Artigo – O PAPEL GEOPOLÍTICO DA TURQUIA NO SÉCULO XXI – Por Leila Bijos

A Turquia é um país localizado entre os continentes europeu e asiático, com aproximadamente 83 milhões de habitantes. O país tem 81 províncias, a mais populosa é Istambul, com mais de 15 milhões de habitantes. Com uma área territorial de 769.630 quilômetros quadrados, dos quais 97% correspondem à região da Anatólia, no Continente Asiático, e 3% à região da Trácia, no Continente Europeu, faz fronteira ao sudoeste com o Irã e o Iraque, ao sul com a Síria, a noroeste e ao leste com o Azerbaijão, a Armênia e a Geórgia e a noroeste na zona europeia com a Bulgária e a Grécia, estando cercado pelo Mar Negro, Mar Egeu e Mar Mediterrâneo. A Turquia é um país de acolhida de imigrantes, com cerca de 3.000.000 de refugiados sírios vivendo no país.

Do ponto de vista econômico, a política fiscal rigorosa é o principal pilar do programa econômico da Turquia e contribui substancialmente para a redução das pressões inflacionárias, assim como para o forte crescimento. Além de suas políticas macroeconômicas sólidas, a Turquia implementou uma agenda de reforma estrutural abrangente e de longo alcance, a partir de sua inserção na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995, e a finalização de um acordo com a União Europeia, o que permitiu seu ingresso na União Aduaneira em 1° de janeiro de 1996.

No âmbito do diálogo internacional, inserem-se negociações “positivas” não só com a UE, mas com o governo de Joe Biden nos Estados Unidos, em ações concretas em matéria de imigração, a modernização da união aduaneira, questões de segurança, meio ambiente e saúde, assim como a concessão de facilidades de visto para cidadãos turcos.

Essa agenda de discussões com a União Europeia reconhece a elegibilidade da Turquia, com foco na intensificação da cooperação existente, com vistas a ajudá-la a completar o seu processo de modernização política e econômica e, assim, propiciar a sua abertura à Europa, visando ao estabelecimento de laços mais fortes para a inclusão da Turquia no programa de cooperação com os Países do Mediterrâneo, e a inserção dos setores de serviços e agricultura nas cláusulas do Acordo de Ancara.

O processo de adesão à UE é complexo e envolve o atendimento de vários requisitos, denominados Critérios de Copenhaga[1], formulados pelo Conselho Europeu em 1993 e 1995, relacionados à capacidade do país candidato em assumir as obrigações de membro, pela adoção do acervo comunitário; à existência de uma economia de mercado viável, capaz de enfrentar a pressão concorrencial e as forças do mercado na UE; bem como à estabilidade das instituições que garantam a democracia, o Estado de Direito, os Direitos do Homem, e o respeito e a proteção das minorias.

A Turquia conta com uma localização geoestratégica privilegiada, constituindo ponto de passagem obrigatório de muitos recursos naturais entre os vários continentes, além do que permitiria a aproximação econômica da Comunidade Europeia com o Oriente Médio, a Ásia Central, o Cáucaso, os Bálcãs, a Rússia e os Estados Árabes. Agrega-se a isso, uma vasta e crescente população jovem e produtiva, incluindo-se sua expressiva força militar como um reforço ao poder europeu. Para a Turquia, a vantagem de pertencer à UE seria unir-se a um dos mais bem sucedidos processos de integração das últimas décadas, tendo maior acesso ao mercado europeu e consequentemente aos seus fundos de apoio. Institucionalmente, o país vivencia uma série de reformas, com sólido equilíbrio, desenvolvimento político, econômico e social necessários para ajustar-se aos critérios de convergência do bloco europeu.

Reformas em sua Constituição, visando modificar a composição do Tribunal Constitucional e do Conselho Superior da Magistratura, restringir a autoridade dos tribunais militares, estabelecer uma base constitucional para o serviço de ouvidoria, introduzir o direito à negociação coletiva dos servidores públicos e proibir medidas de discriminação contra mulheres, crianças e idosos.

A abertura de seus mercados através de reformas econômicas, alcança patamares de elevados investimentos estrangeiros, privatização de setores públicos e a liberalização de muitos setores indispensáveis às suas exportações, uma vez que é um dos países mais favorecidos em termos de produção agrícola, devido às condições climáticas e ambientais favoráveis e terras agricultáveis.

