Artigo – PARTICIPAÇÃO DA MULHER NA POLÍTICA: ALEMANHA – Por Leila Bijos

Ao situarmos historicamente a mulher no cenário político, homenageamos Angela Merkel, Chancelar alemã, que por 18 anos liderou 80 milhões de alemães, com habilidade, dedicação, sinceridade e honestidade.  Angela Merkel foi denominada “A Senhora do Mundo”, descrita como o equivalente a seis milhões de homens. Um exemplo para todas as mulheres, com suas lidas maçantes no lar, encarregadas da formação de uma nova geração de trabalhadores para a sociedade, envolvendo a gravidez, o parto, a guarda, proteção e socialização das crianças.  São os trabalhos privados e escondidos, ou até mesmo invisíveis e vergonhosos, como o cuidado dos animais, os mais sujos, os mais monótonos e mais humildes. Às mulheres destinou-se um mundo limitado, onde elas foram confinadas ao espaço do vilarejo, a casa, a linguagem, os utensílios, a guardarem os mesmos apelos à ordem silenciosa, ao baixo, ao torto, ao pequeno, ao mesquinho. No sentido explícito do trabalho, da ordem pública, notava-se que, os homens não queriam que as mulheres alcançassem igualdade. As mulheres eram assistentes, auxiliares, secretárias, domésticas, rainhas do lar, mas permaneceram por décadas como inferiores. Participar da política só quando o titular da pasta necessitava perenizar-se no cargo, e impossibilitado de estender seu mandato, designava a mulher para o seu cargo, desde que ela permanecesse como uma sombra. Ao longo da história percebe-se que as marcas da inferioridade e submissão da mulher, em relação ao homem foram diluídas, cicatrizadas. Destacados filósofos, dentre eles, S. Tomás de Aquino, Rousseau, Kant, Schopenhauer e a Igreja Católica pregavam teses que diziam que a inclinação da mulher devia ser para cuidar da casa, filhos e marido; que deviam ser submissas ao cônjuge; que eram destinadas ao casamento e à maternidade. As mulheres continuam com sua missão de mãe, esposa, guardiã da família, mas estudou, se especializou, e mostrou seu trabalho na comunidade onde vive, em prol do desenvolvimento e bem-estar da sociedade, como Angela Merkel, dedicada, ética, lutadora. A Alemanha despediu-se de sua líder, uma mulher físico químico que não se deixou enganar pela moda, pelos carros de luxo, iates, imóveis ou aviões particulares. Ela se dedicou a servir integralmente ao seu povo, e com distinção, entregou o cargo a Olavo Scholz.     

A história enfatiza que a democracia, e com ela a arte de fazer política, surgiu na Grécia antiga. Os cidadãos gregos, imbuídos de seus deveres, reuniam-se na Ágora, para o exercício direto e imediato do poder político. Lá reunidos, os cidadãos participavam das assembleias, tinham plena liberdade de palavra e votavam as próprias leis, entretanto, o status de cidadão era conferido a poucas pessoas: apenas aos homens livres; escravos e mulheres ficavam à margem da vida pública, não exerciam qualquer papel na pólis. As raízes da exclusão feminina dos assuntos da pólis são encontradas nos mitos fundadores de Atenas, segundo os quais os homens descendiam de um indivíduo, enquanto as mulheres eram um génos, nascido da ruptura da caixa de pandora, que trouxe o mal a terra. Aristóteles, com A Política, contribuiu para excluir a mulher da vida pública, fundando essa exclusão em suposta inferioridade da razão feminina. Posteriormente, com a Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, preparou-se o terreno para a formulação moderna dos direitos à liberdade e à igualdade, ainda assim as mulheres ficaram à margem do processo político, sob o argumento de ser a natureza feminina intrinsecamente diversa da masculina. Esse pensamento contribuiu para a formulação da separação das esferas privada (o lar e a família, ambiente no qual a mulher desempenhava seu papel) e pública (ocupada exclusivamente pelos homens). As mulheres, naquele período, não eram portadoras de interesses autônomos, mas somente de interesses da família, definidos pelos maridos (os cidadãos). A própria religião, com seus preceitos e símbolos, manteve a mulher afastada da vida pública. Durante séculos, a mulher sofreu campanhas de desvalorização que não só se refletiram no mundo externo feminino e nas relações sociais, mas, perversamente, no seu inconsciente, pois, além dessas campanhas desqualificadoras da figura feminina atingir as estruturas objetivas e subjetivas da sociedade, cristalizando-se nas mentes masculinas como verdades irrefutáveis, a mulher também foi atingida por essa nefasta ideologia. A mulher “também acreditou que era um ser de segunda classe, que o homem era um ser perfeito e superior, que só errava quando ela, um ser abjeto, o fazia cair em danação”.

