Em entrevista, o ex-chanceler brasileiro e atual embaixador do Brasil no Cairo, Antonio Patriota, falou sobre as boas expectativas econômicas do Egito

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Em entrevista por telefone à ANBA, o ex-chanceler brasileiro e atual embaixador do Brasil no Cairo, Antonio Patriota, falou sobre as boas expectativas econômicas do Egito, apesar das dificuldades enfrentadas na pandemia. Relação com o Brasil é madura e estável, segundo ele.

 29/06/2020  

Isaura Daniel

São Paulo – O Egito está em pleno processo de reabertura das suas atividades econômicas presenciais e apesar da crise que o mundo vive por causa da covid-19, o país deve encerrar esse ano fiscal e o próximo com crescimento. A previsão de avanço de 2,8% no Produto Interno Bruto (PIB) egípcio no ano que termina em 30 de junho e de 2,1% nos doze meses seguintes, feita pelo Banco Mundial, foi comentada pelo embaixador do Brasil no Cairo, o ex-chanceler brasileiro Antonio Patriota.

“A economia egípcia é uma das poucas que continua com previsão de crescimento a taxas positivas”, afirmou o diplomata em entrevista por telefone, do Cairo, à reportagem da ANBA. “É um pouco em função da diversidade da economia, também do apoio que o FMI tem dado, da gestão econômica que é considerada profissional pelos mercados financeiros, operadores e investidores”, disse. O país árabe levou adiante plano de recuperação econômica apoiado pelo Fundo Monetário Internacional.

Patriota lembra que o governo egípcio injetou cerca de US$ 6 bilhões no país em medidas assistenciais em função da covid-19, o que incluiu ações para a indústria, barateamento de energia e isenção de impostos. “Acho que teve um efeito benéfico de manter a economia com um certo dinamismo”, afirmou o embaixador. O país também não é tão dependente de um segmento apenas, como ocorre com países do Golfo, segundo Patriota.

De acordo com a percepção do diplomata, o Egito, no entanto, não está livre de desafios. Entre eles o embaixador cita o aumento da pobreza, o desemprego, a elevada taxa de contaminação de médicos e enfermeiros pela covid-19 e as questões geopolíticas do entorno, como as dificuldades na Líbia e problemas com a Etiópia. “Acaba gerando uma certa tensão geopolítica que pode afetar a economia e o comércio internacional”, diz.

O Egito anunciou a retomada de voos internacionais com permissão de entrada de turistas estrangeiros em algumas regiões do país a partir de 01 de julho, após reabertura do turismo doméstico na segunda metade de maio. A ocupação permitida nos hotéis é de 50%. Outras medidas serão relaxadas no começo de julho, envolvendo mais áreas, sempre com determinadas limitações de ocupação.

“O governo já está antecipando uma estabilização da contaminação e possivelmente até uma redução a partir do mês que vem”, diz Patriota. A contaminação aumenta cerca de 20% por semana no país e o número de mortes é de cerca de 80 por dia. Segundo Patriota, a Organização Mundial da Saúde (OMS) entende que o país caminha para a estabilização e que poderá haver diminuição dos casos em julho. O diplomata acredita que o aumento recente tem relação com as celebrações de fim de Ramadã.

O embaixador relata que o Egito tomou medidas bastante drásticas logo no início da pandemia, quando foram detectados os primeiros casos de contaminados em cruzeiros no rio Nilo. “Fecharam os aeroportos, suspenderam os voos internacionais desde 19 de março, não adotaram um lockdown absoluto, mas um toque de recolher noturno que variou segundo o período, mais rígido, menos rígido”.

Neste contexto da pandemia, o governo do Egito tomou medidas para garantir o suprimento de bens de primeira necessidade, como proteína animal, que o Brasil exporta ao país árabe. Patriota relata a flexibilização de exigências como licenças de exportação e certificados halal no período, além da habilitação de plantas para exportar. “O que o exportador brasileiro tem aproveitado. O aumento na exportação de frango em abril foi muito grande em função dessas medidas”, falou o embaixador. As medidas sobre licenças e certificações foram temporárias, mas as habilitações vieram para ficar, segundo ele.

Patriota afirma que Brasil e Egito têm uma relação estável e madura. Segundo ele, o acordo de livre comércio do país árabe com o Mercosul reflete esse compromisso político, além do econômico comercial. Ele lembra, no entanto, que não é o acordo o responsável pelo aumento do comércio do Egito com o Brasil, já que produtos com crescimento significativo na exportação brasileira, como milho, carne e açúcar, tinham entrada livre – taxa de importação zero – no mercado egípcio antes dele.

Os egípcios conseguiram recentemente a abertura do mercado brasileiro para alguns dos seus produtos de exportação, como uvas, alho e cítricos, o que foi acertado na viagem da ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, ao país no ano passado. “As promessas que foram feitas pela ministra Tereza Cristina foram cumpridas, nós já estamos importando alho, cítricos, uva, que eram três produtos de interesse especial egípcio”, afirma o embaixador.

Patriota acredita que é preciso mais meios de transporte para facilitar a relação comercial. “Não só aéreo, mas também marítimo para reduzir o frete. A distância é relativamente grande, embora não tenha impedido o desenvolvimento deste comércio bem importante em carne, milho e outros produtos agrícolas”, afirmou o ex-ministro. Outro desejo de Patriota é que seja acelerado o processo de desgravação tarifária do acordo Egito-Mercosul, o que vem sendo pedido pelos egípcios.

O governo brasileiro terá reunião de consulta política com o Egito em julho. Patriota tem expectativa de que avancem vários temas, como a implementação de uma linha aérea direta entre o Cairo e São Paulo pela EgyptAir. “É multiplicador de oportunidades, facilitação de viagem, turismo, contatos entre as classes empresariais dos países, contatos de toda ordem entre a nossa região e o Egito”, afirma. A implementação estaria em andamento se não fosse a covid-19.

Chamando a atenção para o tamanho do mercado egípcio, Antonio Patriota lembra que o Egito não é o país com maior PIB do mundo árabe, mas tem de longe a maior população, com 100 milhões de habitantes, e taxas elevadas de crescimento demográfico. “Você tem um mercado que precisa se alimentar, se vestir, se locomover, e que é mercado também onde há uma classe média em expansão”, diz.

Brasil e Egito estão juntos atualmente na liderança de uma iniciativa das Nações Unidas sobre segurança alimentar, na qual também estão à frente Canadá e Itália. “Demonstra também uma capacidade de nos associarmos em torno de projetos comuns. Temos interesses complementares, o Brasil como um grande produtor agrícola e fornecedor de proteína, de alimento, e o Egito como importador líquido de alimentos, que está querendo desenvolver uma política de segurança alimentar eficaz em função também do crescimento populacional aqui que é enorme, uma das taxas mais elevadas do mundo em fertilidade”, falou.

Na última semana, o embaixador Antonio Patriota participou de webinar sobre diplomacia econômica promovido pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira, na qual também falou sobre o Egito e suas relações com o Brasil. Vários diplomatas de países árabes ou que atuam neles também participaram. Patriota assumiu a embaixada do Brasil no Cairo em outubro do ano passado.


Matéria da ANBA