Artigo: Pessoas não são números – por Georgiana Calimeris

Lembro que uma amiga da minha avó tinha um número tatuado no ante-braço. Na minha inocência infantil, lembro de ter perguntado sobre o número para meu pai. Nunca obtive uma resposta e muitos anos depois, já adulta, eu entendi o que ele significava. Era a tatuagem feita em um campo de nazistas. Nós tiramos toda a humanidade quando tratamos pessoas como números. É só um por cento ou dois por cento. Ah, que isso, é pouca gente.

Gente essa que tem nome, familiares, amores, histórias de tempos atrás, de tempos recentes, que não queria morrer se afogando no seco. Tem um livro do autor chamado J.M. Simmel, cujo título me vem com frequência à mente: Por quantos ainda vamos chorar? Quando se fala em porcentagem, números e estatísticas, esquecemos que foram pessoas que respiraram o mesmo ar que nós, que foram amadas ou odiadas, que tiveram história para contar e cujos entes queridos não tem oportunidade sequer dar um adeus em um ritual apropriado.

Necessitamos de rituais. Os antropólogos os estudam. Cada cultura tem uma forma de dizer adeus ao seus mortos. Com a vinda do novo coronavírus, a despedida não é possível. Na madrugada de segunda, li um texto que me fez refletir sobre o fato dos mortos não terem rostos nem nomes, de que suas histórias não deixarão marcas para todos nós, mas para aqueles que os amavam. Precisamos trazer os nomes, os rostos, as alegrias e tristezas dessa gente para que possamos saber quem são.

Quando a gente escreve um livro, uma das lições mais básicas é: ao escrever, que seja uma criatura saída direto do mais profundo terror, coloque uma alma humana. Sem o espelho, não nos conectamos, não temos o interesse pela história. Precisamos de heróis e heroínas com os quais possamos nos ver e tornando pessoas números, não temos esta capacidade. O número tatuado no ante-braço da amiga da minha avó me assombra até hoje.

Georgiana Calimeris é filha de imigrante grego e mãe goiana. Nasceu em 1973. Por querer se dedicar à literatura, escolheu o curso de jornalismo. Tornou-se escritora e instrutora de Yoga. Está usando o conhecimento de Yoga para ajudar quem está com ansiedade.

Compartilhe

Brasília in Foco