Coluna:O que aprendi morando com 08 estrangeiros na mesma casa – Por Diego Freire

 

Puxa a cadeira e senta, que lá vem muita história. Viver fora do seu país, é sem dúvida o primeiro impacto para o que chamamos de choque cultural. É a dificuldade que passamos para nos ajustarmos as novas culturas, que por muitas vezes é totalmente diferente das nossas. Se adaptar não é uma tarefa nada fácil.

Começar uma nova vida, aprender a falar uma nova língua, conquistar novas amizades, criar um vínculo de confiança com seus próximos, além de outras atividades é muito complexo, porém necessário.

Minha jornada iniciou na hora de escolher uma acomodação para morar por um tempo. A regra geral é um tanto óbvia: quanto mais gente morando na casa, mais barato é o aluguel. Ponto.

Sendo assim, dividi o teto com mais oito pessoas num apartamento de 50 metros quadrados.  Ou seja, era literalmente “cada um no seu quadrado”. A parte boa da história era que, no frio bastava o calor humano para aquecer aquele lugar.

França, Rússia, Inglaterra, Mongólia, Índia, China, Coréia do Sul e Irã- lado a lado. Ou melhor, todos os dias dormindo e acordando juntos! E eu, é claro, Brasil. Imaginou a situação e a confusão?

Tive que aprender a lhe dar com cada um. Entre costumes, crenças e filosofias de cada integrante daquela casa.

Na primeira semana – onde eu estava conquistando meu espaço não apenas dentro do grupo, mas também naquele pequeno apartamento-  me surgiu o pensamento: “Esse lugar é uma bomba relógio que a qualquer momento, mais cedo ou mais tarde, vai explodir”.

Dos oito abençoados que moravam por lá, seis dividiam um mesmo banheiro. E que se abra uma observação – dividir esse espaço tão sagrado com 01 pessoa é bastante complicado, imagina com 06. Não é uma cama, uma mesa, um armário, é simplesmente a nossa intimidade sendo visitada diariamente de uma forma que ninguém viu. Totalmente nua e crua.

É aquele monte de maquiagem espalhada na pia, fio de cabelo no ralo, toalha molhada, pia encharcada, roupa fora do cesto, falta de descarga, pasta de dente destampada, chão escorregadio e rolo sem papel higiênico.

Para piorar a situação, o chuveiro não era elétrico. Isso mesmo, você leu certo. É comum em várias casas na Irlanda não ter esse “artigo de luxo”. Na maioria das residências, funciona com o boiler, que é uma espécie de aquecedor que mantém uma certa quantia de água quente, que em geral, não armazena muito volume.

Com isso tudo, ainda tinha aquele ou aquela que “dormia debaixo do chuveiro”, e usava toda a água quente, deixando para o próximo apenas a água fria, ou seja, sem banho. Sem dúvida, aquele cômodo era uma zona perigosa, apelidada de “Faixa de Gaza”. Ou você respirava fundo e contava até dez, ou pronto, iriamos iniciar a Terceira Guerra Mundial dentro daquele apartamento.

Entre perrengues (vários) e bons momentos (muitos), saí dessa grande experiencia com uma série de aprendizados para toda a minha vida, além de paradigmas e preconceitos quebrados. Sem dúvida, uma escola da vida!

Inicialmente foi extremante diferente e complicado. Ora, nunca havia divido meu valioso espaço com ninguém, quem dirá com oito pessoas de lugares extremamente longínquos e do outro lado do Mundo.

E com toda essa “salada de fruta cultural”, é de praxe e normal, você adquirir para você os hábitos e os trejeitos dos seus flatmates (colegas que dividem o apartamento). Costumes esses, saudáveis ou não!

 

Hora do Banho

Banho todos os dias, e duas vezes ao dia, é coisa de brasileiro. Eles achavam essa minha rotina um desrespeito a Mãe Natureza. Quando falei que nós, no Brasil, tínhamos esse costume, eles me culparam pela falta de água no Planeta.  Vale lembrar que, a água é de graça. Isso mesmo, não se paga conta de água. Já a de energia, chega de 3 em 3 meses.

