Opinião: Programa mais médicos e seu encerramento

Há dois dias retornamos aos holofotes da imprensa internacional com o assunto “mais médicos”, e desde então, o brasileiro formado em facebook e pós graduado em Fake News passou a opinar veementemente a respeito, trazendo o assunto para a sombra das falsas informações. Sobre os principais pontos discutidos nas redes, discorro: VERDADE OU MENTIRA?

 

“Os médicos cubanos eram escravos de uma ditadura e o Brasil financiou isso”

MENTIRA. Cuba exporta mão de obra médica há décadas, muito antes da criação do “mais médicos”. O governo cubano usa isso como permuta em acordos internacionais. Há médicos cubanos por todo o mundo em missões humanitárias. Médico em Cuba não é profissional autônomo como no Brasil. São funcionários do Estado e desde sua formação sabiam que assim seria. Para ingressar o “mais médicos” sabiam das condições em que a Estatal contratante deteria maior parte do salário e ainda assim decidiram vir, se isso é certo ou não, não vou julgar. A questão é que isso não é escravidão, está longe de ser. Os próprios jovens cubanos que pretendem fazer medicina o fazem também para poder viajar e conhecer o mundo, pois o país tem suas regras, que já sabemos.

 

“O afastamento da família viola os direitos humanos”

VERDADE. Os profissionais se instalaram no Brasil sabendo que isso os custaria o isolamento familiar, saudade, distância. Para alguns isso significou ficar longe das pessoas que ama. Isso é muito doloroso para qualquer ser humano.

 

“95% da população do Brasil aprova os médicos cubanos”

MENTIRA. Entre nós que trabalhamos na saúde não é incomum escutar comentários negativos de pessoas que são assistidas por profissionais cubanos. Os brasileiros depositam pouca confiabilidade em suas condutas e reclamam da barreira linguística. Tive a oportunidade de estagiar em um hospital de um município que tinha seus distritos rurais atendidos por cubanos e com frequência pegávamos no pronto socorro pacientes com queixas de atenção básica que andavam muitos quilômetros em busca de um médico brasileiro para resolver seu problema.

 

“O mais médicos priorizou os brasileiros e somente as vagas desocupadas foram preenchidas por cubanos”

MENTIRA. Há médicos recém formados que se inscreveram e não foram contemplados pois a prioridade foi dada aos cubanos.

 

“Os médicos cubanos eram os vilões do mercado médico”

MENTIRA. A saída de 9 mil médicos cubanos do Brasil, libera provisoriamente o mesmo número de vagas no mercado de trabalho para atenção básica. Em contrapartida, há uma abertura indiscriminada de faculdades de medicina em todo o território nacional que, a partir de 2020, lançarão milhares de novos médicos, semestralmente, no mercado. Até agora vejo pouca gente fazendo barulho a respeito disso. Importante lembrar que esses médicos ninguém vai conseguir mandar embora por questões ideológicas depois. São formados por faculdades particulares, de ensino e formação duvidosas, que viram na medicina um mercado extremamente rentável. Creio que essa deva ser a maior preocupação da classe que tanto quer se proteger.

 

“A maioria dos médicos brasileiros não vai querer ocupar as vagas em lugares remotos dos cubanos”

Infelizmente, VERDADE. Algumas unidades básicas, principalmente no sudeste e sul do Brasil, neste primeiro momento poderão ser ocupadas, mas nenhuma delas por médicos que pretendem viver sua carreira profissional na medicina de família e comunidade. POSSO FAZER UMA APOSTA. Muitas serão ocupadas por egressos que na primeira oportunidade de emprego melhor, ou especialização, sairão do serviço. Quanto às vagas em comunidades indígenas, quilombolas, favelas com alto índice de violência e comunidades ribeirinhas, em toda a minha vivência médica, nunca vi nenhum colega, estudante ou médico, manifestar vontade em fazer missão humanitária nesses lugares. Os assuntos no meio médico são outros, tenho que admitir. E às vezes, engolir. (SALVO EXCEÇÕES RARAS)

