Entrevista com a diplomata brasileira Claudia Assaf

O Brasília in foco está sempre interessado em pessoas que brilham, que exalam simpatia e competência, e sempre que encontramos alguém assim , como a Claúdia, solicitamos uma entrevista, pois pessoas de sucesso são exemplos que devem ser seguidos mostrados á sociedade brasileira. Entrevista concedida á Fabiana Ceyhan, por Claúdia Assaf.

Claudia Assaf nasceu no Rio de Janeiro em 1971. Estudou a língua árabe clássica no instituto de língua árabe para estrangeiros vinculado à Universidade de Damasco, na Síria, nos anos de 1993 e 1994. Ingressou na carreira diplomática em 2006. Mestre em Diplomacia pelo Instituto Rio Branco, graduada em Bacharel em Matemática e Relações Internacionais, a diplomata Claudia Assaf serviu nas Embaixadas do Brasil em Doha, no Estado do Catar, na Missão do Brasil junto às Nações Unidas em Nova York, na Embaixada do Brasil em Riade, no Reino da Arábia Saudita. Atualmente trabalha na sede do Itamaraty, em Brasília, no Departamento do Oriente Médio. Em agosto deste ano de 2018, iniciará missão de dois anos na Embaixada do Brasil no Kuwait, cumulativa com o Reino do Bahrein. Em 2013, fundou a consultoria Dicas da Diplomata, pela qual oferece, em bases voluntárias, orientações diversas a aspirantes à carreira de diplomata pela fanpage homônima no Facebook e comenta redações de forma personalizada. É autora de Diário de Bordo – um voo com destino à carreira diplomática, com mais de três mil exemplares vendidos. Em 2017, abriu nova dimensão do canal Dicas da Diplomata, o Dicas da Diplomata & Árabe, tanto no Facebook quanto no YouTube. Em sua plataforma de ensino a distância, disponibilizou seu curso de alfabetização online de árabe, em 

http://www.dicasdadiplomata.com.br/curso/arabe-alfabetizacao-turma-001, no ar até 31 agosto de 2018, retornando em 2019 para nova temporada. Acredita que o sucesso é consequência natural de esforço árduo acumulado no longo prazo.
1-Por gentileza, explique aos nossos leitores sobre como aprendeu a língua árabe.
Faço parte da segunda geração de sírios. Meus avós maternos chegaram ao Brasil em 1926, separadamente, procedentes de Sueida, província síria localizada ao sul de Damasco. Analfabetos, vieram “fazer a América”, como se dizia naquela época. Eram cristãos ortodoxos. Nunca mais regressaram à Síria. A viagem para o Brasil não foi fácil. Levaram cerca de 30 dias. Minha avô veio acompanhada de um tio, transitaram em Gênova. Meu avô transitou por Marselha. No Brasil, casaram-se. eram primos. Tiveram treze filhos, mas, naquela ocasião, nascia e em seguida morria. Vingaram apenas seis meninas, Farha (1932-2011), Salima (1936), Carmelia (1938), Maria (1939), Sahda (1941) e Aida (1943). Salima é minha mãe. Costumo brincar que tenho seis mães. As seis irmãs sofreram severo bullyng na escola. Debochavam do modo como falavam. Elas proferiam palavras em árabe sem saber o que era português e o que era árabe. Muito pobres, sua rotina era estudar apenas. Embora analfabetos, meus avós, inexplicavelmente, valorizavam demasiadamente os estudos. Assim, não lhes era permitido faltar a escola. Meu avô era mascate, vendia de porta em porta. Os imigrantes que já estavam no Brasil ajudavam os recém chegados e assim sucessivamente. Em casa, apenas não faltava comida, o resto tudo era o necessário para sobreviverem. Até o caderno era feito por minha avó, com papel de embrulhar pão. Conforme se formaram na então denominada Escola Normal, as seis irmãs, cada qual a seu tempo, iam tornando-se professoras, quando passavam a sustentar a casa dos pais. Antes disso, ainda adolescentes, todas as seis irmãs trabalhavam em uma fábrica de plantas ornamentais de plástico. Passavam o dia fazendo arranjos de flores após a escola.
Nós, netos, segunda geração, já tivemos outros privilégios. Não precisávamos trabalhar para sustentar ninguém. Embora eu estudasse em escolas públicas, fazia aulas extracurriculáres no bairro onde morávamos, em Vista Alegre, subúrbio do Rio de Janeiro. Eu, por exemplo, estudava piano com a vizinha, que era professora, e inglês em um cursinho da esquina. Durante minha infância e adolescência, a língua de meus avós me intrigava: não entendia nada. Minha mãe e minhas tias conversavam com os pais em “portuárabe”, misturando tudo. Uma confusão.
Quando ingressei na UFRJ, com 17 anos, curso de Bacharel em Matemática, comecei a ter maior curiosidade em aprender o idioma de meus avós. A vontade foi ficando muito forte. A Faculdade de Lertas da UFRJ ficava no mesmo campus da Faculdade de Matemática, então comecei a frequentar as cadeiras de Letras, habilitação Português-Árabe. Fiquei fascinada. Sentenciei a mim mesma: um dia vou falar fluentemente.
