Artigo – Cáucaso do Sul: Azerbaijão – Por Leila Bijos

A República Democrática do Azerbaijão (RDA) festejou em 2018 seu centésimo aniversário, e foi o primeiro país laico a ter um sistema parlamentar de governo no mundo muçulmano e na Eurásia, promulgou o sufrágio universal a todos os cidadãos, incluindo mulheres e jovens no início do século XX.

É sobre estes ideais justos e democráticos que o moderno e secular do Azerbaijão foi construído, e hoje é o lar de pessoas com diferentes pertences religiosos e culturais, que estão unidos em torno de uma identidade única e indivisível. A promoção do multiculturalismo tem sido uma política de Estado no Azerbaijão, por ser considerada um elemento vital para a paz, a estabilidade e o desenvolvimento da sociedade. Em 2014, foi criado o Centro Internacional de Multiculturalismo de Baku, no Azerbaijão, que é uma organização única no mundo.

O multiculturalismo enriquece nosso mundo e torna nossa vida interessante. Ele aprofunda nosso entendimento e cria obrigações morais em nossos negócios com nossas contrapartes. O multiculturalismo é uma força motriz do desenvolvimento, não apenas no que diz respeito ao crescimento econômico, mas também como meio de levar uma vida intelectual, emocional e moral mais gratificante. É, portanto, um bem indispensável para a redução da pobreza e para o desenvolvimento sustentável.

Conflitos lindeiros

Problemas socioeconômicos, influências islâmicas de diferentes fontes na região do Sul do Cáucaso trouxeram novos desafios para o Azerbaijão. Alguns desses problemas estão centrados em questões territoriais não resolvidas, como o conflito armênio-azerbaijano de Nagorno-Karabakh, os conflitos georgiano-abkhaziano e da Ossétia do Sul, e o conflito russo-ucraniano, que criaram a base para a desestabilização da situação. Esses conflitos representam ameaças imediatas à segurança regional, denominados territórios descontrolados, as chamadas “zonas cinzentas”, que são locais ideais para a disseminação do terrorismo internacional, tráfico de drogas, tráfico ilegal de armas e outros problemas.

Os ataques históricos, como o de Khojaly em 25-26 de fevereiro de 1992, não podem ser retirados da memória das pessoas, dos danos às famílias e das ligações com o norte do Cáucaso, especialmente no Daguestão, onde mais de 250 ataques foram cometidos em apenas um ano. É claro que é uma situação diferente dos ataques na França, mas essa ameaça nunca será excluída. Operações estratégicas foram programadas para neutralizar o ex-líder armênio do Jamaat Emir Dagestam Abdul-Mejid (também conhecido como llgar Malachiev) em 29 de agosto de 2008, bem como outras medidas similares realizadas pelas autoridades do Azerbaijão com o objetivo de eliminar o grupo de Malachievs. Seguindo esses padrões políticos, quanto mais abertos os Azerbaijanos à sabedoria de seus aliados, melhor eles combaterão as ações dos terroristas e menos sofrerão.

Um conflito armado mina a integridade do Estado e o controle do governo de uma parte do território onde grupos separatistas, terroristas e criminosos estão ativamente envolvidos em transferências ilegais, acumulação e estocagem de armas pequenas e leves.

A ênfase deve ser dada às transferências ilegais de armas em grande escala para a Armênia, que perpetraram uma agressão armada contra o Azerbaijão em 2020. De fato, as forças armênias estão controlando 130 quilômetros das fronteiras do sul do país, o que suscita preocupações governamentais, em vista de um número exponencial de refugiados e deslocados internos em abrigos temporários, cidadãos que enfrentam a incerteza de um futuro promissor.

A definição da extensão territorial do estado (incorporando ou desmembrando regiões geográficas específicas) e ampliando o alcance do poder de imposição do Estado sobre o território ocupado, deve ser analisado, objetivando fomentar o desenvolvimento nacional, integrar o país nas abordagens econômicas, políticas e sociais; e estrategicamente formular variáveis para o alcance de seus objetivos. Busca-se, assim, produzir uma análise exploratória para subsidiar a formulação de políticas e estratégias políticas para o Azerbaijão e Armênia, num horizonte temporal 2021-2035, considerando os conflitos atuais e questões globais.

Soluções para esses problemas dependem da integração de estratégias de paz e segurança, com prioridades claras, sequência de reformas estruturais ao longo do tempo, planejamento de ações de mudanças eficazes com sensibilidade política na questão de sequenciamento ou priorização. O pensamento estratégico sobre o desenvolvimento requer a consideração de toda a gama do estado de direito, democracia, projetos de desenvolvimento nacional e acordos de cooperação.

O conflito teve seu auge no início dos anos 1990, com o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), mas voltou a sofrer uma escalada no ano de 2020, ocasião em que armênios e azeris, com apoio turco e russo, acirraram a disputa histórica de uma região montanhosa. Disputa que remonta ao tempo em que ambos os territórios faziam parte do Império Russo.

 Sob o comando de Stalin, a região de Nagorno-Karabakh foi denominada uma oblast – isto é, uma região autônoma, mas ainda sujeita às ordens de Moscou, porém, ainda dentro da República Soviética do Azerbaijão.

  Com ofim da União Soviética no ano de 1991, as Repúblicas Soviéticas da Armênia e do Azerbaijão tornaram-se independentes. A população armênia que ocupava a região montanhosa, por sua vez, viu naquela ocasião a oportunidade de conseguir a sua independência. A ação foi apoiada por Yerevan (capital da Armênia) e rejeitada pelo Governo azerbaijano. Um plebiscito foi convocado e, com abstenção dos azeris, a maioria votou a favor pela criação da República de Nagorno-Karabakh, que, mais tarde, passou a se chamar República de Artsakh. Veja mapa a seguir:

Fonte: https://www.politize.com.br/conflito-armenia-e-azerbaijao-entenda/

Os conflitos por Nagorno-Karabakh reacenderam e, entre 1991 e 1994, estima-se que mais de 30 mil armênios e azeris tenham morrido. A guerra iniciada só foi freada quando, em maio de 1994, foi assinado um cessar-fogo pelos Governos envolvidos nos combates.

