Artigo – UCRÂNIA E O FIM DO CONFLITO – Por Leila Bijos

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Leila Bijos

Hanna Cruz[1]

Imagens da Catedral de Santa Sofia em Kiev fazem parte de um passado recente, destruído pela invasão da Rússia em 24 de fevereiro de 2022. Sombras da glória ucraniana, misturam-se com uma nova fase, em que a ameaça nuclear tem se tornado mais intensa. Os dois lados do confronto têm se acusado mutuamente de planejarem ataques com o uso de armas radioativas — mais precisamente, do tipo “bomba suja”. A atual chantagem nuclear da Rússia ao mundo não é um incidente isolado, mas uma política deliberada, e provavelmente seu último ponto real de alavancagem na agenda mundial.

A derrota de fato do exército profissional russo na Ucrânia, obrigou o Kremlin a lançar uma mobilização em massa, que inclui o uso de uma bomba “não nuclear” que carrega materiais radioativos. Por mais que elas não tenham o mesmo poder de destruição de bombas nucleares convencionais, as bombas sujas também são perigosas, pois podem contaminar pequenas áreas, assim como as pessoas ali presentes, seja por contato direto ou inalação de substâncias radioativas. Ela é fabricada ao misturar materiais radioativos em uma bomba convencional, e usar a força da explosão para espalhar o material sobre uma determinada área. As bombas sujas também podem ser usadas para espalhar materiais biológicos ou químicos.

Os meses se passaram desde o início da invasão russa ao território ucraniano, acumulando inúmeras consequências de cunho social, econômico, político e, desde então, a perda de 20% do território de um país soberano. Os resultados são catastróficos, com milhares de civis torturados, violentados, agredidos e executados sumariamente. Incontáveis famílias choram as vidas perdidas, a separação dos maridos, enquanto a crise econômica alastra-se por todo o mundo, e os países vizinhos aplicam iodo na população, antevendo um vazamento nuclear maior que Chernobyl. Soma-se a este contexto uma nova crise de refugiados e a estigmatização de toda uma nação.

Esse é o saldo sombrio de oito meses desde a invasão Russa em território ucraniano, que eclodiu em fevereiro de 2022, e está longe de seu cessar fogo. O presidente Volodymyr Zelensky permanece firme em seu plano de vencer a guerra, reconstruir seu amado país, enquanto o Presidente Vladimir Putin insiste em uma invasão na qual as perdas se sobrepõem às conquistas e transforma sua nação, uma das maiores potências do mundo, em persona non grata na sociedade internacional.

Perdas territoriais que incluem a Crimeia, Donetsk e Luhansk, anexadas pela Rússia num histórico estratégico que inclui a invasão da Geórgia em 2008. O deslocamento humanos mostra um sinistro corredor de 7 milhões de ucranianos que buscam refúgio nos países vizinhos, ou em terras distantes como o Brasil. Aos homens, idosos e enfermos que permaneceram no país, confirmam-se as atrocidades sofridas pela população, com casos de tortura e execução sumária, sequestros, desaparecimentos forçados e estupros, além de cadáveres putrefatos espalhados pelas ruas, ou em valas comuns. A capital Kiev se tornou símbolo dos horrores do conflito, levando a opinião pública a pressionar os responsáveis pelo seu fim.

Cenário semelhante foi encontrado em Izyum, uma cidade localizada em Kharkiv, região retomada pelo exército ucraniano na segunda semana de setembro de 2022, onde foi encontrada uma vala comum com mais de 400 corpos. O presidente Zelensky ordenou mais investigações para que sejam aferidos outros possíveis crimes cometidos pelo exército de Putin na região. Além da perda territorial, as Nações Unidas apontam que a Federação Russa derrubou, ao longo desses oito meses de invasão, mais de 130 mil construções no território ucraniano, dentre elas escolas, estabelecimentos comerciais e hospitais. O conflito gerou uma hiperinflação no país em decorrência da emissão de moeda para custear os gastos com o exército, que não foram aliviados com as doações a nível mundial. A visão lúgubre do desastre se completa com um risco iminente de vazamento na maior usina nuclear na Europa, Zaporizhzhia, que está sob controle do exército russo e é alvo de constantes conflitos armados e bombardeamentos em seu entorno.

