Artigo – GESTÃO DE RISCOS DE DESASTRES SOCIOAMBIENTAIS – Por Leila Bijos

O início de 2022 nos conduz à reflexão sobre a gestão de riscos de desastres ambientais, com inundações, secas, temperaturas extremas, tornados, furacões, tempestades, deslizamentos de terra, rompimento de barragens, e milhares de desabrigados. Ressalte-se a implementação da Estratégia Internacional para Redução de Desastres das Nações Unidas (EIRD), em 2002, da Conferência Mundial sobre Redução de Desastres, em Kobe/Japão (2005), e a assinatura de cooperação internacional entre diversos países.

Nossa memória gravou o tsunami na região asiática em 2004, o terremoto no Peru em 2007, os terremotos no Haiti, o rompimento da barragem em Mariana, Minas Gerais em 5 de novembro de 2015, o rompimento de barragem em Brumadinho, Minas Gerais, em 25 de janeiro de 2019.

A barragem de Mariana, denominada “Fundão”, era controlada pela Samarco Mineração S.A., um empreendimento conjunto das maiores empresas de mineração do mundo, a brasileira Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton. O rompimento de Fundão provocou o vazamento dos rejeitos provenientes da extração do minério de ferro retirado de extensas minas na região, considerado o desastre industrial de maior impacto da história brasileira. A lama chegou ao rio Doce, cuja bacia hidrográfica abrange 230 municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, com abastecimento de água do rio para sua população. Tragédia que enlutou centenas de famílias, conduziu os rejeitos ao mar, e terá consequências por pelo menos mais cem anos.   

Uma nova tragédia ocorreu com o rompimento de barragem em Brumadinho, Minas Gerais, em 25 de janeiro de 2019, caracterizado como o maior acidente de trabalho no Brasil em perda de 270 vidas humanas e o segundo maior desastre industrial do século.

E nossos vizinhos, como vivem? – é a pergunta que se faz.

Analisa-se o furacão Maria que ao passar pela República Dominicana em setembro de 2017, inundou 8.856 residências, deixando 26 comunidades isoladas com a obstrução dos aquedutos. Agências das Nações Unidas, como a Estratégia Internacional para Redução de Desastres das Nações Unidas (EIRD), a Agência para a Alimentação e Agricultura (FAO), a Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho (FICV), se mobilizaram na mitigação dos desastres socioambientais acima mencionados.

Em 2022, as tempestades do mês de janeiro provocaram enchentes no Acre, Amazonas, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, espelhando a vulnerabilidade das comunidades brasileiras, de párias que moram em palafitas, ou em casebres construídos desordenadamente às margens de rios e encostas, com deposição irregular de resíduos sólidos, eliminação da vegetação nativa, enquanto as autoridades impermeabilizam o solo, sem políticas de planejamento urbano.

Os elementos motivadores desses problemas ambientais nas cidades estão centrados em questões relacionadas à intensa modificação do espaço natural pelas atividades produtivas. O progresso econômico originado na Revolução Industrial, no final do século XVIII, foi o principal instrumento responsável pelas mudanças nas vidas das pessoas comuns no âmbito global. A industrialização sucedida pelas transformações tecnológicas e políticas viabilizou ferramentas propícias para a criação de um cenário perfeito para que as forças dominadoras de poder ditassem os rumos da sociedade através da detenção dos fatores de produção nos anos seguintes. O liberalismo econômico, decorrente dessa revolução, deixou de salvaguardar o estado do bem-estar-social em nome da riqueza, sem levar em consideração a corrosão que essa acelerada mudança poderia ocorrer na sociedade.

As condições sociais impostas pela Revolução Industrial foram caracterizadas por intensa degradação humana. A explicação para a pobreza perene nas cidades decorre de maciça exploração da classe detentora das forças de produção, que acredita ter encontrado a solução na quantidade de bens materiais. No anseio pelo progresso do desenvolvimento, as sociedades ficaram cegas diante de um dos maiores problemas sociais: a pobreza. A aspiração pelo crescimento socioeconômico despiu os indivíduos de direitos que garantissem viver com qualidade. O Estado seduzido pelo progresso não se preocupou em estabelecer regras para assegurar a vida dos seus nacionais. Filósofos da teoria econômica liberal como Adam Smith, Bentham, Burke e Humboldt limitavam o poder do Estado ao afirmar que seu papel resumia-se em defender seus nacionais, promover a justiça e manter as obras públicas em funcionamento. A esfera econômica, segundo o liberalismo, seria norteada pelas economias de mercado em que se o Estado interferisse poderia atrasar o desenvolvimento uma vez que os “particulares sempre prestam naturalmente mais atenção em preservar e fazer crescer a própria riqueza do que o governo jamais poderia fazer”, como infere Polanyi (1944).

O liberalismo defende a ação do Estado como garantidor da paz e segurança, mas limita-se exclusivamente à segurança contra os inimigos externos ou contra qualquer fator que ameace a integridade física de seus cidadãos. Teóricos do anarquismo liberal, como Paine e Godwin, consideram o Estado inútil, e suas teorias suscitam a uma abordagem sobre o papel do Estado diante das injustiças sociais causadas pelo paradoxo do progresso econômico.