E sempre me perguntam: “ A francesa tomava banho todos os dias? ” Sim, nós éramos os únicos com aquela frequência.

Ela foi a primeira pessoa que a vi em uma praia sem a parte de cima do biquíni. O topless, é uma modalidade encarada com maturidade e normal em alguns parques e praias na Europa.

Barulhinho ao comer

Nossas mães nos educaram a não fazer barulho quando comemos algo. Porém meu amigo coreano Xen, não tinha essa orientação. Coloque uma extremidade do macarrão na boca e sugue o restante. É uma exibição do quanto a refeição está deliciosa. Aprendi aquela prática. Era divertido! Já as sopas, tome direto da tigela, sem colher.

Também com ele que experimentei a famosa iguaria da Coréia do Sul: ensopado com carne de cachorro!

 

Café com Vodka. Não sorria!

Aprendi a beber café com vodka com a minha amiga russa Yekaterina Kuznetsov para manter a temperatura do corpo aquecida, logo nas primeiras horas da manhã. E a tarde e à noite? Segue o ritmo! Ou seja, nunca recuse um cálice de vodka, isso é imperdoável, considerado um gesto rude

Seguindo a linha, após longa bronca que levei dela quando dei com todo carinho duas flores amarelas em seu aniversário. Aprendi que: em hipótese nenhuma, ofereça rosas amarelas e em quantidade par, a menos que queria aprender palavrões. Essa prática é oferecida apenas aos mortos em um funeral.

E quanto aquele sorrisão mostrando os dentes ao encontrar uma russa, esqueça. Isso é interpretado como falsidade. Na cultura russa, é considerável desagradável e vulgar. Apenas um sorriso médio, sem mostrar os dentes é suficiente.

Arroto na mesa

Como aceitar arrotar na mesa de jantar, após uma refeição? Minha  amiga da Mongólia, Enkhtuya, cujo nome significa “Raio de paz” em mongol, me mostrou que é elegante e saudável, pois mostra a todos que gostou da comida.

Assim com ela, experimentei a famosa especiaria do seu país: carne de camelô cozida, além da bebida,  airag, que é leite de égua fermentado. Para mim, era gosto de leite que azedou. Aos desavisados, fique atento: isso pode lhe causar uma dor de barriga imensa.

Meio dia, é meio dia

É o jeitinho brasileiro e normal chegar um pouco atrasado em alguns compromissos, porém para meu amigo vindo da Terra da Rainha, não! Aprender a cumprir horário, foi um grande legado que aprendi com Tommy.

Isso é bem visto também com os suíços, alemães, escandinavos e orientais em geral. Por exemplo, os trens partem em horários quebrados (09h37).

Além disso, evento que está marcado para iniciar às 13 horas, esteja cinco minutos adiantado lá, caso contrário, irá encontrar as portas fechadas. Tenha em mente que chegar atrasado é visto como um desrespeito ao tempo dos outros.

 

Sobra de comida

Deixar sobrar comida no prato, mesmo que você esteja com muita fome, foi algo que aprendi com meu amigo Kim, (cujo nome significa ouro em chinês) quando ele preparava o jantar. Essa sobra simboliza abundancia, fartura e elogio ao anfitrião.

Além disso, assoar nariz na rua ou cuspir são sinais de higiene, significa que está tirando algo sujo dentro do seu corpo. E nunca em hipótese alguma, lhe presentei com um relógio, eles simbolizam a morte.

 

Comendo  com as mãos

Bom para quem não sabe, na Índia eles não comem suas refeições usando garfo e faca, e sim, usam apenas as mãos para levar a comida à boca, e pronto. Algumas vezes usam o roti, uma espécie de pão redondo e achatado para pegar os alimentos. Assim era meu grande amigo indiano Akhil, que significa rei, em sua língua.