 

“Os brasileiros não vão para lugares longes, pois não há estrutura”

MENTIRA. O “mais médicos” é um programa de atenção básica. Apesar desta englobar uma extrema complexidade, pois prioriza as relações humanas, todos sabem que tal prática não envolve muita tecnologia maquinaria. Papel, caneta, mesa, cadeiras e pronto, nasce uma consulta médica. A respeito dos medicamentos serem disponibilizados ou não, a maioria dos municípios fornece os básicos. A maior barreira de se aventurar no interior longínquo atualmente são os calotes das prefeituras que oferecem uma proposta alta de trabalho, mas depois, não fazem o pagamento correto, e devo ser justa, ninguém gosta de trabalhar sem receber, e os médicos brasileiros devem ser compreendidos nessa questão.

 

“Médicos cubanos são ruins”

MENTIRA. Muito difícil medir a capacidade de alguém pela nacionalidade. O nome disso é xenofobia. Em todo lugar tem bons e maus médicos. No Brasil, na Suécia, em Cuba. Sei de bons profissionais que serviam no programa, assim como de ruins, que não sabiam sequer realizar uma prescrição médica correta. Independente, não podemos generalizar as coisas.

 

“Médicos cubanos são guerrilheiros doutrinadores disfarçados”

MENTIRA. Gente, pelo amor de Deus, sai dessa. Até quando vocês vão acreditar nisso?

 

“Só mandaram médicos pra regiões onde faltam médicos”

MENTIRA. Mentira das bravas. Tem medico cubano em todo lugar, inclusive em cidades grandes, com numero de médicos suficientes (até excedentes) por habitantes. Tem médico cubano em cidades com faculdades de medicina, que colocam médicos no mercado todo ano. Essa é uma das inverdades do programa.

 

“O fim do acordo com Cuba é um motivo para a classe médica comemorar”

MENTIRA. Se você é médico, ou estudante, e está pensando coletivamente, e não só no seu próprio umbigo, vc deve saber que 24 milhões de pessoas ficarão provisoriamente sem acesso a UM medico. Não consigo ver comemoração nenhuma nisso. Só sofrimento.

 

Mas então. O que fazer?

O “mais médicos” pode ser um eficiente instrumento para estruturarmos o programa de carreira de estado médica, reivindicação antiga da classe. Priorizando os brasileiros, colocando remuneração mais chamativa para os lugares remotos, com repasse direto do governo federal para evitar os calotes, dando oportunidade ao médico de família de crescer no programa e poder ser remanejado depois conforme necessidades. Realocar os estrangeiros, apenas, se realmente as vagas não forem substituídas por brasileiros e incentivar a criação de residências médicas de medicina de família nas cidades de interior (assim há maior probabilidade do médico se fixar neste local depois). Deixar a discussão livre das falácias ideológicas e prezar pelo incentivo na atenção básica, que, quando bem empregada, resolve mais de 80% das queixas da população, de forma eficiente e barata, desafoga o sistema de especialidades do SUS e dá a oportunidade à população carente, de ter sempre um profissional médico por perto.

 

Victoria Mendes

Médica residente em Medicina de Família e Comunidade. É coordenadora de comunicação na Associação Nacional Acadêmica de Ligas e Grupos de Estudos em Espiritualidade e Saúde – AALEGREES, vinculada à Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC). Acredita no SUS como peça fundamental para o desenvolvimento e melhora dos indicadores sociais do Brasil e escolheu a saúde pública como a base de sua carreira.

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Fabiana Ceyhan

Jornalista por formação, Professora de Inglês (TEFL, Teaching English as a Foreigner Language). Estudou Media Studies na Goldsmiths University Of London e tem vasta experiência como Jornalista da área internacional, tradutora e professora de Inglês. Poliglota, já acompanhou a visita de vários presidentes estrangeiros ao Brasil. Morou e trabalhou 15 anos fora do país.