Artigo – ÓBICES NO COMBATE AO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO – Por Leila Bijos

A sociedade tem sido abalada pelos crimes de lavagem de dinheiro, tanto em nível internacional como nacional.  Urge identificar os óbices de origem jurídica, política, econômica, psicossocial, militar, tecnológica e científica. No Brasil, a análise não é eficiente e nem eficaz, e apresenta a luta contra a “lavanderia de capitais”, aliada aos crimes que a ele estão direta ou indiretamente associados, como o narcotráfico, a corrupção, o sequestro, o terrorismo, as empresas offshore, e o crime organizado que se utiliza da lavagem de dinheiro para as suas inúmeras práticas criminosas.

O assunto em questão ganha importância no momento atual vivenciado pelo Brasil, principalmente, pelo fato de que a crise política que vem ocorrendo, em grande parte, tem a sua origem na corrupção com dinheiro público e, consequentemente, a lavagem de dinheiro para ludibriar a origem do capital e utilizá-lo com a aparência de lícito. Inúmeras operações têm sido implementadas com o objetivo de se combater tal crime, com destaque para a “Lava Jato”, que mostrou o profissionalismo dos Procuradores Federais, da Polícia Federal e do Judiciário atuantes em primeiro grau de jurisdição. Salienta-se, que o sucesso desta operação deveu-se aos mecanismos positivos que têm contribuído para identificar os criminosos envolvidos com o crime, e repatriar dinheiro público que foi para o exterior, principalmente, para os paraísos fiscais.

A nova Lei de Lavagem de Dinheiro, Lei 12.683/12, torna mais rigoroso os crimes de lavagem de dinheiro, mas apresenta dificuldades, para que o país tenha uma redução de tal delito, bem como a de outros a ele associados. Nesta verdadeira guerra contra a lavanderia de capitais, há necessidade do empenho de todos os Poderes do Estado brasileiro, no sentido de até mesmo preservar o Estado Democrático de Direito preconizado na Constituição Federal de 1988. O crime de lavagem de dinheiro é complexo e para combatê-lo exige medidas eficientes e eficazes, vontade política, e a participação efetiva dos três poderes do Estado brasileiro.

Atualmente, cada vez mais, os criminosos vêm utilizando-se de muita criatividade para lavar o dinheiro sujo, advindo da prática de outros delitos, favorecida pela diminuição das barreiras políticas e econômicas, como consequência da expansão comercial, de uma maior movimentação de pessoas e do fluxo de capitais entre os países, a partir do momento em que o mundo adquiriu uma feição de globalização, principalmente, econômica. Para que os Estados não percam o controle da situação e sua soberania, há uma exigência de que empreguem medidas concretas de impacto, muito bem coordenadas por parte dos governos dos países para coibir a prática de lavagem de capitais. Ressalte-se que estas medidas governamentais têm que estar afinadas com os acordos internacionais, pois, a lavagem de dinheiro é um problema internacional, que afeta todos os demais países do mundo.

Os acordos internacionais devem ser capitaneados de forma centralizada para que os procedimentos internos, adotados por cada país, sejam eficientes e eficazes, seguindo uma orientação geral e com amplo intercâmbio de informações entre os países signatários desses acordos. Sendo claro que, em determinadas situações, os países deverão adaptar os mencionados procedimentos às suas realidades e problemáticas.

A legislação brasileira é numerosa sobre o assunto lavagem de dinheiro, e possui deficiências, uma vez que não protege a contento bens jurídicos importantes para a sociedade brasileira. A recuperação de ativos é muito difícil porque depende do trânsito em julgado (encerramento) do processo. O processo de lavagem é volumoso, complexo e de difícil detalhamento, e o investigado, geralmente, usa os melhores advogados e de todas as formas de recursos, Habeas Corpus e Mandados de Segurança, que fazem com que o caso não tenha fim, além das dificuldades naturais da Justiça. A estrutura judiciária tem de ser rediscutida, evitando-se a extinção por prescrição, o que estimula a litigiosidade. A parte recorre para ganhar tempo, para que o processo chegue a esse fim.