No estudo ‘A mulher brasileira no Congresso Nacional’, Fanny Tabak (1989, p. 161) afirmou que são inúmeros os fatores que explicam a baixa participação feminina na arena política, dentre eles, estão as regras institucionais e as estruturas do Estado definidoras dos “códigos culturais de representação”. Do início da democracia em Atenas até os dias atuais, milênios se passaram e, por incrível que pareça apenas nas últimas décadas as mulheres começaram, timidamente, a ter acesso à vida pública. O apoliticismo e o conservadorismo[1] feminino são teorias importantes para se procurar delinear de forma bem assentada alguns determinantes do comportamento feminino em relação à política. Entre o modelo de um povo totalmente apático e a evidência ocasional de grandes manifestações cívicas, há um meio termo, um processo de mudanças em curso, um nível mais profundo e estrutural. Novas situações de vida e de trabalho dão origem a hodiernas constelações de papéis sociais com a participação feminina. A mulher está presente nos mais diversos setores como um novo ator político, na luta por maiores direitos na hierarquia de poder e riqueza, tanto para si como para outros grupos sociais. No conjunto da sociedade brasileira nas últimas décadas, os papéis desempenhados por grande número de mulheres sofreram importantes alterações, com reflexo no campo político. Esse contingente é constituído por mulheres que trabalham dentro e fora de casa, que tiveram acesso à educação, consolidando uma nova realidade objetiva, com inserção e participação nos destinos da nação. A mulher participa de projetos inovadores para a construção de ações coletivas em nível global: Europa, Estados Unidos da América, Oriente Médio, Ásia, Austrália, Nova Zelândia. A participação das mulheres nas esferas políticas tem sido muito mais expressiva.

Dois caminhos devem ser considerados: de um lado, a motivação das mulheres no desempenho de papéis políticos; de outro, a assimilação de mulheres no interior dos quadros partidários e nas cúpulas político-administrativas. No que se refere ao caráter motivacional baseado na disponibilidade de tempo, deve-se considerar que o desempenho dos papéis políticos é altamente exigente em atividades públicas, e, muitas vezes, é maior do que a exercida por qualquer outro trabalho de natureza privada. O envolvimento político supõe a desistência de algum interesse de caráter pessoal, em vista do tempo necessário para a ação, e a mulher precisa do apoio da família. Adicionalmente, no interior da política, a assimilação das mulheres é difícil, tanto pela resistência exercida pelos homens em busca da manutenção de sua dominação no setor, como pela cultura brasileira, ainda parcialmente arraigada no conceito tradicional do papel feminino. O sentimento é muito mais de tolerância do que de incorporação, com o objetivo de manutenção dos critérios tradicionais. A trajetória política das mulheres não foi uma luta completamente solitária, recebeu a colaboração de alguns homens de visão avançada para a época, desde 1927, quandoo Deputado Federal Juvenal Lamartine de Faria, partidário do sufrágio feminino, anunciou a plataforma de sua candidatura ao governo do Rio Grande do Norte, prometendo amplos direitos políticos às mulheres, não só o de votar, como o de ser votada, declarando que a Constituição Federal não proibia às mulheres gozar de seus direitos políticos plenos e inalteráveis. Neste mesmo ano e Estado, na cidade de Mossoró, registrou-se o alistamento da primeira eleitora do Brasil, a professora Celina Guimarães Vianna. Mudanças no Código Eleitoral do Rio Grande do Norte, permitiram que a potiguar Alzira Soriano de Souza, uma negra, do município de Lages, disputasse as eleições para Prefeito, pelo Partido Republicano, concorrendo com Sérvulo Pires Neto Galvão, vencendo o referido pleito com 60% dos votos, sendo então a primeira prefeita eleita no Brasil e na América do Sul. A mulher brasileira garantiu seu direito de voto e elegibilidade quando, em 24 de fevereiro de 1932, através do Decreto nº 21.076, o Presidente Getúlio Vargas, ante à pressão feminina, promulgou o Código Eleitoral Brasileiro. Em 2021, a conquista das mulheres na obtenção do voto nacional completa, portanto, 89 anos.

No momento atual, percebe-se uma conscientização das mulheres de sua igualdade em relação aos homens, derrubando o velho mito da inferioridade, o “despertar” feminino no sentido de também estarem aptas – ao lado dos homens – a construir um mundo melhor e mais digno para as futuras gerações.

Mulheres brasileiras: participem como candidatas nas eleições de 2022!


[1] O termo apoliticismo, utilizado no texto, representa o desinteresse das mulheres pela vida política nacional, enquanto o conservadorismo representa a sua preferência pela manutenção da ordem social vigente. Estes dois comportamentos juntos estruturam um perfil apático da mulher em relação à política. Essa ideia é reformulada quando há a ação da educação e da socialização na vida pública por meio do trabalho. Mais detalhes sobre essa questão e a defesa dessa concepção de apatia feminina podem ser obtidos no livro AVELS, Lucia. O segundo eleitorado: tendências do voto feminino no Brasil. Campinas: Unicamp, 1989.

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Leila Bijos

Pós-Doutora em Sociologia e Criminologia pela Saint Mary’s University, Halifax, Nova Scotia, Canadá. Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (CEPPAC/UnB). Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI), Universidade Federal da Paraíba (2020). Coordenadora de Pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos (CEEEx), Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP), Ministério do Exército (2019-2020). Aigner-Rollet-Guest Professor at Karl-Franzens University of Graz, Áustria Centro Europeu de Formação e Investigação dos Direitos Humanos e Democracia, Uni-Graz (2018/2019). Pesquisadora Visitante no International Multiculturalism Centre, Baku, Azerbaijão (2018). Professora do Mestrado Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília (2000-2017). Oficial de Programa do PNUD (1985-1999). Professora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual Transferência de Tecnologia para a Inovação – PROFNIT, Universidade de Brasília (UnB), CDT, Brasília, DF desde 2016.