O Século dos BRICS

LEILA BIJOS

GUSTAVO ALVES DE ANDRADE[1]

A primeira reunião oficial dos BRICS foi realizada em Ecaterimburgo, parte oriental dos Montes Urais russos, no mês de junho de 2009, onde se encontraram os presidentes do Brasil (Luiz Inácio Lula da Silva), da China (Hu Jintao), da Rússia (Dmitri Medvedev) e o primeiro-ministro da Índia (Manhoman Singh) para debater temas concernentes à crise econômica global de 2008, o papel do G20, mudanças climáticas, a reforma das instituições financeiras e questões de segurança energética e alimentar.

A África do Sul só foi incorporada em 2011, e este compromisso anual se tornaria altamente relevante para a geopolítica contemporânea, especialmente no que tange às ressalvas feitas ao sistema mundial presentes desde o momento do nascimento do grupo. Críticas à ordem unipolar, especialmente no que concerne à especulação financeira, à resolução de conflitos internacionais por meio da intervenção bélica externa e, principalmente, à dependência a que são submetidos os países periféricos para com as potências centrais. A crescente influência dos BRICS no cenário global se destaca pela taxa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de cada membro do bloco, que juntos, os cinco países representam uma fatia significativa tanto do PIB mundial como das entradas de investimento global – o que demonstra a capacidade do grupo em ser o pivô do movimento de deslocamento dos centros de poder na atualidade. Importante compreender em que sentido se dá o papel dos BRICS, na condição de países emergentes, diante do fenômeno das mudanças estruturais recentemente observados nos círculos hegemônicos tradicionais, e como o bloco contribui para romper os laços de dependência dos quais os Estados hegemônicos dependem, notadamente os Estados Unidos e a União Europeia. Vislumbra-se uma maior integração entre os países emergentes, com o intuito de que estes tenham mais autonomia em relação à implementação das suas próprias políticas de desenvolvimento, e possam dirimir as disparidades existentes entre os países do bloco no que tange ao desempenho econômico, particularmente quando são comparados aos desempenhos da China e da Índia; e dados do Brasil, da Rússia e da África do Sul no período pós-1990.

Ao fim da primeira década do século XXI, o mundo estava passando por uma transformação no cenário econômico, com a crise de 2008, cujos países mais afetados foram os desenvolvidos, aliada a uma relativa estabilidade econômica no seio dos Estados emergentes, o que resultou em uma crise de legitimidade da ordem financeira internacional. A dinâmica de crescimento econômico de longo prazo dos países membros do BRICS, em termos numéricos, espelha que em 2000 a participação dos BRICS no PIB mundial representava 8,1%; em 2008 chegou a 14,8% apesar da crise econômica que atingiu todas as nações. O crescimento econômico contínuo desse grupo de países fez com que a participação no PIB mundial atingisse 17,9% em 2010 e 22,0% em 2016.

Uma das críticas direcionadas aos BRICS, feitas especialmente por representantes de países desenvolvidos, diz respeito à falta de coesão entre os membros do grupo, que perpassam por diferenças econômicas, sociais e culturais, mas com a inserção de mecanismos de cooperação e troca de experiências, na área de ciência, tecnologia e inovação (CTI). Os países membros do grupo reconheceram que, levando em consideração a importância que vinham tendo em relação ao enriquecimento do estoque global de conhecimento, seria preciso assumir o compromisso de um desenvolvimento a longo prazo, e investir em ciência e tecnologia. No quesito econômico, criou-se o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e o Arranjo Contingente de Reservas (ACR).