Avanços ocorreram a partir de 1991, 1992, quando não existia uma Justiça preparada para crimes econômicos, e inclui-se aí o Ministério Público e a polícia. Hoje temos varas especializadas em crimes financeiros. Um aspecto que merece destaque é o fato de que desde a criação do COAF e da Lei nº 9.613/98, praticamente, não houve condenações pela prática do delito de lavagem de dinheiro, apesar dos inúmeros processos abertos pela ocorrência de crimes desta natureza, o que caracteriza ineficiência e ineficácia dos instrumentos jurídico-administrativos existentes no Brasil.

Apesar do avanço alcançado com a nova Lei, há aspectos negativos que são óbices, ou seja, obstáculos que trazem prejuízos para se combater a contento o crime em apreço. Os aspectos negativos mais significativos são mecanismos para investigar grupos organizados que conseguem esconder a origem do patrimônio ilegal, com instrumentos de investigação de quadrilhas que conseguem esconder a origem de patrimônio ilícito, ações dos agentes infiltrados, a delação premiada e as operações controladas, quando a polícia deixa a quadrilha prosseguir nos crimes para poder desmontar todos os seus braços. A legislação não é clara no tocante à questão de garantias para a ação dos infiltrados e das pessoas que se dispõem a fazer a delação premiada. A insegurança gerada em determinadas situações pode contribuir para que os tribunais anulem investigações realizadas. Verifica-se, ademais, a lentidão da atuação da Justiça brasileira nos processos criminais, pois justiça tardia não é justiça.

 À luz de inúmeros acontecimentos vivenciados pelo Brasil na última década, envolvendo políticos e figuras de relevo da Administração Pública nacional com inúmeros delitos ligados ao dinheiro público, em especial, com a prática de lavagem de dinheiro, valendo-se de “paraísos fiscais”, tais situações não foram suficientes para demover aqueles que têm o poder de decisão política para a adoção de medidas de impacto para combater, de forma eficiente e eficaz, o crime de lavagem de dinheiro.

Depreende-se que há no Brasil, uma nítida falta de vontade política para acabar com a doença da lavagem de dinheiro, a qual está associada a um outro problema nacional de acentuada gravidade, que é a corrupção não só no estamento político, mas, que está presente em todos os segmentos da sociedade brasileira, o que contribui, significativamente, para o crescimento do delito em questão no País. Por outro lado, identifica-se uma sociedade indolente e passiva que assiste a tudo isto sem nenhum tipo de reação, o que corrobora com o aumento da corrupção sem a devida punição. Os diretamente envolvidos com o delito são os que articulam politicamente os objetivos políticos dos omissos, como forma de pagamento ou troca de favores. É aí que ocorrem a corrupção e a lavagem de dinheiro.

Identifica-se uma política de governo de combate ao crime de lavagem de dinheiro incipiente e difusa que, por meio de medidas paliativas tomadas, internamente, não são suficientemente eficientes para contornar o crescimento de tal delito no Brasil. Além de não atender aos compromissos internacionais assumidos, no sentido de participar ativamente da cooperação com outros países contra a “lavanderia” de capitais, delito este que, na maioria das vezes, financia o crime organizado internacional.

O crime de lavagem de dinheiro, que envolve todos os campos do poder nacional, fragiliza a segurança do País, pois, favorece a prática de outros delitos como o contrabando, o narcotráfico, o terrorismo, entre outros, que materializam um grande perigo para a Nação, sublinhando-se a atividade de inteligência.

Não se pode deixar de fazer menção à inexistência de uma política adequada para as Forças Armadas, principalmente, referente ao Exército Brasileiro que tem papel importante, como Força Terrestre, na faixa de fronteiras, como reza a Constituição Federal, no seu artigo 142 e na Lei Complementar nº 97, de 09 de junho de 1999, que trata da organização, preparo e emprego das Forças Armadas. O Exército, como guardião das fronteiras terrestres, deve ser mais numeroso nestas áreas, equipado adequadamente e com infraestrutura apropriada capaz de manter a integridade territorial e a soberania do País sobre extensas áreas que, ainda hoje, encontram-se desprotegidas da cobiça internacional, em especial na área amazônica, e da movimentação fácil de criminosos ligados ao crime organizado, o qual é financiado pela lavagem de dinheiro, proveniente do tráfico de drogas e de armas.