Em 2020, o país foi o 30º maior exportador do mundo (US$ 171,0 bilhões em mercadorias, 0,9% do total mundial). Na soma de bens e serviços exportados, alcançou a cifra de US$ 247,1 bilhões e o 26º lugar mundial. Já nas importações, em 2019, foi o 24º maior importador do mundo: US$ 200,6 bilhões. Atualmente, a economia da Turquia depende em maior número da indústria nas grandes cidades, concentrada sobretudo nas províncias ocidentais do país, e menos da agricultura. A agricultura tradicional no entanto ainda é um dos principais pilares da economia turca. Em 2007, o setor agrícola foi responsável por 9% do PIB, enquanto o setor industrial respondeu por 31% e o setor de serviços representou 59%. No entanto, a agricultura ainda responde por 27% do emprego. Segundo dados do Eurostat, o PIB-PPS per capita turco era de 45% da média da UE em 2008.

Dados relevantes no setor do turismo mostram um crescimento rápido nos últimos 20 anos, e constitui uma parte importante da economia. Em 2008 registaram-se 31 milhões de visitantes no país, o que contribuiu com US$ 22 bilhões para as receitas da Turquia. Outros setores chaves da economia turca são os setores bancários, da construção, de eletrodomésticos, eletrônicos, têxteis, refinação de petróleo, petroquímica, alimentos, mineração, siderurgia, indústria de máquinas e automobilística.

 A crescente indústria automobilística produziu 1 147 110 veículos em 2008, classificando o país como o 6º maior produtor da Europa (atrás do Reino Unido e acima de Itália) e o 15º do mundo. A Turquia também é uma das principais nações da construção naval. Em 2007, o país ocupou a quarta posição no mundo (atrás de China, Coreia do Sul e Japão) em termos do número de navios encomendados, e também ficou em quarto no mundo (atrás da Itália, EUA e Canadá) em termos do número de mega iates.

No que se refere à agricultura, a Turquia é um dos maiores produtores de trigo (20 milhões de toneladas), de beterraba (18,9 milhões de toneladas), tomate (12,1 milhões de toneladas), pêssego (789 milhões de toneladas), damasco (750 milhões de toneladas), além de produções menores de outros produtos agrícolas. Em 2018, a Turquia foi o 2º maior produtor mundial de mel (114,1 mil toneladas); o 10º maior produtor mundial de carne de frango (2,1 milhões de toneladas); o 11º maior produtor mundial de carne bovina (1 milhão de toneladas); o 4º maior produtor mundial de carne de cordeiro (389 mil toneladas); o 15º maior produtor mundial de carne de peru (59 mil toneladas); o 9º maior produtor mundial de leite de vaca (20 bilhões de litros); o maior produtor mundial de leite de ovelha (1,5 bilhões de litros); o 6º maior produtor mundial de leite de cabra (577 milhões de litros); entre outros. O país é o 5º maior produtor mundial de .

No que se refere ao sistema de saúde turco, e à pandemia de Covid-19, a estratégia turca foi recomendar que as pessoas mantivessem um isolamento social, aumentou o número de testes rápidos para detecção de anticorpos para Covid-19, visando isolar aqueles que atestassem positivo, com medidas adicionais ao trânsito de estrangeiros.

O sucesso da contenção da pandemia de Covid-19 foi decorrente das reformas implantadas no sistema de saúde, iniciadas em 2003, a fim de aumentar a proporção de serviços privados e governamentais, além de dar assistência a uma maior parte da população. Com essa reforma, todas as instituições públicas do país ficaram ligadas diretamente ao Ministério da Saúde. Além dos serviços terciários e secundários, o sistema público de saúde conta ainda com o “Programa Médico de Família”, que ganhou importância nos últimos anos.

A ajuda humanitária para combater a pandemia contou com o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) a todos os funcionários das instituições de saúde, e o envio de ajuda a alguns países europeus e também aos Estados Unidos da América.

Os governos em torno do mundo optam por estratégias diferentes para o combate à Covid-19. A Turquia buscou rastrear os casos, aplicando testes rápidos para todos os contatos de pacientes positivos, sintomáticos ou não. A estratégia turca foi determinante para se alcançar o maior número de pessoas com resultado positivo para SARS-CoV-2 e isolá-las. Ocorreram ainda buscas de pessoas sintomáticas em locais como rodoviárias e estações de metrô, onde foram instaladas câmeras digitais para aferirem a temperatura corporal dos transeuntes; em casos de febre, determinava-se uma segunda verificação por parte de um funcionário. Através desse rastreamento, buscou-se um controle efetivo para que não ocorresse um aumento repentino de casos graves, evitando assim que faltassem leitos e equipamentos hospitalares. O governo mostrou sua preocupação para atender da melhor forma todos aqueles que contraíssem a doença.

