Refugiada venezuelana tenta reconstruir vida em Brasília com filha recém-nascida

O cenário de instabilidade em seu país tornou a vida da venezuelana Vanis e de sua família cada vez mais difícil. “Tudo era muito caro. O que eu ganhava não cobria as despesas básicas como aluguel, alimentação e coisas de que precisamos para viver. Não consegui manter minha filha na escola”, relatou.

Hoje, ela tenta reconstruir sua vida em Brasília (DF) com o filho Alejandro, de 20 anos, e a recém-nascida Luanna. Também espera algum dia conseguir trazer ao país a filha mais velha, de 18 anos, que ficou na Venezuela.

A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) atua na emergência humanitária no Norte do país e ajuda pessoas como Vanis a conseguir abrigo, proteção e atendimentos psicossociais.

Vanis é natural da cidade venezuelana de Carupano. Atualmente, ela vive em Brasília com a filha Luanna, nascida no Brasil. Foto: ACNUR | Alan Azevedo.

Vanis é natural da cidade venezuelana de Carupano. Atualmente, ela vive em Brasília com a filha Luanna, nascida no Brasil. Foto: ACNUR | Alan Azevedo.

Os fins de semana de Vanis eram repletos de sol, mar e comida. Sua família costumava se reunir em uma das praias de sua cidade natal, Carupano, para aproveitar os dias de descanso. Sancochos, uma típica sopa venezuelana feita com carne, era a estrela do cardápio na hora do almoço.

Mas as coisas mudaram com a crise que atingiu a Venezuela a partir de 2014, e uma nuvem de incerteza começou a pairar sobre a tranquilidade dos domingos de sol. A empresa onde Vanis trabalhava há 15 anos na área de recursos humanos começou a reduzir o número de funcionários, alegando não ter dinheiro para pagar o salário de todos. Foi então que ela ficou desempregada.

O cenário de instabilidade no país se agravava e se sustentar ficou cada vez mais difícil. “Tudo era muito caro. O que eu ganhava não cobria as despesas básicas como aluguel, alimentação e coisas que precisamos para viver. Não consegui manter minha filha na escola”, relatou.

A hiperinflação que assola a Venezuela faz com que muitas famílias não consigam o mínimo para viver com dignidade. Por seis meses, Vanis e o filho Alejandro, de 20 anos, tentaram a vida em Las Minas, região da Venezuela onde há intensa atividade de garimpo.

Mas uma adversidade impediu que a vida ali desse certo. Ela e o filho contraíram malária. “É uma zona muito montanhosa, há muitos insetos”, contou Vanis.

Recuperados, ficaram ainda alguns meses na cidade venezuelana de Santa Helena, mas em meio a violência, insegurança, falta de alimentos e de serviços essenciais, Vanis e Alejandro não viram outra saída a não ser deixar o país. Ela conta que “voltar para casa não era uma opção”. “Não tínhamos como sobreviver.”

Até o momento, mais de 4 milhões de pessoas deixaram a Venezuela. Assim como Vanis e Alejandro, os motivos incluem, principalmente, insegurança, escassez de comida, ausência de serviços de saúde e medicamentos e até mesmo a perda de moradia.

A chegada ao Brasil

Os 18 km do trajeto de Santa Helena até Pacaraima foram percorridos a pé. “Tinha muita gente em Pacaraima. Muitos venezuelanos se encostavam em qualquer coisa e dormiam na rua. Foi um momento muito difícil. Não estávamos acostumados a ver tanta gente nessa situação”, relatou Vanis.

De carona, Vanis e Alejandro foram para Boa Vista (RR), onde ficaram por cinco meses. Lá, dividiram uma casa com outros 20 venezuelanos.

“Dormíamos em redes e em colchões no chão. Todos os dias íamos para a rua procurar comida, pois nenhum de nós tinha emprego. Os primeiros dias foram muito difíceis, pois não conhecíamos ninguém e não estávamos acostumados a essa situação”, contou.

Programa de Interiorização de Refugiados Venezuelanos

Ela ficou sabendo do programa de interiorização e da possibilidade de se mudar para outra cidade brasileira, onde teria mais segurança e oportunidades.

O intuito da estratégia de interiorização é reduzir o impacto da chegada de venezuelanos em Roraima, permitindo que tenham novas oportunidades de integração e ingresso no mercado de trabalho, recomeçando suas vidas e ao mesmo tempo contribuindo para o desenvolvimento das novas comunidades de acolhida.

Além do ACNUR, outras agências da ONU estão diretamente envolvidas com a estratégia.

Inicialmente, Vanis pensou em São Paulo, com o objetivo de ajudar o filho Alejandro a realizar o sonho de ser músico. Mas então o destino deu mais uma guinada em suas vidas: Vanis descobriu que estava grávida.

“Foi uma surpresa. Minha filha não foi planejada. Ela foi uma benção de Deus”, disse. Apesar de ter se alegrado com a notícia, Vanis contou que não foi fácil se sustentar no período.

“Eu tinha a intenção de seguir em frente, mas as pessoas não dão oportunidades para grávidas. As coisas se complicaram mais”, relatou. Alejandro precisou trabalhar para sustentar a família. “É muito difícil não poder ajudar meus filhos da forma como eu queria”, relatou.

Vanis e Alejandro acabaram se mudando para a capital. Ela deu à luz a pequena Luanna, que é brasiliense .

“Fomos bem recebidos aqui. Muitas pessoas nos apoiam. Todos os domingos me reúno com outros venezuelanos em uma igreja. Estamos muito unidos”, relatou.

Em breve, Vanis espera poder trazer para Brasília a filha Oriana, de 18 anos, que ficou na Venezuela. Ela conta que é muito difícil estar longe da família nos momentos difíceis. “Como grande parte dos venezuelanos, minha família também está longe de mim. Eu era muito próxima da minha filha, e foi muito difícil deixá-la”, contou.

Apesar da saudade que sente da vida que deixou para trás, Vanis mantém o pensamento positivo e acredita que dias melhores virão. Para ela, “estamos no meio de um processo. Superamos uma situação e aparece algo diferente, mas seguimos”. E conclui: “tudo tem solução, não podemos desistir. Temos que continuar virando as páginas.”

Compartilhe

Fabiana Ceyhan

Jornalista por formação, Professora de Inglês (TEFL, Teaching English as a Foreigner Language). Estudou Media Studies na Goldsmiths University Of London e tem vasta experiência como Jornalista da área internacional, tradutora e professora de Inglês. Poliglota, já acompanhou a visita de vários presidentes estrangeiros ao Brasil. Morou e trabalhou 15 anos fora do país.