Mais de 1.500 brasileiras residentes no exterior pediram apoio das autoridades do Brasil para lidar com casos de violência de gênero ou doméstica em 2023. O país que mais registrou casos de violência contra brasileiras foi a Itália, com 350 casos, seguida dos Estados Unidos, com 240 casos; Reino Unido, com 188; e Portugal, com 127.
Apresentados em audiência pública da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher nesta terça-feira (26), os dados constam no Mapa Nacional da Violência de Gênero elaborado pelo Observatório da Mulher do Senado Federal. A partir de parceria com o Ministério das Relações Exteriores, o mapa passou a contar neste ano com os dados de violência de gênero e doméstica cometida contra mulheres brasileiras em outros países. Ao todo, mais de 2,5 milhões de brasileiras residem no exterior.
Coordenadora do Observatório da Mulher, Maria Teresa Prado observa, porém, que cerca de metade das repartições consulares brasileiras no exterior não registraram casos no ano passado, o que não significa que a violência não aconteça nesses lugares, e sim que não houve registros. Assim, os dados podem estar subestimados.
‘Violência vicária’
Daniela Grelin, do Instituto Natura, que apoia a realização do Mapa Nacional da Violência de Gênero, citou também os dados da chamada “violência vicária” no exterior, ou seja, a prática de usar os filhos para agredir a mulher. Foram registrados 808 casos de disputa de guarda e 96 casos de subtração de menores no ano passado.
“A violência contra as mulheres é frequentemente agravada pelo isolamento e pelo silenciamento das vítimas, e isso é especialmente debilitante para as brasileiras que vivem no exterior”, disse. “Barreiras como a dependência financeira, o status migratório irregular e o desconhecimento dos sistemas locais dificultam o acesso à justiça e à proteção ”, completou.
“Esses dados são, portanto, um chamado para ampliarmos o alcance das leis aprovadas nesta Casa, assegurando que se traduzam em políticas públicas eficazes para todas as mulheres brasileiras onde quer que estiverem”, acrescentou.
Convenção de Haia
A senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) disse que as brasileiras sofrem discriminação nos países estrangeiros ao buscar auxílio das autoridades locais. Muitas vezes são acusadas de sequestrar os próprios filhos, que acabam devolvidos ao companheiro abusador.
“No momento de denunciar a violência que elas sofrem, sem acolhimento e tampouco medidas protetivas em outros países, depois de muito sofrimento, elas optam por fugir”, apontou. “E em vez de encontrarem amparo ao voltar ao Brasil, elas passam a ser consideradas criminosas, enfrentando processos judiciais extremamente violentos, nos quais são revitimizadas e ainda sofrem com busca, apreensão e repatriação dos seus filhos”, acrescentou.
Mara Gabrilli defendeu a aprovação pelo Senado do Projeto de Lei (PL) 565/2022, já aprovado pela Câmara, para enfrentar essa situação e garantir que haja o retorno imediato da criança quando haja a prática de violência doméstica contra a mãe ou contra a criança. O projeto qualifica como risco grave de ordem física ou psíquica a exposição de crianças a a situações de violência doméstica em país estrangeiro sem providências pelas autoridades locais. Hoje, de acordo com a senadora, a chamada Convenção de Haia, criada para impedir o sequestro internacional de crianças, vem sendo aplicada de forma a devolver sumariamente as crianças a seus genitores no exterior mesmo em situação de violência.
Nova interpretação
Kaline Santos Ferreira, do Ministério das Mulheres, manifestou apoio ao projeto de lei e disse que a pasta defende a aplicação da chamada Convenção de Haia de forma protetiva ao menor e de acordo com a Constituição brasileira. Ela também pede apoio da comissão para que a Advocacia-Geral da União dê nova interpretação para a aplicação da convenção. Segundo ela, a aplicação da convenção hoje tem feito com que centenas de mães sejam separadas de seus filhos por companheiros de nacionalidades diferentes por mero processo administrativo.
Ela afirmou que as mulheres devem ser ouvidas e acolhidas. Se a violência doméstica não for comprovada posteriormente, diz ela, aí sim as crianças seriam devolvidas a seus genitores no exterior.
Ações do Itamaraty
Secretária de Comunidades Brasileiras no Exterior e Assuntos Consulares e Jurídicos do Itamaraty, a embaixadora Márcia Loureiro informou que no ano passado a rede consular brasileira fez 223 repatriações individuais e dá atenção especial àqueles que são mais suscetíveis às violações de direito, incluindo mulheres, menores, pessoas com deficiência, pessoas LGBTQIA+ e aqueles que sofrem discriminação racial.
Segundo ela, parte do esforço do Itamaraty é capacitar agentes consulares para lidar com o problema de forma humanizada. Boa parte da rede consultar oferece também atendimento psicológico e jurídico em português para essas pessoas.
Além disso, ela acrescentou que a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 é também acessível no exterior. E citou ainda a criação do primeiro espaço da mulher brasileira no exterior na cidade norte-americana de Boston.
A embaixadora observou ainda que a prevenção é uma parte essencial do combate à violência contra a mulher. “Então nós lançamos no início deste ano uma cartilha Prevenções contra Violências contra a Mulher Brasileira no Exterior, elaborada em conjunto com o Ministério das Mulheres”, informou. “E em junho último publicamos a cartilha sobre subtração internacional de crianças, em colaboração do Ministério de Justiça e Segurança Pública e da Revibra Europa”, acrescentou. A Revibra é uma rede europeia de apoio a mulheres migrantes vítimas de violência doméstica e/ou discriminação.
Falta de medidas protetivas
Assistente jurídica da Revibra, Aline Guida sublinhou que, na Europa, quase nenhuma legislação prevê medida protetiva contra a violência psicológica, a financeira e a administrativa.
Na audiência, a brasileira Judith Moura de Oliveira, que mora na Itália há 43 anos, relatou que durante 19 anos sofreu violência, inclusive várias tentativas de assassinato, mas aguentou para que seus filhos não lhe fossem retirados. “A mulher estrangeira tem medo das leis [locais] e de não ser bem interpretada”, reiterou. Ela recebeu o título de cônsul honorária do Brasil em Trieste, Itália, pelo trabalho que hoje faz junto a outras brasileiras vítimas de violência no exterior.
CMCVM
A Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher é composta por 12 senadores e 12 deputados, com igual número de suplentes. Atualmente tem como presidente a senadora Augusta Brito (PT-CE), que coordenou a audiência pública de terça-feira.
Fonte: Agência Senado