Entrevista com o Embaixador de Cabo Verde sobre o “Dia da África”

Prezado Embaixador, poderia nos falar sobre o significado do dia da África?

Com todo o gosto posso deixar minha opinião, enquanto africano e cidadão do mundo que ambiciona melhores dias para toda a humanidade. A data 25 de maio é celebrada em homenagem à criação da Organização da Unidade Africana (OUA) em Addis Abeba (Etiópia) em 1963, num período ainda colonial em que os países, já independentes, procuravam mostrar uma outra África capaz de se unir e ser ouvida e tida em conta no concerto das nações, nessa Nova Ordem mundial dos anos 60 do século passado.

Assim, a grande maioria dos países africanos celebra esta data que também é venerada por africanos e descendentes, espalhados pelas grandes diásporas por este mundo afora, numa atitude de Dignidade e de esconjurar aquela África marcada pela guerra permanente, pelo terrorismo, pelas epidemias, secas, fomes e desnutrição. Não é por acaso que o slogan da União Africana para o ano 2022 é: SUSTENTABILIDADE ALIMENTAR E NUTRICIONAL. Essa minha opinião é de que a Humanidade só poderá sonhar com a Felicidade a partir do dia em que houver alimentação condigna, para todos.

Como é celebrado nos países do continente?

Esta sua pergunta me obriga a dar alguns esclarecimentos pois aqui no Brasil como noutros países do continente americano as pessoas têm um conceito redutor da África como se se tratasse de um país ou de uma civilização ou, ainda, de uma cultura uniforme. A África tem 54 países e uma enorme diversidade de civilizações e de culturas. O Brasil tem dimensões continentais, mas a África é cerca de 4 vezes maior.

O Brasil tem uma população de 212 MI de habitantes e a África tem 1,4 BI quase 7 vezes maior. Posto isto, imagina como fica quase impossível, para qualquer africano, classificar a Celebração do Dia de África lá no continente. A União Africana que congrega os 54 países detém a celebração política a nível continental, mas as festas de cada povo ou cultura não cabem numa classificação tão linear como se pensa deste lado do Atlântico.

Como o senhor vê a relação hoje do continente africano com o Brasil

Na minha opinião, pessoalíssima, vejo uma relação irrelevante tendo em consideração as potencialidades histórico-culturais assim como os grandes recursos naturais de ambos lados. Por exemplo, as relações comerciais Sul/Sul de que tanto se tem falado nas últimas décadas aguardam por decisões políticas mais ousadas e mais viradas para um futuro de desenvolvimento sem intermediários de outros continentes. O Brasil atingiu um nível de desenvolvimento industrial, sobretudo no Agronegócio, que pode ser muito útil aos países africanos e estes, por sua vez, têm muitos recursos ainda não explorados que podem interessar ao Brasil para deixar de ser dependente de regiões situadas no outro lado do mundo.

Estou pensando, por exemplo, na problemática dos Fertilizantes que poderiam ser conseguidos na costa ocidental da África, em negociações bilaterais do Brasil com o país A, B, ou C. Com certeza que há muito mais do que isso, faltando uma aproximação mais real e um interesse mais convicto de parte a parte. A África lendária e mitológica, para o Brasil e brasileiros, deve dar lugar à África concreta, aquela que existe hoje e não aquela de há 4 séculos de que ficaram apenas os contos da mão-de-obra escrava executada por seres sub-humanos vindos daquele continente inatingível que nem os sonhos lá chegavam. Pois, esse continente está aqui ao lado, vis-à-vis ao Brasil. Repito o que ficou atrás, que essa relação profícua aguarda por “decisões políticas mais ousadas” e, talvez, menos dependentes do imediatismo.

Poderia nos falar um pouco sobre as relações com Cabo Verde também? O que importamos do belo é acolhedor país? E o que o Cabo Verde exporta para o Brasil?

Bem, o meu país Cabo Verde não é excepção apesar de maiores ligações históricas, de pertencermos à mesma Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e de, geograficamente, estarmos ainda muito mais próximos do que a maior parte dos cidadãos possa imaginar. O arquipélago de 10 ilhas encontra-se aqui no Atlântico médio a 3 horas e meia, de voo, do território brasileiro (nordeste). Por essas razões, desde a Independência de Cabo Verde que os dois Estados mantêm uma cooperação exemplar em vários domínios, nomeadamente no ensino superior e na troca de experiências culturais. Antes da Covid-19 já existiam 4 destinos brasileiros para voos diretos procedentes do arquipélago e, na década de 90 já houve uma linha marítima que servia às exportações para Cabo Verde. Na retoma da normalidade, auguramos aumentar as trocas comerciais com o Brasil e temos a pretensão de dar a conhecer as ilhas de Cabo Verde aos brasileiros como um Destino Turístico de qualidade, aqui tão perto de casa. Para fazer férias, divididas com a Europa ou África, ou mesmo para uma semana ou final de semana.

E a partir daí, após conhecer a estabilidade política e a paz social reinantes, o brasileiro vai descobrir um novo e SEGURO destino para os seus investimentos. Tudo falado em português e se sentindo em casa!

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Jean Carlos