Artigo – DOMINAÇÃO E DESGOVERNO EM HONDURAS: TORTURAS E VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS – Por Leila Bijos

Políticas internacionais voltadas para os direitos humanos, num mundo de Estados soberanos, implicam em políticas que determinam se os direitos humanos são protegidos ou violados. O estudo de caso em questão se refere à Honduras.

Honduras é um país da América Central limitado ao norte pelo mar do Caribe e ao sul pelo Oceano Pacífico. Na floresta tropical próxima à Guatemala, o antigo local cerimonial maia de Copán exibe hieróglifos entalhados em pedra e estelas, monumentos altos de pedra. No mar do Caribe situam-se as Ilhas da Baía, destino para a prática de mergulho que faz parte do Recife Mesoamericano, com 1.000 km de extensão. 

A economia de Honduras é pouco desenvolvida e o país é considerado um dos mais pobres do continente americano. A agricultura é a principal fonte de receitas financeiras, além de empregar cerca de 70% da população. Os principais cultivos são de café e banana.

No entanto, com o surto pandêmico da Covid-19 em 2020, e os furacões Eta e Iota em novembro de 2020, a comunidade internacional pressentiu o agravamento da crise política, econômica, social e de Direitos Humanos instalada em Honduras. Crise que, longe de ser solucionada, se aprofunda em uma Honduras governada por uma ditadura que cumpriu 12 anos em 2021, desde que um golpe de Estado em 28 de junho de 2009, expulsou o então presidente Manuel Zelaya do país, enviado à Costa Rica; o que tem condenado a população a expropriações, deslocamentos forçados e violência.

O golpe de Estado instaurou a ditadura do Partido Nacional, com entraves que debilitam cada vez mais a democracia e os princípios de equilíbrio entre os poderes. A Câmara Constitucional foi cooptada pelo Partido Nacional, que no presente, blinda judicialmente as manobras políticas da ditadura, endossando a permanência ad eternum do presidente Juan Orlando Hernández.

Partidos como Liberdade e Refundação (LIBRE), de cunho progressista, é dirigido pelo ex-presidente Manuel Zelaya, e Anticorrupción (PAC) de direita, que investem vigorosamente numa resistência à ditadura. Agrega-se o Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH), a Organização Fraterna Negra de Honduras (OFRANEH), lutando para mostrar à população e à comunidade internacional a degeneração do sistema de saúde pública, níveis decadentes de pobreza e bem estar social. O atraso em investimentos públicos espelha a ausência de acesso à saúde, com mais de 1,5 milhões de pessoas sem cobertura médica, ausência de contratações de profissionais de saúde, médicos, enfermeiros, e apenas cinco hospitais regionais para uma população de quase 10 milhões de pessoas, que lutam por um atendimento digno, ou uma cama no hospital, num país assolado pela pandemia de Covid-19.

A estratégia de vacinação e controle da pandemia está marcada pelo improviso, negligência, corrupção e retenção dos recursos. O caos é tão alarmante que revela a inoperância nas licitações, mais de 250 mil testes para detecção da Covid-19 foram comprados sem os kits de extração, somando-se compras ilícitas de ventiladores a empresas que nunca os haviam vendido, e nem eram fornecedoras para o Estado, o que originou um total de 11 investigações pelo Conselho Nacional Anticorrupção (CNA), com prejuízos de 811.634.132 lempiras, ou cerca de 34.000 dólares em apenas sete meses de pandemia, causando um terrível prejuízo para as finanças públicas. Ventiladores pulmonares, modelo Evita V300 foram adquiridos só para o benefício dos usuários do Hospital Militar, inclusive para o presidente da república, que foi atendido em emergência por estar infectado pela Covid-19. O governo adotou medicamentos paliativos à base de cloroquina, e tratamento “milho e catracho”, sem comprovação científica, aumentando arritmias ventriculares e levando à mortalidade dos usuários.

Some-se a este contexto precário de combate à Covid-19, mais de cem mortos com a passagem dos dois furacões Eta e Iota, que deixaram um rastro de destruição à infraestrutura, principalmente no Vale do Sula, próxima a San Pedro Sula, 180 km ao norte da capital Tegucigalpa, com transbordamento dos poderosos rios Ulúa e Chamelecón, danos em 23 pontes, deslizamentos de terra, e prejuízos incalculáveis no norte do país, motor econômico de Honduras, que levaram o governo a solicitar ajuda à Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), além de empréstimos aos países cooperadores e aos bancos multilaterais. Relatório do Fórum Social para a Dívida Externa (FOSDEH), apresentou a perda de 860 mil empregos, 240 mil a mais do que foi estimado pela pandemia de Covid-19, elevando o índice de pobreza para 80%, mobilizando o Escritório da ONU para Assuntos Humanitários (OCHA).