Eles utilizam a mão direita para comer, e aos desavisados de plantão, a mão esquerda eles utilizam para se limpar após irem ao banheiro, uma vez que eles não usam papel higiênico. Isso mesmo, eles usam apenas uma jarra (ou caneca) e uma pequena bacia onde o pessoal enche de água e se lava.

E para cumprimenta-lo junte as mãos em forma de prece, na altura do peito. Esse sinal se chamaNamastê, que significa, o Deus que habita no meu coração, saúda o Deus que habita no seu coração.

Além disso, ele me explicou dois fatos interessantes que eu descobri quando visitei a capital da Índia. A vaca realmente é um animal muito sagrado. Você vê diversas delas zanzando nas ruas, até dentro de algumas lojas e restaurantes, e o trânsito é sempre desviado caso, uma resolva deitar-se na rua.

E para finalizar é crime beijar na boca em público! Ora no país que inventou o Kama Sutra, está proibição é um pouco contraditória, não acha? Isso será tema para o próximo bate-papo.

E quanto a iraniana?

Ora, ela foi a que mais me chamou atenção e se tornou minha grande amiga, mesmo com grandes diferenças entre as nossas culturas. A começar pelo seu Ano Novo, que é comemorado em 21 de Março.

Ela trazia todos seus costumes e crenças para aquela casa. E daí observei o que realmente é verdade e mito. Proibida de morar com o sexo oposto sem estar casada, ela assumiu o risco de caso descobrisse, ser penalizada com chicotadas em plena praça púbica.

Além disso, ela fazia sua refeição separada, e jamais sentava lado a lado com pessoas do sexo oposto. Assim como, ela interrompia o que estivesse fazendo para orar. No Irã eles rezam cinco vezes ao dia.

Não usava nenhuma mídia social. Uma vez que, as leis iranianas, a mídia é fortemente controlada pelo Governo e todo seu conteúdo deve ser inspecionado e aprovado antes de sua publicação.

Para ela, as festas sempre tinham diversas regras como: em hipótese nenhuma bebida alcoólica no local, e as portas e janelas fechadas para abafar o som.

Ao cumprimentá-la, eu utilizava a mão direita para tocar o coração, a testa e acima da cabeça, nesta sequência, e dizia “Assalamu alikum”, sendo “salamaleico” a versão aportuguesada desta saudação árabe.  Essa saudação significa, a paz esteja com você, e que você permaneça livre da dor e sofrimento.

Muitas diferenças eram visíveis, porém em um certo dia, após todos os moradores da casa viajarem, me senti mais próximo dela.

Em uma noite de bastante frio, ela me preparou um doogh, bebida típica do Irã, feita a partir de iogurte, temperada com menta e hortelã, acompanhada de um delicioso kebab e um pão de pita.

Sentamos no sofá, esticamos as pernas em uma mesinha, de meias e luvas, e bem quentinho, ela se sentiu mais à vontade, e me perguntou sobre o Brasil. Conversamos sobre diversos assuntos. Uma noite muito agradável e única. Nunca jamais imaginada em minha vida. Uma pessoa tão distante da minha realidade.

Ao se despedir, e ir para o quarto dela, ela com os olhos brilhando me disse que o jeito brasileiro a encantava, por ser “simples, verdadeiro e amoroso” com as outras pessoas. Eu concordei, e balancei a cabeça de forma positiva.

E logo ela me disse algo, que levarei para o resto da vida, que dizia mais ou menos assim “ Gaste o tempo que for para perceber o que você quer. Leve o tempo que quiser para perceber aonde é o seu lugar, mas depois que descobrir não recue, ante nenhum pretexto ou a qualquer dificuldade”.

Logo em seguida, ela me abraçou, me deu um singelo beijo na bochecha, e foi para o quarto. Isso foi incrível!

 

Conclusão

Entender e conviver com as diferenças é o período que com certeza você irá mudar. Mudança não apenas de atitude e sentimento. Será a sua mudança de vida!

Foram nesses momentos que realmente eu aprendi e cresci para ser um ser humano melhor.

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