Artigo – FINLÂNDIA E SUÉCIA SOB A AMEAÇA DE PUTIN – Por Leila Bijos

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Os Direitos Humanos fundamentam-se universalmente através da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1948, que proclama a necessidade essencial dos direitos da pessoa humana serem “protegidos pelo império da lei, para que a pessoa não seja compelida, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão”. A efetividade dos direitos humanos prevê que o Poder Público deve ter mecanismos para oferecer uma vida digna a cada um dos cidadãos, inclusive o direito à educação.  

É nesse sentido que apresentamos uma análise comparativa entre Brasil e Finlândia.

A Finlândia é uma nação do norte da Europa que faz fronteira com a Suécia, a Noruega e a Rússia. Sua capital, Helsinque, ocupa uma península e ilhas vizinhas do Mar Báltico. A cidade abriga a fortaleza marítima de Suomenlinna, do século XVIII, o moderno Design District e vários museus. A aurora boreal pode ser vista da província da Lapônia, situada no Ártico, que conta com uma vasta área selvagem, além de parques nacionais e estações de esqui.

Dentre as pequenas e paradisíacas cidades, destaca-se Lappeenranta, no sudeste da Finlândia, que faz fronteira com a Rússia, e os moradores expressam o desejo de que o país faça parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), mesmo com as constantes ameaças do Kremlin, que rejeita o avanço da aliança militar em áreas que considera de sua influência. A Guerra da Ucrânia, invadida pela Rússia em 24 de fevereiro de 2022, abalou essa idílica cidade com pouco mais de 70 mil habitantes, banhada pelo quarto maior lago da Europa e premiada por sua limpeza e luta pelo meio ambiente. Localizada a apenas 20 quilômetros da fronteira com a Rússia, Lappeenranta havia sido o exemplo perfeito das boas relações entre Helsinque e Moscou, marcando o famoso “pragmatismo” finlandês.

A cidade se orgulha da sua localização privilegiada e de ser a porta entre o Ocidente e o Oriente, o que transformou a indústria e o comércio local, agregando características únicas à cultura da região. Mas agora, junto com o restante do país, ela busca a proteção oferecida pela OTAN contra um vizinho no qual deixou de confiar.

O governo finlandês da primeira-ministra Sanna Marin acelerou seus passos para a afiliação à aliança militar encabeçada pelos Estados Unidos e outras potências ocidentais, rumo a uma ordem política europeia compartilhada, visando aprofundar os laços comerciais. A decisão é apoiada por 62% da população, o número de opositores à entrada da Finlândia na OTAN caiu de 40% em 2021 para apenas 16% atualmente. Para as pessoas que viveram décadas de boas relações com o vizinho do leste, essa dramática mudança de postura não será fácil.

Lappeenranta testemunhou como poucas cidades da Finlândia os benefícios das boas relações com Moscou. Todos os anos, um milhão e meio de cidadãos russos cruzavam a fronteira para desfrutar da sua hospitalidade e da sua tranquila localização junto ao lago Saimaa, o maior do país. A cidade também é um destino conhecido pelo seu comércio livre de impostos, que motivava milhares de cidadãos da Rússia a visitarem o local diariamente para encher suas malas de compras e voltar para casa. Quando a União Europeia impôs sanções à Rússia pela anexação da Crimeia, em 2014, o Kremlin respondeu proibindo importações de alimentos provenientes de países europeus. Com isso, Lappeenranta tornou-se o caminho adotado por milhões de cidadãos russos da região para comprar produtos proibidos no seu país. O intercâmbio fez com que os negócios florescessem por décadas de um lado para o outro da fronteira. De fato, Lappeenranta fica mais perto de São Petersburgo, a segunda maior cidade da Rússia, que da capital da Finlândia, Helsinque.

A Finlândia passou décadas demonstrando um comportamento neutro com a Rússia, assumido após o fim da Segunda Guerra Mundial, como forma de garantir a paz frente a um vizinho muito mais poderoso. Esse comportamento é popularmente conhecido como “finlandização”, um conceito criado pela Finlândia para convencer a antiga União Soviética da sua neutralidade. Gerações de cidadãos e políticos acreditaram nesse conceito. O ingresso na OTAN nunca havia recebido mais de 30% de aprovação entre os finlandeses. Até que, algumas semanas após a invasão da Ucrânia pela Rússia, a opinião pública sofreu uma reviravolta completa.

Os dois países são separados por 1,3 mil km de fronteira, mas a Rússia é 50 vezes maior e sua população, 26 vezes a da Finlândia. Durante séculos, a sombra das aspirações expansionistas russas projetou-se sobre o território finlandês, que foi invadido em várias ocasiões. A própria fortaleza de Lappeenranta foi construída pelos russos em 1775, após uma sangrenta batalha na qual morreram centenas de finlandeses. No início da Segunda Guerra Mundial, os dois países travaram uma guerra relativamente rápida, na qual a Finlândia conseguiu deter os avanços da União Soviética, mas não sem a perda de parte do seu território. Extensas regiões da Carélia — onde fica Lappeenranta — foram ocupadas pelos soviéticos durante o conflito. A cidade sofreu fortes bombardeios. Vizinhos fronteiriços, a sombra do passado paira sobre os dois países numa dupla relação de cooperação e rivalidade. Vender produtos aos turistas russos pode se tornar repentinamente em treinamento militar para a defesa da pátria, uma vez que as autoridades russas tornaram as advertências em ameaças, devido aos avanços da Finlândia e da Suécia (outro de seus vizinhos próximos) para ingressar na OTAN — um risco que os finlandeses parecem estar dispostos a assumir e dizem estar prontos para isso. Os finlandeses primam pelo pragmatismo, mas estão preparados para enfrentar ciberataques e difusão de notícias falsas, correr para os refúgios, prontos para qualquer tipo de ataque.

Pragmatismo é exatamente uma das palavras mais repetidas pelas autoridades de Lappeenranta sobre o que pode acontecer no futuro. Eles esperam que o caminho tomado pelo seu país não cause mal-entendidos. Afinal, seu descontentamento é com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e com os responsáveis pela guerra — não com os cidadãos russos.

Desde 2004, Putin vem pressionando contra as normas e limites que o Ocidente acreditava que o restringiriam. Após a guerra na Ucrânia, a brecha que está surgindo entre a Rússia e o Ocidente provavelmente se tornará permanente: uma nova Cortina de Ferro dividindo o cenário geopolítico enquanto o regime de Putin permanecer no poder.

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Pós-Doutora em Sociologia e Criminologia pela Saint Mary’s University, Halifax, Nova Scotia, Canadá. Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (CEPPAC/UnB). Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI), Universidade Federal da Paraíba (2020). Coordenadora de Pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos (CEEEx), Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP), Ministério do Exército (2019-2020). Aigner-Rollet-Guest Professor at Karl-Franzens University of Graz, Áustria Centro Europeu de Formação e Investigação dos Direitos Humanos e Democracia, Uni-Graz (2018/2019). Pesquisadora Visitante no International Multiculturalism Centre, Baku, Azerbaijão (2018). Professora do Mestrado Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília (2000-2017). Oficial de Programa do PNUD (1985-1999). Professora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual Transferência de Tecnologia para a Inovação – PROFNIT, Universidade de Brasília (UnB), CDT, Brasília, DF desde 2016.