Artigo – Ascensão da OTAN: Conflito Rússia – Ucrânia – Por Leila Bijos

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LEILA BIJOS

JOSÉ JOSEMBERG[1]

A guerra da Ucrânia sepultou o sonho da Paz Perpétua preconizada por Immanuel Kant em 1795, que se constrói porque a razão tem mais força do que o poder, e a razão […] condena absolutamente a guerra como procedimento de direito e torna, ao contrário, o estado de paz um dever imediato, que, porém, não pode ser instituído ou assegurado sem um contrato dos povos entre si […] (p. 40-41). A obra de Kant interessa em geral aos homens, e em particular aos chefes de Estado que nunca chegam a saciar-se da guerra, como a invasão da Rússia à Ucrânia, violência genocida que destrói cidades, culturas, vilarejos ancestrais, aniquilados pela foice implacável de Putin, que ceifa a vida da população.

O império informal da União Soviética na Europa Oriental ameaçou o Ocidente porque garantiu o controle de Moscou sobre a região; uma aliança mais livre em que cada estado poderia escolher sua própria política externa e a forma de governo interno foram muito mais fragmentados e difusos do que o bloco sólido que emergiu. O conflito Leste-Oeste evaporou por sua vez quando este império informal e hierárquico entrou em colapso em 1989, e a URSS dissolveu-se em 1991.

Em meio à intensa instabilidade política e econômica na Rússia na década de 1990, a oposição à aliança ocidental foi uma das poucas questões que uniram o espectro político fragmentado do país, de acordo com documentos tornados públicos, do Arquivo de Segurança Nacional na Universidade George Washington, nos Estados Unidos. “Acreditamos que a expansão da OTAN para o leste é um erro, e um erro sério”, afirmou Boris Yeltsin, o primeiro presidente pós-soviético da Rússia, numa entrevista coletiva em 1997, ao lado do então presidente dos EUA, Bill Clinton, em Helsinque, onde os dois assinaram uma declaração sobre controle de armas.

Bill Clinton perseguiu então a Parceria para a Paz, um programa da OTAN ao qual a Rússia aderiu em 1994. Porém houve desacordo sobre se o programa era uma alternativa à adesão à OTAN ou um caminho em direção a ela. Em 1997, a aliança transatlântica e a Rússia assinaram o assim chamado “Ato Fundador” sobre relações mútuas, cooperação e segurança, e o Conselho OTAN-Rússia foi fundado em 2002, ambos destinados a aumentar a colaboração entre as duas partes. Moscou recebeu acesso e presença permanente na sede da OTAN, em Bruxelas, contudo, essa troca foi em grande parte sustada desde o ataque da Rússia à Ucrânia em 2014.

De fato, os documentos mostram um padrão de promessas que os negociadores americanos fizeram aos seus homólogos russos, bem como discussões de política interna que se opõem à expansão da OTAN para o Leste Europeu. As instituições em assuntos de segurança são consideravelmente mais amplas do que as alianças, concertos e organizações de segurança coletiva que normalmente são tomadas para definir o conjunto. Apesar de posições estruturais semelhantes aos polos em um sistema bipolar, a União Soviética e os Estados Unidos adotaram instituições de segurança muito diferentes, e ambos tipos de instituições influenciaram o curso da política internacional.

A estratégia da União Soviética baseava-se na cooperação com a Europa Oriental, nas tecnologias militares que alcançaram frutos durante ou logo após a guerra – mais notavelmente guerra blindada móvel e armas atômicas, estimulando uma mudança em ambas as superpotências para uma postura de defesa baseada no avanço: forward-based defense posture. O objetivo central da União Soviética era, também, projetar força no coração da Europa e, por meio de sua capacidade expandida de intimidar os outros, de influenciar eventos em uma escala mundial.

A tragédia ucraniana subjaz como pano de fundo, e explicita as crescentes rivalidades provocadas pela contradição irredutível entre o caráter mundial das forças produtivas, o horizonte global da acumulação de capital e as bases nacionais de reprodução da relação capital-trabalho. A Ucrânia, com seu riquíssimo solo negro, potencialidades e desenvolvimento estratégico, despertou a cobiça da Rússia de renascer o poderio dos czares de 1721, derrubados pela Revolução de Fevereiro em 1917, com o vil pretexto da segurança do território russo, em virtude de uma influência da OTAN na região, seguindo o exemplo da Letônia, Estônia e Lituânia.

A ação militar na Ucrânia, iniciada pela ocupação de Luhansk e Donetsk, sob o argumento de um suposto socorro a essas cidades, traz em seu bojo o passado da antiga União Soviética, uma força militar que cresce com o recrutamento de mais 134.500 novos soldados, enviados à “zona vermelha”. Face ao cinismo que marca a forte retórica ameaçadora de Putin, espalha-se o temor ao imperialismo russo, a violação dos direitos humanos, fome e sofrimento de milhões de cidadãos, que são jogados em valas comunitárias como em campos de concentração durante o Holocausto, enquanto doentes terminais são atendidos precariamente nos subterrâneos dos abrigos.

