Artigo – ESTÔNIA, ISRAEL, ÍNDIA: INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL COMO MEIOS DE GOVERNANÇA – Por Leila Bijos

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Leila Bijos

Anna Terra Lima[1]

As mudanças contemporâneas refletem o uso de novas tecnologias nas atividades das Cidades MIL (alfabetização midiática e informacional). O cidadão se assenta em um modelo cívico-territorial, de inserção da comunidade, com acesso à tecnologia e bem-estar, com investimento em supervisão e segurança de dados, inclusão de startups nos projetos de inteligência artificial voltados às soluções para as demandas do governo e da sociedade. As características específicas do Estado contemporâneo nos direcionam para uma sociedade dinâmica, cujos problemas surgem a cada momento, impelindo-nos a oferecer respostas imediatas para cada um deles.

Dessa forma, o que se verifica no presente, é que com a pandemia de COVID-19 foram expostas profundas deficiências nos sistemas de saúde pública e bem-estar social em toda a América Latina. A pandemia estimulou os governos a experimentarem novas tecnologias para aumentar a capacidade administrativa e de prestação de serviços, com funcionários responsáveis ​​pela inovação digital, adoção da telemedicina, tecnologias de educação a distância, pagamentos eletrônicos, legislação virtual, justiça remota e rastreamento de contatos, que envolvem a Inteligência Artificial, bem como nos setores de saúde, educação, direito, com julgamentos online, pré-análise dos processos realizada por robôs, visando à aceleração de demandas e políticas públicas.

Estamos vivenciando um processo migratório, inserido no atual momento histórico, em que seis bilhões de pessoas recebem em tempo real as mais “equipadas” tecnologias informáticas e de mídia em massa, características específicas da cidade globalizada.

A Alfabetização Midiática e Informacional (MIL) visa educar aos indivíduos para a veracidade das informações divulgadas, identificar os preconceitos, preparar para o discernimento e estabelecer julgamentos próprios e sólidos, colimando na transformação da realidade criativa, ética e sustentável. Os desdobramentos se fazem sentir na disseminação inovadora do conhecimento, através de redes educativas e culturais de pessoas, universidades, prefeituras e escolas, com treinamento digital de docentes e discentes.     

Percebe-se um movimento conjunto por parte de países e blocos em tutelar a evolução da implementação da IA no cotidiano, de modo que ela se torne uma aliada, e não uma ameaça. Com a internacionalização dos direitos humanos, cumpre ao Estado proteger o direito dos indivíduos, que estão acima dos direitos do Estado e independem do status de cidadão de um Estado particular.

Cidades Inteligentes. Site: Google.com

Vivemos na “Era da Informação” ou “Era Digital”, que mostra como em um período curto de tempo a humanidade passou por sucessivos avanços tecnológicos, até alcançar a Quinta Revolução Industrial. A tecnologia e a internet são partes fundamentais e intrínsecas do dia a dia do trabalho, do lazer de uma parcela considerável da população mundial, e mostram uma tendência crescente de se tornarem um componente cada vez mais intrínseco do nosso cotidiano. É compreensível que a governança e as cidades sejam afetadas e precisem ser modificadas para que possam melhor acompanhar e servir a população neste cenário. Em 2018 a UNESCO criou o conceito de Cidades Mil[2]: estrutura global para cidades com alfabetização midiática e informacional, que dá mais importância a gestão dos cidadãos, cabendo às cidades reconhecer a necessidade de políticas abrangentes de informação e comunicação, atendendo às dimensões digitais e não digitais, preocupando-se em criar uma comunidade “inteligente” onde as pessoas possa navegar nas redes sociais e tecnológicas complexas e em permanente mudança. As Cidades Mil atuam com 13 indicadores, 222 métricas, dentre elas acessibilidade; investimento em supervisão e segurança de dados; inclusão de startups nos projetos de IA, e mecanismos de governança.

Como exemplos de sucesso: 95% da população do Reino Unido tem acesso à internet, seguido por 89% da população da Estônia e 74% dos brasileiros. Dentre as cidades brasileiras, Brasília possui o maior índice de domicílios com acesso à internet: 94%.

A Estônia pode ser entendida como padrão ouro quando se trata de e-governança. O país reconhece o acesso à internet como um direito humano e possui um governo quase 100% digital, apenas 3 serviços requerem presença física: casamento, divórcio e transferência de propriedade. A Estônia se encontra em segundo lugar dentre 70 países analisados em índice de liberdade na internet, e em primeiro lugar em qualidade de vida digital segundo uma pesquisa do Inter Nations. O país nórdico também é destaque em cibersegurança, em primeiro lugar na União Europeia e segundo lugar no mundo. Lar do Centro de Excelência de Defesa Cibernética Cooperativa (CCDCOE) da OTAN, o país deve ter um investimento semelhante ao da organização na área de cibersegurança (cerca de 2% do PIB). Com a aplicação deste processo, a Estônia tornou-se referência em governo digital, e os cidadãos podem acessar a maioria dos serviços públicos online, deixando a burocracia de filas e longos prazos no passado. Finalmente, em Tallinn, existem 122 startups de inteligência artificial, e cerca de 50% dos sistemas de autenticação para infraestruturas de governo eletrônico são financiados pelo setor privado. Essa infraestrutura digital de serviços públicos (que continua a mesma de 17 anos atrás) é um sistema de código aberto, não proprietário e descentralizado, ou seja, quando uma empresa privada desenvolve um novo serviço, ela só precisa acoplá-lo à estrutura já existente. Os dados de autoridades, instituições e governos são protegidos com criptografia de ponta a ponta.