Em 2014, na Cidade do Cabo, os membros do grupo acordaram que haveria uma divisão de tarefas quanto à atribuição de responsabilidade em diferentes áreas temáticas: mudanças climáticas e desastres naturais ficou sob a liderança do Brasil; recursos hídricos e tratamento da poluição, da Rússia; tecnologia geoespacial e suas aplicações, da Índia; energia nova e renovável e eficiência energética, da China; e astronomia, da África (DECLARAÇÃO DA CIDADE DO CABO, 2014). A partir dessa iniciativa, a cooperação dos BRICS em ciência, tecnologia e inovação passou a ser reconhecida como uma das mais ricas no contexto da cooperação setorial, tanto no que tange à disponibilização de recursos para projetos de pesquisa como ao intercâmbio de conhecimentos. Portanto, a Declaração da Cidade do Cabo, assinada pelos países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, e África do Sul) em 2014, foi um passo significativo para a construção de mecanismos de cooperação entre estas nações, visto que o acordo representou um compromisso para reforçar a cooperação entre os países do BRICS em várias áreas como o comércio, investimento, e desenvolvimento de infraestrutura. A Declaração da Cidade do Cabo serve como testemunho do potencial de colaboração entre nações e o seu sucesso continua a inspirar mais esforços no sentido de construir um mundo mais interligado e próspero, principalmente no âmbito dos países emergentes. Tamanha foi a importância de construir mecanismos de cooperação em ciência e tecnologia que, quatro anos depois, em 2018, os BRICS firmaram outro acordo nessa área, na Cúpula de Joanesburgo, cuja iniciativa visa à cooperação entre parques científicos dos cinco países e ao auxílio no desenvolvimento de pequenas e médias empresas com foco em tecnologia.

O futuro dos BRICS é de um grande potencial e oportunidades, determinação para crescer e a se desenvolver em um esforço comum. O motor propulsor que levou as cinco nações a formarem um bloco importante no cenário global, reside na crença de que a distribuição atual de poder precisa ser revista, bem como na convicção de que as cinco nações possuem plena capacidade de desempenhar um papel com maior destaque na seara internacional.

Os BRICS têm procurado contestar a hegemonia dos países desenvolvidos e promover uma ordem mundial multipolar onde as vozes de todas as nações sejam levadas em conta, objetivando a reforma das instituições de governança global, como as Nações Unidas e o Banco Mundial. Os membros do BRICS argumentam que o sistema vigente, dominado pelos países desenvolvidos, é injusto e que os interesses dos países em desenvolvimento não estão adequadamente representados na governança global. Como toda contestação à ordem em vigência, a partir do momento em que os BRICS deixaram de ser um conceito abstrato – quando eram vistos como positivos para o crescimento mundial – e passaram a se firmar como um grupo que ganhou vida política na esfera internacional, apareceram diversas críticas (provenientes do Norte global) tendo como alvo sua legitimidade e mesmo sua própria viabilidade, tais como as dissonâncias de regimes governamentais dentro do próprio bloco e as fraquezas estruturais de alguns membros. Nesse sentido, os membros do grupo são ou pretendem ser membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas e, para consolidar sua posição de nações com forte impacto regional, necessitam que seja feita uma reforma no sistema global, no sentido do estabelecimento da multipolaridade e de um sistema multilateral de governança. O mundo começa a levar os BRICS mais a sério como agentes vitais na arena política global, inseridos num processo de desconcentração do poder econômico.


[1] Mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

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Leila Bijos

Pós-Doutora em Sociologia e Criminologia pela Saint Mary’s University, Halifax, Nova Scotia, Canadá. Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (CEPPAC/UnB). Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI), Universidade Federal da Paraíba (2020). Coordenadora de Pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos (CEEEx), Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP), Ministério do Exército (2019-2020). Aigner-Rollet-Guest Professor at Karl-Franzens University of Graz, Áustria Centro Europeu de Formação e Investigação dos Direitos Humanos e Democracia, Uni-Graz (2018/2019). Pesquisadora Visitante no International Multiculturalism Centre, Baku, Azerbaijão (2018). Professora do Mestrado Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília (2000-2017). Oficial de Programa do PNUD (1985-1999). Professora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual Transferência de Tecnologia para a Inovação – PROFNIT, Universidade de Brasília (UnB), CDT, Brasília, DF desde 2016.