Honduras e Nicarágua já passaram por este cenário catastrófico em 1998, quando o furacão Mitch atingiu os dois países, causando destruição, e forçando a população a emigrar. Recentemente, mais de 300 deslocados ambientais fugiram em direção aos EUA, não só devido aos desastres naturais, mas em razão da insuficiente atuação do governo.

   O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) tem se esforçado exemplarmente para cuidar dos problemas que afetam os refugiados, deslocados internos, apátridas e outras pessoas que são forçadas a deixar Honduras, abrindo foros de espaços de discussão e tomadas de decisões alinhadas às competências entre os sujeitos de direito, os temas relevantes da agenda internacional, como os direitos humanos, meio ambiente, paz e segurança internacionais.

Nesse sentido, ressalte-se a Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede em San José, Costa Rica, que realizou do dia 1 ao dia 26 de março de 2021 seu 140 Período Ordinário de Sessões. Durante o Período, foram realizadas audiências públicas de quatro casos em estudo pela Corte IDH, bem como duas Sentenças, assim como medidas de Supervisão de Cumprimento de Sentença, Medidas Provisórias e outros assuntos administrativos. Dentre as sentenças deliberadas, um dos Casos Contenciosos se refere a Vicky Hernández e outros vs. Honduras. O caso está relacionado com a suposta responsabilidade internacional do Estado de Honduras pela execução extrajudicial de Vicky Hernández, uma mulher trans e defensora de direitos humanos, entre a noite de 28 de junho e a madrugada de 29 de junho de 2009, na cidade de San Pedro Sula, quando estava em vigor um toque de recolher, conforme Comunicado da Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH_CP-20/2021. Alega-se que a morte de Vicky Hernández teria ocorrido em dois contextos relevantes. De um lado, o suposto contexto de violência e discriminação contra pessoas LGBT em Honduras com alta incidência de atos cometidos pela força pública e, de outro, o suposto contexto do golpe de Estado, ocorrido em 2009.

De acordo com a sentença de 26 de março de 2021, o Estado violou a Convenção Interamericana para Prevenir, Sancionar e Erradicar a Violência contra a Mulher, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará, instrumento internacional de direitos humanos (09.06.1994), com alto grau de violência concernente a pessoas LGBTI, por parte das autoridades hondurenhas.

Finalmente, compete à Corte Interamericana de Direitos Humanos ajuizar as reparações solicitadas pela Comissão e pelas testemunhas, em apoio ao sofrimento dos familiares, a dor, a violação do direito à vida, à integridade pessoal, à vida particular e a liberdade de expressão, maculadas pelo extremismo policial que causou a morte de Vicky   Hernández.

Dentre os pontos negativos dos conflitos ocorridos principalmente na América Latina, ressalte-se que há uma fraqueza no seio dos países ditos desenvolvidos, com relevância para as assimetrias na sociedade, desigualdades entre homens e mulheres, brancos e negros, violações ao direito à vida, como as execuções extrajudiciais, cometidas por atores estatais ou com aquiescência destes, e os homicídios perpetrados por atores não estatais. Recomenda-se aos Estados que revisem suas legislações, estimulem os meios de comunicação a desempenhar um papel positivo na luta contra a discriminação, os estereótipos, o preconceito e os vieses, o que inclui enfatizar seus riscos, aderir aos mais altos parâmetros éticos e profissionais, abordando os assuntos preocupantes dos grupos que têm sofrido discriminação histórica, e dando a estes a oportunidade de ser escutados. Isto é democracia!

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Leila Bijos

Pós-Doutora em Sociologia e Criminologia pela Saint Mary’s University, Halifax, Nova Scotia, Canadá. Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (CEPPAC/UnB). Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI), Universidade Federal da Paraíba (2020). Coordenadora de Pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos (CEEEx), Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP), Ministério do Exército (2019-2020). Aigner-Rollet-Guest Professor at Karl-Franzens University of Graz, Áustria Centro Europeu de Formação e Investigação dos Direitos Humanos e Democracia, Uni-Graz (2018/2019). Pesquisadora Visitante no International Multiculturalism Centre, Baku, Azerbaijão (2018). Professora do Mestrado Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília (2000-2017). Oficial de Programa do PNUD (1985-1999). Professora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual Transferência de Tecnologia para a Inovação – PROFNIT, Universidade de Brasília (UnB), CDT, Brasília, DF desde 2016.