Ocorre que a formatura na Matemática e a entrada na “vida real” levaram-me a obter emprego em multinacional e o sonho pelo aprendizado do idioma árabe foi ficando cada vez mais para trás. Já empregada na IBM-Brasil como Analista de Sistemas, recém-formada, vendo o sonho de falar árabe fluentemente ficando para trás com as novas responsabilidades da vida adulta, um dia, mais por desencargo de consciência, fui investigar no então Consulado da Síria em Copacabana, hoje fechado, se haveria algum curso de árabe curto, mas intensivo, para fazer nas férias. Era 1992. Fiz minha inscrição pleiteando uma espécie de bolsa de estudos e, um ano depois, fui contemplada, quando nem mais me lembrava do assunto. O curso que me ofereceram foi de dois anos de duração no instituto de língua árabe para estrangeiros, vinculado à Universidade de Damasco. Decidi agarrar essa oportunidade e pedi demissão da IBM. Os amigos e os familiares me chamavam de doida, deixar um empregaço para trás, nova, para ir em busca da fluência em uma língua que supostamente em nada me ajudaria na carreira. Hoje, como diplomata, ela é meu grande diferencial na carreira.
Eu conto como foi minha vida de estudante na Síria no meu livro “Diário-de Bordo – Um voo com destino à carreira diplomática”(mais informações sobre a obra acessar www.caudiaassafdiariodebordo.com.br. Na obra eu também conto como e por que decidi ingressar na carreira de diplomata). Mas resumindo: conheci na Síria um novo mundo, pessoas maravilhosas, uma transformação de visão de mundo, o etnocentrismo, que nem sabia que tinha – normlmente os etnocêntricos não sabem que existem outras culturas – desabou, afinal, até então, mal havia saído do Rio de Janeiro. Na Síria, pude pegar a fluência tão sonhada na língua árabe. Findo o curso, ingressei na aviação, nos Emirados Árabes e no Bahrain, trabalhando por cerca de oito anos em uma empresa aérea árabe, o que me permitiu consolidar o idioma árabe. Conto toda essa história também no meu vídeo disponível no meu canal do YouTube “Dicas da Diplomata e Árabe”, em https://www.youtube.com/watch?v=ro-kMqCuMds
2-Explique sobre o curso e a praticidade de aprender pela internet
Ao retornar ao Brasil de vez, no início dos anos 2000, muitos amigos queriam aprender o árabe comigo. Formei diversas turmas pequenas ou até mesmo individuais e dava aula particular de árabe. Pude perceber, a julgar pelos comentários dos meus alunos, que o fato de eu ser brasileira com bom domínio do português ensinando árabe para luso falantes, muito facilitava o entendimento. Depois que ingressei na carreira diplomática, em 2006, e com a chegada dos meus três filhos, conjugado com a deterioração da saúde de meus pais, meu tempo foi ficando cada vez mais escasso para compartilhar o ensinamento do árabe que aprendi na Síria – um grande prazer na minha vida. Com o advento dos cursos online, pensei em migrar para o ensino a distância. Estudei essa área, moneti meu estúdio caseiro, e desenvolvi meu próprio método online, por enquanto apenas a alfabetização. Entre a roteirização, a gravação e a edição, levei cerca de 18 meses. A primeira turma está no ar até 31 de agosto de 2018. O curso tem pernas próprias, dura cerca de 15 horas, distribuídas em 17 vídeo-aulas de cerca de 20 minutos a uma hora cada vídeo. O próprio aluno estabelece seu ritmo, a depender de sua rotina. Os comentários tem sido os melhores possíveis, e uma única reclamação: não estar ainda pronto meu módulo seguinte, o que ainda estou roteirizando. Como acabo de ser designada para servir em nossa Embaixada do Brasil no Kuwait, entro agora em fase de mudança, portanto o projeto do módulo 1 atrasará um pouco. Em janeiro de 2019 o curso de alfabetização retornará ao ar. É que tenho limitações contratuais com a empresa de hospedagem, por isso o curso sairá do ar agora em 31 de agosto.
3-Como a língua árabe pode beneficiar muitos brasileiros em suas carreiras, já que são 22 países que falam a língua.
Quando eu decidi estudar árabe foi por puro amor ao idioma de meus ascendente. Não fiz cálculos se me benefciaria. Hoje, passados 25 anos de minha ida para a Síria para estudar árabe, o idioma é um dos meus grandes diferenciais como diplomata no Itamaraty, embora hierarquicamente meu rank ainda seja o de Primeira Secretária. Saber o árabe fluentemente muito tem contribuído com meu ofício junto a interlocutores árabes, junto às minhas chefias e até mesmo perante a Presidência da República em diferentes momentos de minha carreira, desde traduções emergenciais até “fama” positiva sem que eu nada fizesse para tanto. Não raro altas autoridades, quando necessitam de ajuda no idioma, mencionam “tem aquela diplomata que fala árabe”…É muito gratificante o que a língua hoje me proporciona.
