Sul Global lidera debates para desenvolvimento mais inclusivo

Em um cenário global moldado por mudanças geopolíticas, a presidência brasileira no G20 representa a ascensão dos países do Sul Global no cenário mundial

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a 2ª cúpula Vozes do Sul Global, em novembro de 2023, disse que “estar aqui me fez lembrar de uma obra muito famosa do artista uruguaio Joaquín Torres García, chamada ‘América Invertida’. Ele retratou a América do Sul de cabeça para baixo. Colocou o Cone Sul – que costuma aparecer distorcido nos mapas tradicionais – no topo da imagem, e o Norte na parte de baixo. Com isso, demonstrou como, muitas vezes, adotamos sem refletir, pontos de vista alheios, que não nos favorecem”.

Para o presidente brasileiro, “nossos países já foram chamados de Terceiro Mundo e de países em desenvolvimento. Há quem questione o conceito de Sul Global, dizendo que somos diversos demais para caber nele. Mas existem muito mais interesses que nos unem do que diferenças que nos separam”, destaca.

Para o presidente brasileiro, “nossos países já foram chamados de Terceiro Mundo e de países em desenvolvimento. Há quem questione o conceito de Sul Global, dizendo que somos diversos demais para caber nele. Mas existem muito mais interesses que nos unem do que diferenças que nos separam”, destaca.

O termo Sul Global tem origem nas discussões geopolíticas e econômicas que classificam as nações com base em seu desenvolvimento socioeconômico.

A expressão faz referência aos países situados no Hemisfério Sul, muitos dos quais são considerados em desenvolvimento ou emergentes – mas não só. Para além dos limites geográficos, o conceito destaca as disparidades globais, destacando desafios compartilhados por essas nações, como questões econômicas, sociais e ambientais.

O Sul Global busca promover uma compreensão mais abrangente das realidades enfrentadas por essas regiões, transcendendo as fronteiras tradicionais e focando na cooperação internacional para enfrentar desafios comuns. Ao reconhecer sua identidade compartilhada e desafiar padrões estabelecidos, este grupo de países pede uma resposta coletiva às complexidades da dívida e do desenvolvimento.

Para o professor Sachin Chaturvedi, diretor-geral da ONG indiana Pesquisa e Sistema de Informação para Países em Desenvolvimento, RIS (na sigla em inglês) “no atual cenário geopolítico, o Sul Global emergiu como uma nova voz defendendo uma ordem mundial mais justa, equitativa e inclusiva. Os esforços coletivos sem precedentes desses países trouxeram questões de desenvolvimento para o centro do palco, participando de vários fóruns multilaterais e grupos como as Nações Unidas, Organização Mundial de Comércio, Fundo Monetário Internacional, Brics e G20. O Sul Global está levantando sua voz de maneira mais assertiva e unida, dada a gravidade dos desafios que enfrentam e as crises de ação coletiva”.

Chaturvedi acredita que “o Sul Global nas últimas duas décadas emergiu como o motor do crescimento global, o que é bem-vindo do ponto de vista de enfrentar antigas lacunas de desenvolvimento e reconhecimento de capacidades”. Para ele, “neste momento, há uma liderança crescente do Sul Global para trabalhar rumo a uma ação global inclusiva e sustentável por meio de parcerias mais amplas e abordagens não excludentes”.

Sul Global substitui o antigo conceito de Terceiro Mundo

O conceito tem suas raízes nas discussões sobre desenvolvimento e desigualdades globais e surgiu como uma alternativa ao tradicional Terceiro Mundo, buscando uma abordagem menos hierárquica e mais inclusiva. Essa mudança de paradigma tem o potencial de criar uma rede mais resiliente e colaborativa em questões críticas, como segurança, saúde e comércio internacional.

André de Mello e Souza, chefe do Centro de Políticas para o Desenvolvimento Inclusivo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), acredita que “temos pela primeira vez, desde a criação do G20, uma sucessão de presidências de países em desenvolvimento. Tivemos a Indonésia em 2022, em 2023 a Índia, este ano o Brasil e no ano que vem a África do Sul, o que oferece uma oportunidade para articular e tentar influenciar agenda mundial de forma que favoreça os interesses destes países, em concordância com a sua própria visão de desenvolvimento”.

Para Mello e Souza esta é uma oportunidade importante, porque esses países cada vez mais têm sido assertivos em propor formas distintas de enfrentar os problemas e de promover o desenvolvimento. O pesquisador acredita que o grupo tenha “uma agenda própria, que não é necessariamente a mesma agenda dos países do Norte, de renda alta. Quando se trata de desafios globais ou da necessidade de provisão de bens públicos globais, há diferenças”.

Esses países podem reivindicar maior voz em instituições multilaterais, “como os Brics têm feito, e com maior sucesso, sobretudo em instituições financeiras internacionais, como o FMI. Podemos incluir nesta pauta termos de finanças, mecanismos de taxação ou de prevenção de fluxos financeiros ilícitos internacionalmente, combate a paraísos fiscais e uma maior transferência de recursos para o propósito de desenvolvimento”.

O desafio da dívida dos países

Em uma análise econômica, observamos o crescimento sustentado em diversas regiões do Sul Global. Políticas inovadoras, investimentos estratégicos e uma crescente classe média, têm impulsionado o desenvolvimento econômico. Desafios como desigualdades internas, instabilidade política e dependência de commodities permanecem obstáculos a serem superados para garantir um crescimento inclusivo e sustentável.

O relatório anual do Banco Mundial destaca a crescente pressão sobre os países do Sul Global devido a taxas de juros mais altas e a redução de novos financiamentos. A combinação desses fatores resulta em um aumento notável no serviço da dívida, ultrapassando os 443 bilhões de dólares anuais. Moçambique, por exemplo, dedica 37% de sua economia à dívida externa.

Os efeitos da dívida excessiva não se limitam ao financeiro. O custo da dívida compromete investimentos em educação, saúde e infraestrutura, impactando negativamente o progresso social. A transição energética também corre riscos, em função da falta de recursos, comprometendo objetivos climáticos e causando consequências globais devastadoras.

Diante desses desafios, a reflexão do presidente Lula ganha ainda mais relevância. O alerta é claro: se não forem tomadas medidas de apoio e vigilância, o crescente peso da dívida no Sul Global pode afetar todo o sistema financeiro, reforçando a importância de uma abordagem global para enfrentar essa realidade.

O termo “Sul Global” é uma expressão que se refere a países com características socioeconômicas compartilhadas, geralmente associadas a nações em desenvolvimento ou emergentes. O conceito destaca as disparidades econômicas, sociais e políticas entre as nações, notadamente as do hemisfério Sul, em comparação com as do hemisfério Norte. Os países do Sul Global incluem muitas nações da América Latina, África, Ásia e Oceania.

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Fabiana Ceyhan

Jornalista por formação, Professora de Inglês (TEFL, Teaching English as a Foreigner Language). Estudou Media Studies na Goldsmiths University Of London e tem vasta experiência como Jornalista da área internacional, tradutora e professora de Inglês. Poliglota, já acompanhou a visita de vários presidentes estrangeiros ao Brasil. Morou e trabalhou 15 anos fora do país.