A assinatura do cessar-fogo não eliminou os ataques, e conflitos de menor magnitude continuaram a ocorrer na região, o que com o passar do tempo gerou propostas para resolução do confronto. Uma das mais notáveis foi a desenvolvida pelo Grupo de Minsk, criado pela OSCE (Organização pela Segurança e Cooperação Europeia). Ambos países não aceitaram os termos propostos por acreditarem que estariam sofrendo desvantagens. De um lado, o Governo de Baku (capital do Azerbaijão) defende as leis que determinam a sua soberania na região de Nagorno-Karabakh. De outro, Yerevan e Artsakh acreditam que o território pertence historicamente ao povo armênio. Escaramuças – isto é, pequenos conflitos – eventualmente ocorrem na região, desrespeitando, desta forma, o documento assinado.

Região do Cáucaso

O Cáucaso é uma região rica em petróleo, o que além de beneficiar alguns países – como é o caso do Azerbaijão – desperta o interesse de Estados vizinhos. A região serve como palco para projeções de poder, sobretudo por parte de Governos mais próximos da região. No caso do conflito entre Armênia e Azerbaijão não é diferente, já que Rússia e Turquia apoiam lados diferentes.

Historicamente, o Azerbaijão tem como seu principal apoiador a Turquia. O país, que diversas vezes fecha suas fronteiras com a Armênia como forma de demonstrar apoio ao Azerbaijão, possui, inclusive, um passado conflituoso com a Armênia.

Já do lado Armênio, a Rússia é o principal aliado. A religião pode ser entendida como um dos fatores que unem esses dois Estados, uma vez que o país do Cáucaso é historicamente cristão em uma região de maioria islâmica. A Federação Russa, portanto, utiliza-se de questões como esta para projetar seu poder na região vizinha e manter uma relação próxima com a Armênia. Vladimir Putin busca, sobretudo, manter sua soberania em um aspecto financeiramente importante para o país: a exportação de gás natural.

A Rússiaé, há muito tempo, um dos principais exportadores de gás natural da Europa. De acordo com dados do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e gás), em 2018 o país foi o segundo maior exportador de gás natural, atrás apenas dos Estados Unidos.

O Azerbaijão, por sua vez, é peça-chave no mercado energético.  Além de ser um dos maiores produtores de petróleo e gás natural da região, existe uma importante rede de oleodutos que atravessam o território azerbaijano em direção à Turquia, país que há um tempo vem aumentando o seu protagonismo no cenário energético.

Política Externa da Turquia

O atual presidente turco Recep Tayyip Erdoğan se apoia no chamado neo-otomanismo. Essa política externa, que faz alusão ao histórico império, tem como principal objetivo gerar maior protagonismo e aumentar a influência da potência na região, colocar essa política externa em prática, com o apoio militar fornecido ao Azerbaijão.

Já a Rússia, que tem o mesmo objetivo de projetar seu poder no Cáucaso, embora possua boa relação com o Azerbaijão, interfere no conflito ao lado da Armênia. O país faz parte da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO), aliança militar que reúne algumas das ex-repúblicas soviéticas. Além de ser considerado um dos principais negociadores entre os países, a Rússia mantém uma base militar na Armênia como forma de exercer influência no território.

O objetivo de manter a paz e a segurança se manifesta atualmente como um desafio novo, o de atuar de forma consistente sobre as causas estruturais e imediatas dos conflitos. É preciso buscar soluções efetivas para os conflitos em andamento, de modo a evitar os altos custos humanos provocados pela violência armada.

A marca dos conflitos contemporâneos nos leva a indagar as razões que levam o ser humano, em pleno século XXI, a perpetrar violações sistemáticas dos direitos humanos, e perpetuar o sofrimento sobre os seus semelhantes por meio de conflitos e guerras.

Torna-se imperativo não deixar que a violência alcance as manchetes, coibir perseguições constantes e abusos contra a população civil, eliminar grandes fluxos de refugiados e deslocados internos, conduzindo-os as suas terras históricas.

As negociações de paz não podem ser estagnadas e imprevisíveis, novas resoluções devem ser assinadas e implementadas através do consenso entre as partes, e com o balizamento do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Urge que se criem mecanismos de conciliação entre as duas nações, com condições políticas para a manutenção, promoção da paz e segurança. É preciso salvar as futuras gerações do flagelo da guerra.

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Leila Bijos

Pós-Doutora em Sociologia e Criminologia pela Saint Mary’s University, Halifax, Nova Scotia, Canadá. Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (CEPPAC/UnB). Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI), Universidade Federal da Paraíba (2020). Coordenadora de Pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos (CEEEx), Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP), Ministério do Exército (2019-2020). Aigner-Rollet-Guest Professor at Karl-Franzens University of Graz, Áustria Centro Europeu de Formação e Investigação dos Direitos Humanos e Democracia, Uni-Graz (2018/2019). Pesquisadora Visitante no International Multiculturalism Centre, Baku, Azerbaijão (2018). Professora do Mestrado Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília (2000-2017). Oficial de Programa do PNUD (1985-1999). Professora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual Transferência de Tecnologia para a Inovação – PROFNIT, Universidade de Brasília (UnB), CDT, Brasília, DF desde 2016.