Assim, entendo que no mundo globalizado em que vivemos, tendo o árabe como uma das seis línguas oficiais das Nações Unidas, ter o árabe fluente em seu currículo poderá, sim, fazer a diferença em especial em determinadas áreas do setor privado, como comércio exterior, turismo, entre tantas outras. Isso para não mencionar os milhares de árabes-brasileiros que não falam português e vice-versa. Ser a ponte para esse contingente poderá ser atrativo para diversos modelos de negócio, para não mencionar o terceiro setor, por exemplo, que lide com refugiados que precisam de assistência linguística para sobreviver nos primeiros meses. O que tento passar para meus alunos é extirpar a palavra DIFÍCIL do vocabulário, conscientizar-se que o desafio estará no fato de ser muito diferente de nossa língua e dar-se uma chance. No meu curso online de alfabetização para lusofalantes eu uso a todo tempo o português – a língua-mãe do aluno – como ferramenta primeira para compreender o som de cada letra. Afinal, o árabe conta com alfabeto fonético. Uma letra emite um único som. Não existe, em árabe, o fenômeno que ocorre, por exemplo, em “exame”, “zebra” e “casa”, em que o som emitido pelas letras /x/, /z/ e /s/ é absolutamente o mesmo. Imagine um estrangeiro compreender algo assim? Já em árabe, uma única letra – a letra zain, desenhada assim “ز” – faz o som da letra zê. O fenômeno oposto, uma letra emitir diferentes sons, como o “x” em xícara, máximo e exame, igualmente não faz sentido em árabe, sendo que o fonema palato alveolar fircativo /x/, que em português tem diferentes realizações fonéticas, em árabe a letra que emite esse som é somente uma, o chin ou xin /ش/.
Uma grande curiosidade é o fato de termos mais de mil palavras do português advindo do árabe, sobretudo palavras que se iniciam com A ou com AL. Explico isso no meu curso e as surpresas são incríveis.
Caso queira dar uma olhada na dinâmica do curso, assista ao vídeo de apresentação em http://www.dicasdadiplomata.com.br/curso/arabe-alfabetizacao-turma-001
4-Fique á vontade para fazer as suas considerações sobre o curso, a língua e a cultura.
A alfabetização em árabe interessa aos alunos que queiram aprender o árabe moderno padrão, também conhecido como árabe clássico. Também interessará aos que se converteram ao Islã, já que as escrituras devem ser lidas em árabe, considerada língua sagrada para os muçulmanos praticantes. A língua árabe padrão é única. É a mesma falada do Marrocos ao Golfo, e contrasta com a língua coloquial, que não é escrita, cada país tem seu próprio dialeto. Para ler livros, jornais, entender telejornais e entrevistas formais, desenhos animados infantis, documentos de qualquer natureza, incluindo diplomáticos, a pessoa precisará dominar o árabe moderno padrão, o que, em árabe, denomina-se a língua fusha (fala-se /fús-rra/). Já as músicas são cantadas em árabe coloquial. Os amigos árabes e as famílias conversam entre si em árabe coloquial, jamais em fusha; no entanto, minha recomendação é sempre ouvir a voz do coração e de suas necessidades. Eu, como diplomata, saber fluentemente o árabe padrão tem sido de extrema utilidade, porque posso conversar com árabes de qualquer dos 22 países e compreender editoriais, ler livros, compreender documentos sem precisar de tradutores. Quando eu, na qualidade de estrangeira, que tenho o árabe como segunda língua, não nativa, inicio conversação com uma pessoa árabe nativa, em árabe clássico, a pessoa conversa comigo em árabe clássico normalmente, sem qualquer constrangimento, mesmo que em seu dia a dia essa pessoa costuma apenas conversar no árabe coloquial com seus amigos. Isso porque a pessoa entenderá perfeitamente que sou estrangeira e ainda admirará bastante estrangeiros que dominem o árabe clássico, que exige esforço de aprendizagem, em especial de gramática, que a língua coloquial não exige tanto. Assim, ao contrário do que muitos estrangeiros pensam ao definir se estudará o árabe clássico ou coloquial, estudar o árabe clássico será de extrema utilidade para a vida dessa pessoa. Claro que há diferentes motivações. Se a pessoa quiser apenas aprender o coloquial porque é casada ou casado com árabe de um determinado país, excelente, é uma opção tão válida e tão interessante quanto decidir aprender o árabe padrão. Fica a critério da necessidade de cada um. Mas se a ideia é progredir na carreira profissional, poder ler jornais e livros, e se comunicar com árabes de distintos países, minha recomendação é que nós, estrangeiros, envidemos esforços por aperfeiçoar o árabe padrão.
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Fabiana Ceyhan

Jornalista por formação, Professora de Inglês (TEFL, Teaching English as a Foreigner Language). Estudou Media Studies na Goldsmiths University Of London e tem vasta experiência como Jornalista da área internacional, tradutora e professora de Inglês. Poliglota, já acompanhou a visita de vários presidentes estrangeiros ao Brasil. Morou e trabalhou 15 anos fora do país.