A importância da Ucrânia para a Rússia se deve a inúmeros fatores, dentre eles possuir uma das maiores reservas de minério de urânio, uma das maiores reservas de minério de titânio do mundo, a segunda maior reserva de manganês em escala mundial, uma enorme reserva de gás, dentre outras riquezas naturais, além de ter uma grande importância agrícola e industrial para o mundo.

O acirramento nas relações entre a Rússia e a Ucrânia, a anexação da Criméia em 2014, o controle do invasor russo sob a retórica de ser o referido território genuinamente russo, mostra os passos cruciais da incursão, o patrocínio a grupos separatistas, envenenamentos e assassinatos.

A grande superioridade bélica da Rússia revela centenas de tanques de última geração prontos para a invasão da capital Kiev, mísseis hipersônicos, míssil RSM56-Bulava com armamento e defesa intercontinental que atinge 10.000 km em poucos segundos, acrescidos de mísseis terra-ar, drones equipados com mísseis teleguiados, tecnologias da indústria de defesa russa, como elementos de força para o país.  

Poder bélico que reavaliou a inoperância da Ucrânia por não ser aliada da OTAN, nem contar com tropas internacionais que pudessem protege-la da astúcia, estratégia, e sede de poder de Vladimir Putin, frio comandante da Rússia, que não hesita em incluir em seu planejamento militar o uso de armas químicas e nucleares.

Vladimir Putin busca alterar a geopolítica mundial unilateralmente, comprovando a importância da guerra de informação e o controle da narrativa, ancorado na dependência europeia da importação do gás russo.

As pressões internacionais demandam um cessar fogo imediato, a retirada dos tanques, a volta à normalidade na Ucrânia. Líderes europeus, norte-americanos, membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, são convocados para intermináveis discussões, que mostram o fracasso do soft power como caminho para acabar com a guerra.

Membros da OTAN e contrários ao aumento de seus orçamentos militares reavaliam suas posições. A Alemanha, maior economia da Europa, decidiu ampliar seu investimento na área de defesa, com uma verba extraordinária de 100 mil milhões de euros, e investimento anual em Defesa para mais de 2% do PIB. Críticas severas incluem a baixa disponibilidade de seus jatos Eurofighter Typhoon, caças Stealth F-35 Lightning II, já comprados por países de economia menor, como Bélgica, Noruega, Holanda e Polônia. A ex-ministra da economia na gestão de Angela Merkel, Annegret Kramp-Karrenbauer, pronunciou-se a respeito da falta de investimento militar do país, e concluiu que foi um erro histórico. No caso da força aérea, as compras de combate previstas até o momento envolviam 38 novos Eurofighter, 30 F-18 Super Hornet e 15 EA-18G Growler.

Independente das vulnerabilidades estatais, enfatiza-se a necessidade de um sistema sofisticado de Comando e Controle, que permita desenvolver o princípio de guerra centrada em rede, Inteligência Artificial, defesa cibernética, transformações organizacionais e doutrinárias, com o envolvimento da comunidade científica nacional em assuntos de Defesa. As capacidades tecnológicas vão além do investimento e produção de armas, uma vez que o desenrolar de um possível conflito causa perdas imensuráveis, tanto no campo militar como no âmbito civil. A projeção deste estado de excepcionalidade transforma radicalmente a estrutura e o conteúdo dos diversos tipos de constituição pelo mundo, uma vez que representa um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo.

A essência da invasão russa espelha um conflito político que se assenta na dominação e imperialismo, a ordem global aprofunda sua fragmentação, enquanto no Brasil, o Estado-Maior do Exército dedica-se a um processo de transformação. Desafios inovadores e instigantes trazidos à baila pela Era do Conhecimento, que exige adaptações e modificações, mudanças profundas para que se descortine um novo caminho na promoção da autonomia cientifico-tecnológica em áreas sensíveis e o fortalecimento da soberania nacional.


[1] Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI) da UFPB.

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Pós-Doutora em Sociologia e Criminologia pela Saint Mary’s University, Halifax, Nova Scotia, Canadá. Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (CEPPAC/UnB). Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI), Universidade Federal da Paraíba (2020). Coordenadora de Pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos (CEEEx), Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP), Ministério do Exército (2019-2020). Aigner-Rollet-Guest Professor at Karl-Franzens University of Graz, Áustria Centro Europeu de Formação e Investigação dos Direitos Humanos e Democracia, Uni-Graz (2018/2019). Pesquisadora Visitante no International Multiculturalism Centre, Baku, Azerbaijão (2018). Professora do Mestrado Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília (2000-2017). Oficial de Programa do PNUD (1985-1999). Professora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual Transferência de Tecnologia para a Inovação – PROFNIT, Universidade de Brasília (UnB), CDT, Brasília, DF desde 2016.