       Na Região Amazônica, num passado recente, houve a iniciativa de se implantar um programa de governo, que, no início, teve significativo progresso, objetivando vivificar as fronteiras ao norte da calha do Rio Amazonas, para materializar a presença de nacionais ao longo dos limites do Brasil com os países vizinhos, caracterizando a presença do Estado nessas áreas e garantir a soberania nacional sobre elas. A desatenção governamental em relação ao pequeno efetivo da Polícia Federal que, visivelmente, é desproporcional à extensão do território nacional e ao tamanho de suas responsabilidades ou missões constitucionais, previstas no artigo 144, parágrafo 1º e seus incisos, também, compromete o combate ao crime de lavagem de dinheiro.

A estrutura social no Brasil apresenta grandes desníveis sócio-econômicos, que contribuem, sobremaneira, para, junto à população de menor poder aquisitivo, arregimentar mão-de-obra para o crime organizado, o qual se utiliza, também, do delito da lavagem de dinheiro, para os seus fins. Enfatiza-se o pouco investimento estatal na educação, impedindo à população de baixa renda a qualidade e a gratuidade do ensino a contento, o que gera o despreparo para o primeiro emprego, ou até mesmo, o desemprego e, consequentemente, estas pessoas excluídas são usadas pelos criminosos como massa de manobra da criminalidade. Outro ponto refere-se ao crescimento populacional nos grandes centros urbanos e a favelização das cidades, sem nenhum controle do Estado, onde surgem inúmeros focos de criminalidade e que dão apoio às organizações do crime organizado; e o crescimento do número de excluídos socialmente, pelas medidas paliativas e “politiqueiras”, com objetivos eleitoreiros, adotadas pelos governantes, não criando oportunidades para tais pessoas no futuro, o que, de certa forma, contribui para o descontentamento e busca do crime como meio de sobrevivência.

As organizações criminosas possuem acesso fácil e rápido a equipamentos diversos de telecomunicações, informática e armamentos com tecnologias avançadas e sofisticadas, por possuírem fartos recursos provenientes da lavagem de dinheiro, o coloca tais organizações criminosas numa situação de vantagem e superioridade em relação aos órgãos estatais de repressão ao crime, que, muitas vezes, para atuarem não possuem equipamentos e armamentos adequados.

No âmbito internacional, existem inúmeros organismos que tratam direta ou indiretamente do problema de combate ao crime de lavagem de dinheiro, todos eles não podem prescindir de informações obtidas por intermédio da atividade de inteligência, para se posicionarem e tomarem medidas cabíveis sobre o assunto. Os organismos que se destacaram, com o propósito em questão, foram a Convenção de Viena; o Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI); Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crime (UNODC); Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD), no âmbito da OEA; Grupo Egmont; Grupo de Ação Financeira da América do Sul Contra a Lavagem de Dinheiro (GAFISUD); e Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada Transnacional.

O combate ao crime de lavagem de dinheiro deixa a desejar, mas, tem solução – basta vontade política para resolver o problema.

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Leila Bijos

Pós-Doutora em Sociologia e Criminologia pela Saint Mary’s University, Halifax, Nova Scotia, Canadá. Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (CEPPAC/UnB). Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI), Universidade Federal da Paraíba (2020). Coordenadora de Pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos (CEEEx), Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP), Ministério do Exército (2019-2020). Aigner-Rollet-Guest Professor at Karl-Franzens University of Graz, Áustria Centro Europeu de Formação e Investigação dos Direitos Humanos e Democracia, Uni-Graz (2018/2019). Pesquisadora Visitante no International Multiculturalism Centre, Baku, Azerbaijão (2018). Professora do Mestrado Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília (2000-2017). Oficial de Programa do PNUD (1985-1999). Professora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual Transferência de Tecnologia para a Inovação – PROFNIT, Universidade de Brasília (UnB), CDT, Brasília, DF desde 2016.