Os bons resultados alcançados com o combate à pandemia de Covid-19, formam um corolário de reformas realizadas desde a década de 1990, que se tornaram um relevante instrumento para a obtenção de índices positivos da política interna do governo do presidente Recep Tayyip Erdoğan. Nessa linha, com uma política externa de continuidade ao compromisso de aproximação da Turquia com o Ocidente através da adesão à UE, Erdoğan vem buscando, consolidar a importância geoestratégica da Turquia na promoção da paz e estabilidade, e também aumentar da influência ocidental na Região dos Balcãs, Oriente Médio e Cáspio.

Foto: Balões na Capadócia. Portal MRE. Google.com

Dentre os propósitos econômicos, avanços tecnológicos e de segurança, além da proximidade cultural, o investimento na melhoria das relações turcas com todos os países vizinhos, sem, contudo, deixar de reafirmar a adesão na UE como prioridade em matéria de política exterior. Tais reformas já produziram resultados dignos de registro, alçando o País no aperfeiçoamento dos direitos fundamentais de seus cidadãos, com a eliminação de parte das restrições existentes em torno das liberdades de expressão, de imprensa, de associação, de manifestação e de religião; com o reconhecimento de alguns direitos trabalhistas, culturais e sociais, incluindo os direitos dos presos; com melhorias no tratamento igualitário entre homens e mulheres; e com o combate às práticas de tortura. Além disso, avanços também podem ser atribuídos à ratificação pela Turquia dos principais tratados internacionais em direitos humanos.

No que tange às relações diplomáticas entre o Brasil e a Turquia, sublinha-se a assinatura do Tratado Bilateral de Amizade e Comércio (1858), com significativo estreitamento dos laços bilaterais na primeira década do século XXI.

Em 2006, a operação de evacuação de brasileiros no contexto da guerra do Líbano contou com importante apoio da Turquia, o que contribuiu para aproximar os dois países. Em 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizou a primeira visita de um Chefe de Estado brasileiro à Turquia, e em 2010, durante a visita ao Brasil do Primeiro-Ministro Recep Tayyip Erdogan, foi firmado Plano de Ação para a Parceria Estratégica. O documento cria uma moldura para o aprofundamento do diálogo e da cooperação em campos como política internacional, agricultura, ciência e tecnologia, comércio exterior e energia, entre outros setores. A presidente Dilma Rousseff visitou a Turquia em 2011, quando foram assinados acordos referentes a cooperação na área educacional e a auxílio mútuo em matéria penal. O primeiro-ministro Erdogan retornou ao Brasil em 2012, quando chefiou a delegação turca na Conferência Rio+20.

Brasil e Turquia defendem o fortalecimento de instituições multilaterais como a ONU, o FMI e o G-20 econômico, e mostram interesse mútuo no diálogo franco e construtivo sobre as grandes questões mundiais, como segurança, comércio e cooperação para o desenvolvimento.

No campo econômico, as relações entre o Brasil e a Turquia também viram grande crescimento na última década. Entre 2008 e 2018, o comércio bilateral passou de US$ 1,15 bilhão para US$ 2,89 bilhões. As exportações brasileiras em 2018 registraram a cifra recorde de US$ 2,37 bilhões, principalmente com venda de soja e de ferro (MRE).

Vários outros aspectos marcam a relação Brasil-Turquia: a paixão pelo futebol brasileiro, refletida na grande presença de jogadores do Brasil em equipes turcas; o crescimento do turismo; e em acordos de cooperação acadêmica, com intercâmbio de docentes e discentes, que ora fazem parte de tratativas entre a Universidade Federal da Paraíba e a Universidade de Ancara, com o apoio do Embaixador Murat Yavuz Ates.

Fica a certeza do sucesso da transformação da Turquia, calcada nos valores de seu povo, na luta por dias melhores, na dedicação pela busca de novos caminhos no século XXI.

Foto: Grande Bazar de Istambul. Google.com.

[1] Estes critérios (também designados critérios de Copenhaga) foram formulados pelo Conselho Europeu de Copenhaga em 1993 e reforçados pelo Conselho Europeu de Madrid em 1995.

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Leila Bijos

Pós-Doutora em Sociologia e Criminologia pela Saint Mary’s University, Halifax, Nova Scotia, Canadá. Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (CEPPAC/UnB). Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI), Universidade Federal da Paraíba (2020). Coordenadora de Pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos (CEEEx), Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP), Ministério do Exército (2019-2020). Aigner-Rollet-Guest Professor at Karl-Franzens University of Graz, Áustria Centro Europeu de Formação e Investigação dos Direitos Humanos e Democracia, Uni-Graz (2018/2019). Pesquisadora Visitante no International Multiculturalism Centre, Baku, Azerbaijão (2018). Professora do Mestrado Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília (2000-2017). Oficial de Programa do PNUD (1985-1999). Professora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual Transferência de Tecnologia para a Inovação – PROFNIT, Universidade de Brasília (UnB), CDT, Brasília, DF desde 2016.