Artigo: Propaganda e mentira no Século 21 – Por Pedro Luiz Rodrigues

0
63
Foto: Mila Barbosa/ Diário do Poder

O emprego da propaganda com finalidades estratégicas não representa uma novidade no cenário das relações internacionais, mesmo em tempos de paz.

Platão, ao estabelecer a distinção entre conhecimento (fruto da razão) e opinião (intuitiva e sensorial), admitiu que os donos do poder pudessem, na defesa dos interesses da pólis, lançar mão da mentira e da dissimulação, enganando inimigos e concidadãos.

No Renascimento, a defesa do segredo de Estado foi reforçada por Maquiavel, para quem (Discursos, Livro III, Capítulo 6) a mentira, sob a forma de tramas e conjuras, constituía uma forma poder invisível, a ser neutralizada pelo Príncipe. Este, detentor do poder formal, para derrotar seus inimigos, deveria deixar de lado quaisquer pruridos e atuar com a força do leão e a astúcia ardilosa da raposa.

Em contraponto, duzentos anos depois, insurgiram-se contra essas visões os filósofos do Iluminismo. Jean-Jacques Rousseau n’O Contrato Social, demandava dos soberanos o apego à verdade, de modo a que o Estado fosse dirigido conforme a vontade do povo, sob o argumento de que somente bases democráticas poderiam proporcionar igualdade jurídica a todos. É o que a democracia impõe, e também o que ela espera do governante. A proposta é perfeita, no campo das idéias; mas sempre defeituosa na vida real.

Celso Lafer observou em um de seus escritos – certamente inspirado pelo que presenciou na vida brasileira nestas primeiras décadas do século 21 – que a palavra dos governantes que encoberta e esconde põe em questão a base mesma da vida política democrática dada pela verdade factual, levando ao ‘camaleonismo das versões’, à apatia, ao cinismo e à indiferença que minam a confiança exigida pela democracia. Escreveu quando éramos governados por Dilma Rousseff, mas suas considerações adequam-se perfeitamente ao momento presente.

Em minha dissertação sobre Opinião Pública e Política Externa, apresentada no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, mencionei exemplos do uso da propaganda e da falsificação da verdade em determinados momentos da vida internacional. Um desses exemplos foi o de Walter Lipmann, que como editor da New Republic trabalhou como propagandista para o governo dos Estados Unidos, conclamando seu país a entrar na I Guerra Mundial.

Ronald Steel, no prefácio à obra Opinião Pública, de Lipmann, observa que este foi depois mandado à Europa, trabalhar como enviado especial da Casa Branca. “Lá aprendeu o quão fácil era manipular a opinião pública”. Essa percepção teve um impacto tão grande sobre ele que passou a questionar o conceito de que o público sempre tem razão. E se o público não soubesse o que não sabia? E se o problema não fosse apenas a informação defeituosa, mas a conversão pelo público de assuntos com os quais não tinha familiaridade para categorias familiares, mas errôneas? Os seres humanos, afinal, embora digam buscar a razão, seguem no mais das vezes, impulsivamente, emoções, hábitos e preconceitos.

Se nos regimes democráticos a propaganda teve asas fortes, com ainda maior intensidade se deu, e se dá, em sistemas políticos mais fechados, onde não se abre espaço institucional para o questionamento e a dúvida.

Isso tudo servindo de prólogo para dizer que não existem santos na guerra da propaganda, nessa disputa por “corações e mentes” da qual participam as grandes potências para buscar convencer os indecisos, atraindo-os para o seu lado. Embora muitos norte-americanos acreditem que a expressão tenha relação com sua participação na Guerra do Vietnã (décadas de 1960 e 1970), na verdade a conclamação para conquistar “corações e mentes” foi cunhada em 1895 por um general francês (Lyautey), por coincidência no próprio Vietnã (então a colônia francesa da Indochina).

Em artigo posterior vou abordar a “guerra” de propaganda e em curso entre os Estados Unidos e a República Popular da China. Nesse contexto, a mídia é utilizada, direta ou indiretamente, para a mobilização de apoios e para lograr, conforme o caso, acordos ou rupturas.

Pedro Luiz Rodrigues é jornalista e diplomata aposentado. Foi diretor da sucursal do jornal O Estado de São Paulo em Brasília e Secretário de Imprensa da Presidência da República e do Itamaraty.