Artigo – CHANTAGENS DE PUTIN AO GÁS DA EUROPA: POLÔNIA E BULGÁRIA EM BUSCA DE NOVAS ALTERNATIVAS – Por Leila Bijos

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O epicentro do conflito entre Rússia e Ucrânia atinge proporções inimagináveis do ponto de vista da violência, frieza e estratégias calculistas. O mais importante para o inimigo é alcançar os pontos fracos e causar pânico nos cidadãos ucranianos, permeados pelo histórico da dominação absolutista russa.  A versão absolutista do império russo transborda o capitalismo ascendente, ultrapassa o período medieval, e tem uma continuidade evolutiva em sua forma de dominação visando atender aos interesses das classes hegemônicas. Trata-se, na verdade, de uma máquina de opressão que atinge e cala sua população, explora e subjuga, ultrapassando as fronteiras do país e conduzindo suas ações na Europa, Ásia e regiões ultramarinas.

Observa-se a estratégia do presidente Putin na construção da nova forma estatal, alicerçada na ideia de soberania, que concentra todos os poderes em suas mãos como monarca absoluto – imperium personificando o Estado na figura do rei.

Esse lastro de monarquia absolutista se apropria dos Estados soberanos vizinhos, como de sua propriedade. Tal postura o retrata como senhor da Federação da Rússia, da Ucrânia, estendendo seus tentáculos nas regiões separatistas de Donetsk e Luhansk, tal qual o faziam os senhores feudais do medievo, titularizando individualmente a propriedade do Estado, com tropas militares, tanques de guerra, mísseis supersônicos.

Tal estratégia absolutista serviu fundamentalmente para, na passagem do modelo feudal para o moderno, assegurar a unidade territorial dos reinos, sustentando um dos elementos fundamentais da forma estatal moderna: o território. A base de sustentação do poder monárquico absolutista estava alicerçada na ideia de que o poder dos reis tinha origem divina. O rei seria “representante” de Deus na Terra, o que lhe permitia desvincular-se de qualquer vínculo limitativo de sua autoridade. Jean Bodin (1576) discorre sobre este tópico como “A soberania do monarca era perpétua, originária e irresponsável em face de qualquer outro poder terreno.” Portanto, pode-se dizer que o Estado absolutista, de um ponto de vista descritivo, seria aquela forma de governo em que o detentor do poder exerce este último sem dependência ou controle de outros poderes, superiores ou inferiores, como refere Pierangelo Schiera.[1]

Num contexto do poder político em que se recorre à força, ataca os territórios vizinhos, chantageia, e utiliza-se da força como uma condição necessária para subjugar, massacrar, destruir, chantagear e impor sanções, como cortar o fornecimento de gás à Polônia e Bulgária. Desafios impostos em plena primavera, mas com consequências indeléveis a serem contornadas antes do próximo inverno.  A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen descreveu a decisão como “chantagem” e um “lembrete forte” de que o bloco precisa de “parceiros fiáveis para construir a sua independência energética” (29.04.2022), e reduzir 40% das importações de gás do bloco, 27% do petróleo e 46% do carvão mineral. 

A verdadeira razão para que a Rússia cortasse o fornecimento de gás a Polônia e a Bulgária, é que os dois países se tornaram apoiadores de alto nível do esforço de guerra ucraniano, apoiando a Kiev, instalando substantiva ajuda humanitária aos que fogem do confronto armado. Rússia está provando ao mundo que os recursos energéticos são uma arma, e que a Gazprom pode suspender o fornecimento de gás natural aos “países hostis” se o pagamento não for efetuado em rublos. A Polônia recebe 50% de seus recursos energéticos da Rússia, enquanto a Bulgária tem uma dependência de 100%.

Soluções imediatas revelam que este é um excelente momento para a União Europeia finalmente dê luz verde ao gasoduto EastMed, em obras há anos, mas também destruído pelo governo Biden em capitulação à Turquia. O EastMed, no entanto, continua a ser uma solução ideal para diversificar o fornecimento de gás à Europa e aguarda apenas a aprovação da União Europeia.

Aliados da Ucrânia concentram seus esforços no envio de equipamentos militares, como mísseis antitanque, antiaéreos e antinavio, não apenas para a defesa da agressão russa, mas para fortalecer a ofensiva e vencer a guerra. O conflito bélico entra em seu 78º dia, e Putin comemorou de forma inusitada o 9 de maio – Dia da Vitória sobre a Alemanha nazista, com 60 milhões de mortos, e 6 milhões de judeus assassinados. Em vez de libertar a Europa como em 1945, tornou-se uma demonstração de força na guerra contra a Ucrânia, e a captura de Mariupol.

A instabilidade da crise na Ucrânia está ocorrendo durante um período em que os desenvolvimentos emergentes estão corroendo a estabilidade estratégica na relação de dissuasão nuclear entre os Estados Unidos e a Rússia. Essa confluência ameaça reformular e elevar dois perigos tradicionais da era bipolar da Guerra Fria, com Putin ameaçando o mundo ocidental com uma resposta “rápida como um relâmpago”, se apoiarem a Ucrânia, evidenciando o risco de escalada bélica e transbordamento geográfico do conflito além das fronteiras da Ucrânia.

A arma russa mais temida é o míssil balístico intercontinental RSM-56 Bulava, que tem capacidade para levar dez ogivas nucleares e pode atingir qualquer país da Europa e os Estados Unidos, e está pronto para ser usado.  

A estabilidade de crise e a estabilidade estratégica estão ligadas: a estabilidade estratégica foi definida pelas administrações dos EUA como a ausência de incentivos para usar armas nucleares primeiro em uma crise. Com o colapso quase total da arquitetura de controle de armas dos últimos cinquenta anos, as duas grandes potências estão agora presas em uma corrida armamentista irrestrita – por meio de seus programas de modernização nuclear (incluindo o desenvolvimento de uma nova geração de sistemas nucleares estratégicos, armas nucleares e mísseis hipersônicos), bem como a extensão de sua competição para os domínios emergentes do ciberespaço e do espaço sideral.

O impasse nas negociações se acirra com a pretensão da Finlândia e Suécia aderirem à OTAN, o que redundaria numa expressiva revolução nos países nórdicos.


[1] Absolutismo. Pierangelo Schiera, in: Bobbio, Norberto et all. Dicionário de Política, Brasília: UnB, 1986, p. 1 a 7.

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Pós-Doutora em Sociologia e Criminologia pela Saint Mary’s University, Halifax, Nova Scotia, Canadá. Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (CEPPAC/UnB). Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI), Universidade Federal da Paraíba (2020). Coordenadora de Pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos (CEEEx), Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP), Ministério do Exército (2019-2020). Aigner-Rollet-Guest Professor at Karl-Franzens University of Graz, Áustria Centro Europeu de Formação e Investigação dos Direitos Humanos e Democracia, Uni-Graz (2018/2019). Pesquisadora Visitante no International Multiculturalism Centre, Baku, Azerbaijão (2018). Professora do Mestrado Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília (2000-2017). Oficial de Programa do PNUD (1985-1999). Professora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual Transferência de Tecnologia para a Inovação – PROFNIT, Universidade de Brasília (UnB), CDT, Brasília, DF desde 2016.