O Reino Unido encontra-se em oitavo lugar no índice da Freedom House em liberdade na internet e em décimo quinto quando se trata de qualidade de vida na web. O grande destaque do país, e de Londres em especial, é o extenso trabalho do governo em programas e investimentos para o desenvolvimento da e-governança e da tecnologia. Iniciativas como DevicesDotNow, Digital Inclusion Innovation Programme (LOTI, 2021); The Government Digital Service (GDS) e a Estratégia Nacional de IA, um plano de 10 anos para investir para tornar a Grã-Bretanha uma superpotência global de IA, mostram o grande engajamento do governo de investir em tecnologia e acessibilidade. Londres é a capital de crescimento IA da Europa, lar de 1,445 startups de inteligência artificial (TRACXN, 2021). O prefeito de Londres contratou a CognitionX para mapear as inovações da inteligência artificial na cidade e identificar seus pontos fortes únicos como um centro global de IA.

O Brasil está em vigésimo terceiro lugar no índice de liberdade na internet e, segundo o relatório da Inter Nations de 2019, se encontra em 50° lugar dentre 68 países no tocante a qualidade de vida digital. O país é um líder nos principais sistemas e facilitadores do governo, apresentando uma estratégia digital para 2020–2022, bem como estruturas de governança de dados, segurança e privacidade. O acesso à tecnologia e ao meio digital são fundamentais para o exercício da governança na atual conjuntura.

Observa-se assim que, através dos dados aqui apresentados, existe uma crescente importância dada pelos governos e pelas Organizações Internacionais em suas agendas ao investimento e ao desenvolvimento nos âmbitos de inteligência artificial e cibersegurança mas, alguns grupos da sociedade continuam a sofrer com a exclusão digital globalmente: desempregados; famílias de baixa renda; pessoas portadoras de deficiências; idosos; moradores de rua, e pessoas com baixas habilidades em numeração e alfabetização.

A Índia tem sido um exemplo exitoso desde 2010, apesar da discrepância em proporção. A Índia criou o Aadhaar, que mapeou e incluiu pessoas que até então estavam fora do radar, na vida econômica e no acesso a tecnologias de comunicação. Outra medida importante foi a redução do uso de dinheiro vivo a partir de uma interface de pagamento unificada. Quanto à arquitetura de informação para suportar tal conjunto, o país também defende o uso de um sistema em camadas, ao contrário de uma arquitetura monolítica, reproduzindo um sistema já ultrapassado. 

Israel é outro exemplo de sucesso no processo de inovação, com o diferencial de que, para alcançar êxito, o país optou por estimular o crescimento de todo o ecossistema por meio de financiamentos e aproximação entre os interesses governamentais e startups focadas no desenvolvimento de novas tecnologias. Aliado a isso, a peculiaridade de ser um país jovem, cercado por conflitos, com uma população de imigrantes que participam em processos de tomadas de decisão, liderança e estratégia. Diminui-se as barreiras sociais, dada a atuação na mesma unidade de pessoas provenientes de contextos sociais diversos, que fazem o perfil do povo de Israel ser compatível com as qualidades necessárias para o empreendedorismo e a inovação.

As inovações tecnológicas colocam o cidadão a par das diretrizes políticas, dotando-o de mecanismos da democracia participativa, inserindo-o nos Conselhos de Direitos no âmbito municipal, estadual, com a resolução de problemas, visando à plenitude da cidadania. Contorna-se, assim, a divulgação de fake news, deep fakes, a desinformação, a criação de factoides e fatos alternativos, além de propaganda negativa, criação proposital de narrativas e histórias seletivas com intenções manipuladoras, sem nos esquecermos da intolerância e radicalização.    


[1] Anna Terra Lima, é mestranda em Ciência Política e Relações Internacionais, UFPB. E-mail:  annaterralima.ri@gmail.com.

[2] Um conceito que aprofundou a noção de Cidade Inteligente.

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Pós-Doutora em Sociologia e Criminologia pela Saint Mary’s University, Halifax, Nova Scotia, Canadá. Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (CEPPAC/UnB). Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI), Universidade Federal da Paraíba (2020). Coordenadora de Pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos (CEEEx), Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP), Ministério do Exército (2019-2020). Aigner-Rollet-Guest Professor at Karl-Franzens University of Graz, Áustria Centro Europeu de Formação e Investigação dos Direitos Humanos e Democracia, Uni-Graz (2018/2019). Pesquisadora Visitante no International Multiculturalism Centre, Baku, Azerbaijão (2018). Professora do Mestrado Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília (2000-2017). Oficial de Programa do PNUD (1985-1999). Professora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual Transferência de Tecnologia para a Inovação – PROFNIT, Universidade de Brasília (UnB), CDT, Brasília, DF desde 2016.