Artigo – A RACIONALIDADE DOS CONFLITOS, DILEMAS E TÁTICAS – Por Leila Bijos

0
151

O Estado Moderno tem suas bases fundadas com o início da aglutinação dos indivíduos em sociedade, mantidos pela força do Estado no período clássico. Indivíduos que passaram a morar em feudos, obedecer ao senhor da igreja e do senhor feudal. O capitalismo trouxe a organização das cidades, a separação dos poderes e o neoliberalismo contemporâneo. Fatos históricos mostram o progresso e o conflito, uma mescla positiva de desenvolvimento, e a lógica racional da guerra. Paz temporária e a hecatombe da Primeira (1914-1918) e da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Retratos da maior catástrofe do século, um saldo de milhões de pessoas que perderam suas vidas nos campos de batalha, face a uma política expansionista e militarista do antifascismo que varreu as nações e provocou um conflito de dimensões mundiais. Como foi possível chegar a este estágio e descer tanto na escala da civilização?

A sombra da morte e da destruição abalou novamente o mundo pós-invasão da Rússia a Ucrânia, com tropas marchando em direção a Kiev, em 24 de fevereiro. Repercussões econômicas e políticas mundiais, 5 milhões de pessoas refugiadas da Ucrânia cruzando os países vizinhos. Putin, o implacável mestre estrategista tornou-se a estrela da mídia como o vencedor das anexações de regiões ucranianas. Vitória dissolvida em pó com a retirada das forças russas de Kherson, a única capital regional ucraniana que a Rússia conseguiu capturar e ocupar desde o início de 2022. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky celebrou o dia “histórico” de 11/11/2022.  Os contratempos revelam a derrota, a fragilidade do sistema ditatorial e a decisão do general russo Surovikin em consulta ao Ministro da Defesa, que culpa o poder aliado dos Estados Unidos, Reino Unido, União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). O eixo central do sistema militar russo é quebrado com as inúmeras perdas militares no seu próprio exército, com custos econômicos consideráveis, minando a estabilidade do país.     

Paul Kennedy na obra “Ascensão e queda das grandes potências” (1989), discorre sobre a política global nos últimos cinco séculos, a ascensão do Império Habsburgos, análise das tendências econômicas e tecnológicas de hoje para o equilíbrio de forças no século XXI, e mostra como a interação das forças econômicas e militares governa o progresso das nações.

A tese de Paul Kennedy, resumidamente, diz que a força relativa das principais nações no cenário mundial nunca permanece constante, principalmente em virtude, primeiro, da taxa de crescimento desigual entre as diferentes sociedades e, segundo, das inovações tecnológicas e organizacionais que proporcionam a determinada sociedade maior vantagem do que a outra. Quando sua capacidade produtiva aumentava, os países tinham, normalmente, maior facilidade de arcar com os ônus dos armamentos em grande escala, em tempos de paz, manter e abastecer grandes exércitos e armadas durante a guerra. A riqueza é, geralmente, necessária ao poderio militar para a aquisição e proteção da riqueza. Se, porém, proporção demasiado grande dos recursos do país é desviada da criação de riqueza e atribuída a fins militares, torna-se então provável que isso leve ao enfraquecimento do poderio nacional, em longo prazo, como é o exemplo da Rússia.

Paul Kennedy afirma ainda que, se o país excede estrategicamente pela conquista de territórios extensos ou em guerras onerosas, corre o risco de ver as vantagens potenciais da expansão externa superadas pelas grandes despesas exigidas. Este dilema se torna agudo se o país em questão tiver entrado em período de declínio econômico relativo.

A história da ascensão e queda dos países líderes do sistema de grandes potências, desde o avanço da Europa ocidental no século XVI, nações como Espanha, Holanda, França, Império Britânico e, atualmente, Estados Unidos, mostra uma correlação muito significativa, em prazo mais longo, entre sua capacidade de produzir e gerar receitas, de um lado, e a força militar, do outro. A Holanda, por exemplo, potência hegemônica do planeta no século XVII, abandonou sua exploração da cana de açúcar no Brasil em 1654, porque esta atividade passou a representar um ônus para mantê-la. Há, por exemplo, relação causal concreta entre as variações ocorridas ao longo do tempo nos equilíbrios gerais econômicos e produtivos e a posição ocupada pelas potências individuais no sistema internacional.

As mudanças econômicas pronunciadas anunciavam a ascensão de novas grandes potências que em algum dia teriam certo impacto decisivo na ordem militar ou territorial. A história sugere a existência de ligação muito clara, em longo prazo, entre a ascensão e queda econômica de grande potência militar ou império mundial. Isso resulta de dois fatos correlatos. O primeiro é que os recursos econômicos são necessários para apoiar a estrutura militar em grande escala. O segundo é que, no que concerne ao sistema internacional, tanto a riqueza como o poder são sempre relativos e como tal devem ser vistos. Se alguma nação é atualmente poderosa e rica, não depende, absolutamente, da abundância ou segurança de seu poder e riqueza, mas principalmente de terem os seus rivais menos desse poder e riqueza. Esta situação ocorreu durante o domínio do império britânico e, também, com os Estados Unidos após 1990 quando se tornou potência hegemônica no mundo.

Meio século depois, as prioridades podem ter-se modificado. A expansão econômica trouxe consigo outras obrigações, isto é, fazer frente à dependência de mercados e matérias primas estrangeiros, alianças militares e, talvez bases e colônias. Outras potências rivais que estejam se expandindo em ritmo mais rápido, logo, querem, por sua vez, estender sua influência ao exterior. O mundo torna-se espaço mais disputado com as grandes potências competindo entre si arduamente por fatias de mercado. Nessas circunstâncias, a maior potência entre as demais perturbada, pode ver-se gastando mais com a defesa do que antes. O mundo se tornou mais hostil simplesmente porque outras potências cresceram mais depressa e se estão tornando mais fortes.

A grande potência em declínio relativo reage, instintivamente, gastando ainda mais com a “segurança” e, com isso, deixa de usar recursos potenciais em “investimento produtivo”. Agrava ainda mais seu dilema em longo prazo. Esta é a situação da Rússia beligerante, que, no momento atual, não tem mais condições de assumir seus gastos militares como antes. Isto explica o enfraquecimento das tropas militares russas, e o fortalecimento dos aliados da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) que defende seus membros e a “heroica” Ucrânia.

Artigo anteriorEmbraer obtém crédito do BNDES para produção e exportação de aviões
Próximo artigoConcerto internacional em Brasília
Pós-Doutora em Sociologia e Criminologia pela Saint Mary’s University, Halifax, Nova Scotia, Canadá. Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (CEPPAC/UnB). Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI), Universidade Federal da Paraíba (2020). Coordenadora de Pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos (CEEEx), Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP), Ministério do Exército (2019-2020). Aigner-Rollet-Guest Professor at Karl-Franzens University of Graz, Áustria Centro Europeu de Formação e Investigação dos Direitos Humanos e Democracia, Uni-Graz (2018/2019). Pesquisadora Visitante no International Multiculturalism Centre, Baku, Azerbaijão (2018). Professora do Mestrado Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília (2000-2017). Oficial de Programa do PNUD (1985-1999). Professora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual Transferência de Tecnologia para a Inovação – PROFNIT, Universidade de Brasília (UnB), CDT, Brasília, DF desde 2016.