuela. Agradeço aos meus colegas desses países por sua estreita cooperação e apoio nesta questão. Em geral, damos grande importância prática ao reforço de nossa cooperação com os países de sua região e gostaríamos de receber quaisquer