A força e a coragem dos ucranianos espelha o amor pelo país, conquista adeptos em todo mundo, mina pouco a pouco o poder militar e estratégico russo, e fez crescer a ajuda humanitária de cidadãos alemães, brasileiros, canadenses, britânicos, dinamarqueses, franceses, norte americanos, poloneses, suíços, dentre outros.

Avanços territoriais pouco ultrapassam aquilo que já havia sido conquistado e os russos vêm perdendo parte do território previamente invadido. A incansável Ucrânia retoma regiões em Balakliya, Izium e Kupiansk, uma base aérea na Criméia, reforçando sua ofensiva, com 1050 sistemas de artilharia, 386 drones, 3165 veículos e 1139 tanques. As baixas militares ultrapassam (e muito) as do exército ucraniano, tendo na última semana de agosto morrido 20 mil soldados russos contra a tímida quantia de 9000 soldados ucranianos, de acordo com dados do New York Times.

Apesar do sigilo da mídia russa, a população enfrenta os efeitos econômicos das sanções impostas ao país agressor. Elevação nos preços de alimentos, produtos importados e cortes de operações bancárias afetam a qualidade de vida no país, cujo índice GPD caiu em cerca de 6%. A sombra do estigma se alastra pela vida dos habitantes do gigante euroasiático, e a vida social de cada russo é bloqueada pela opinião pública ocidental. Entre os dias 30 e 31 de agosto, foi realizada uma comissão europeia para decidir sobre o banimento da entrada de russos em território europeu. A Finlândia, a Estônia e a República Tcheca já haviam decretado a proibição de emissão de vistos para cidadãos russos unilateralmente. A insatisfação generalizada dos russos (tanto do povo quanto dos analistas militares) vêm inspirando manifestações de opiniões que persistem mesmo à tradição autoritária de Putin, com comentários variando entre críticas à ineficácia do exército russo em conquistar um país muito menor e mais fraco em termos militares e condenações à invasão em si.  

Na Europa, com o bloqueio do gás russo, que antes compunha 40% de todo o gás utilizado no bloco continental, os preços energéticos dobraram, levando vários países a adotarem medidas de racionamento de energia. Com a chegada do inverno, estima-se que esses preços aumentem em média, mil euros por residência, o que leva à questão: como será para os europeus passar pelo inverno nessas condições? Em vários países, o descontentamento com a guerra e a pressão para o fim do conflito se mostram cada vez mais vocais, pois a população não deseja pagar o preço das disputas de interesses na luta pela hegemonia entre os Estados Unidos e a OTAN e a Rússia de Putin.

A OTAN se tornou a mais bem sucedida nesta trajetória, ganhou mais força, novas adesões, e interesses da Finlândia, Suécia e países bálticos desejosos em integrar a coligação desde o início do conflito. A posição de pária ocupada pela Rússia e a demonização do país frente à opinião pública agora legitimam suas ações, antes em processo de desencorajamento por parte dos próprios membros.

Cenários prospectivos futuros evidenciam a necessidade premente de um cessar-fogo, seguido da imposição da ordem civil, medidas de restauração econômica e estimulação da sociedade civil para que a população possa crescer após a tragédia.

Esperanças de fim próximo não devem ser abandonadas, visando à reconquista territorial, o retorno da população expatriada, o brilho dos monumentos artísticos, a alegria das praças, a suntuosidade das igrejas e mesquitas, onde se possa respirar a paz e a felicidade.


[1] Hanna Cruz Maia, Mestranda em Ciência Política e Relações Internacionais, UFPB.