A degradação humana tem suas causas pautadas em diversos aspectos do comportamento da sociedade. O Estado-Providência, operador de mediação entre o econômico e o social, torna-se gradualmente menos expressivo na dinâmica do desenvolvimento. Esse enfraquecimento estatal avaliza a criação da fragmentação da sociedade e diminuição de poder de coerção (impunidade), cenário que solidariza e fortalece a atuação dos grupos armados, facções do crime organizado, sucessão de inúmeras crises que afetaram a América Latina e a maioria dos países da periferia, provocando um aumento significativo da exclusão social, totalizando 14,4 milhões de desempregados no Brasil, e taxa de desocupação de 14,1%. Pobres que vagam desorientados pelo centro das grandes metrópoles.

O Relatório do Banco Mundial (2021) ressalta que a pobreza na América Latina aumentou substancialmente com a pandemia de Covid-19, assim como a indigência e a fome, relacionadas ao desemprego e informalidade no mercado de trabalho. A exigência de mão de obra qualificada exclui um número cada vez maior de pessoas em busca de emprego, e comprova que a baixa renda tem impacto significativo no acesso à educação de qualidade e inclusão digital.

As metas em 2022 visam alcançar o equilíbrio entre a proteção dos pobres e a garantia de finanças públicas sustentáveis, inclusive com a transição para um modelo de crescimento mais verde e resiliente. O Brasil abriga mais de 60% da floresta Amazônica, a maior floresta tropical do mundo, e possui uma grande parcela de fontes renováveis em sua matriz energética. Lamentavelmente, chama a atenção a alta exposição do país aos riscos climáticos e o aumento nas emissões causadas pelo desmatamento, exigindo uma correção de rumo para se alcançar as metas da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), com redução de 37% na emissão de GEEs até 2025, e de 43% até 2030. Insta desenvolver uma estratégia nacional, integrada e de longo prazo, para alcançar suas metas climáticas, com reformas sólidas no setor de infraestrutura, para a recuperação verde do Brasil, e para a retirada de milhões de brasileiros da pobreza.  

Pobreza endêmica e desastres com impacto humano severo exigem uma gestão estatal eficaz, solidariedade e socorro às vítimas. Como restabelecer a normalidade de seus nacionais pospandemia de Covid-19? Como retirar os miseráveis das ruas, parques e jardins e oferecer-lhes cidadania?  Como incorporar critérios de redução de riscos na formulação e execução dos programas de preparação para situações de emergência? É o que explica o Marco de Ação de Hyogo[1], com justificativa para a prevenção de futuros impactos em decorrência de fenômenos naturais extremos.

Países da América Latina e Caribe configuram um cenário de risco e desastres de maneira significativa, devido às suas características físicas, climáticas e desenvolvimento humano comprometido, como ocorreu no Chile, no Equador e em Honduras. Iluminar-se-á, desde então, o papel das instituições internacionais que tendem a promover o relacionamento entre os Estados de modo a cooperarem entre si e coadunarem-se em benefício de sua sobrevivência. Com o objetivo estratégico de tornar-se gradualmente resiliente antes às ameaças naturais, os países estão determinados a investir nos conhecimentos de combate a incêndio e salvamentos, uma vez que a demanda atendida engloba aproximadamente 55% das ocorrências, como o CBMDF, que tem oferecido seus conhecimentos nessas áreas, com comprovada experiência em Perícia de Incêndios desde a década de 1970, ao receber conhecimentos por meio de cooperação técnica com o Japão.

Esse comportamento brasileiro exemplar promove maior visibilidade ao país no cenário internacional, contribui para a conciliação da agenda internacional no redução de desastres socioambientais, e protege os interesses econômicos, políticos e sociais do País.


[1] EIRD. Marco de Acción de Hyogo para 2005: Aumento de la resiliência de las naciones y las comunidades ante los desastres. Documento extraído da Conferência Mundial sobre a Redução de Desastres. 2005, Kobe, Hyogo, Japão.

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Leila Bijos

Pós-Doutora em Sociologia e Criminologia pela Saint Mary’s University, Halifax, Nova Scotia, Canadá. Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (CEPPAC/UnB). Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI), Universidade Federal da Paraíba (2020). Coordenadora de Pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos (CEEEx), Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP), Ministério do Exército (2019-2020). Aigner-Rollet-Guest Professor at Karl-Franzens University of Graz, Áustria Centro Europeu de Formação e Investigação dos Direitos Humanos e Democracia, Uni-Graz (2018/2019). Pesquisadora Visitante no International Multiculturalism Centre, Baku, Azerbaijão (2018). Professora do Mestrado Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília (2000-2017). Oficial de Programa do PNUD (1985-1999). Professora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual Transferência de Tecnologia para a Inovação – PROFNIT, Universidade de Brasília (UnB), CDT, Brasília, DF desde 2016.