ARTIGO: O mundo, no Catar, aceitará a diversidade cultural?

Em artigo, o embaixador Qais Shqair, chefe da missão da Liga dos Estados Árabes no Brasil, escreve sobre a Copa do Mundo da Fifa no Catar e questiona se o mundo está preparado para aceitar o outro e se abrir para culturas diferentes.

Embaixador Qais Shqair*

Às vésperas de o irmão Catar sediar a Copa do Mundo, setas de criticismo destituído de objetividade foram lançadas contra esse pacífico país do Golfo Árabe. O país foi afetado por uma campanha de ataques desferida por quem não tolera a escolha de um país do tamanho do Catar, árabe do Golfo, asiático e muçulmano para esta missão, pela qual grandes países estão competindo. No entanto, o Catar tem o direito legítimo de organizar o torneio e de acolher seus campeões e seus torcedores. Nosso mundo é uno. Apesar de sua extensão geográfica e da diversidade de suas culturas, é uma aldeia, como costumávamos dizer, em virtude do desenvolvimento tecnológico e da disseminação das redes de comunicação na internet.

Temos a convicção, não somente do sucesso do Catar na organização do torneio, mas também do seu brilhantismo e distinção, dado tudo o que preparou para este grande evento, os recursos que nele investiu e algumas de suas obrigações para com um país irmão. Alguns queriam realmente tirar isso dele e privá-lo da honra de sediar o torneio, sugerindo que essa honra é privativa de um continente ou de uma cultura e de ninguém mais.

Longe da lógica da cortesia e objetivamente apoiados em fatos concretos, podemos afirmar que os argumentos do time que torcia contra não foram de forma alguma objetivos. Negligenciaram suas excelentes qualificações, demonstradas pelo país anfitrião na construção de estádios e na estrutura que ultrapassou tudo que até então conhecíamos na organização de torneios semelhantes. Focaram no clima do país, apesar da mudança no horário que abriu um precedente, dando aos participantes e ao público a oportunidade de desfrutar de um verão moderadamente quente, próximo e até menos quente que o calor do mês de junho em muitos países. Aqueles que vêm da Europa central ou do norte da Europa terão ainda um mês inteiro longe do inverno gelado de seus países.

Além do seu clima, que representa uma nova experiência para os participantes do torneio e igualmente para os seus convidados, o Catar acrescentou um novo componente cultural e civilizacional à atmosfera da Copa do Mundo. O país está bem preparado para isso, pois a perspectiva não se limitava ao fato de o Estado do Catar sediar partidas de futebol, mas o olhar mirava mais além, e talvez seja esse o motivo de algumas das setas críticas que foram disparadas. Mas elas erraram o alvo.

A organização celebrou uma dimensão cultural, que promove a cultura do Catar e a civilização que se encontra nos seus arredores, do Golfo e árabe. Isso fica evidente nos projetos dos estádios, com seus nomes que refletem o orgulho da sua cultura, e também no entusiasmo com que se dá destaque à sua identidade nacional e pertencimento nacional. É isso que o Catar registra orgulhosamente.

Questões morais foram levantadas, dentro da polêmica sobre a realização da Copa do Mundo no Catar, em termos da liberdade individual, como a questão da homossexualidade. Em virtude de a ocasião não acomodar uma discussão a respeito desse tema, a objetividade exige que respeitemos a cultura de nosso anfitrião e até mesmo que agreguemos à sua cultura, por uma questão de convivência e pela interação, que o convívio com aquilo que nos é diferente nos proporciona.

Quem vier a Doha presenciará o conjunto integrado de um tecido social e cultural costurado pelas areias escaldantes do deserto, que foi transformado, pela determinação de uma jovem liderança, em uma Doha exuberantemente verde, com edifícios abraçando as estrelas cintilantes do céu e uma sociedade que promove a ciência, a abertura para o mundo, a educação, o pensamento e a cultura. Juntamente com uma presença internacional, que transcende os limites da localização e da extensão geográfica, aspira a estar entre os países que estão à sua volta, cujo escopo da sua influência é infinito.

A diferença por si mesma não é justificativa para a crítica, mas é antes uma característica com que Deus nos dotou para motivar a interação e comunicação entre as pessoas. O Todo-Poderoso diz: “Ó homens, nós vos fizemos como nações e tribos, para que vos conheçais uns aos outros. Por certo, o mais honrado de vós, perante Allah, é o mais piedoso de vós.” O mútuo entendimento é o ponto de diferença. Diferença aqui significa diversidade e o universo está cheio dessa diversidade, com a qual podemos conhecer, experimentar e com a qual podemos interagir em todos os campos: na cultura, no pensamento, na literatura, na música, nos costumes e nas tradições. Então, por que nos privar de um dom divino que nos foi concedido pelo Criador da terra e do céu?

É um convite para abrirmos nossos corações diante de nossos olhos, para vermos a beleza desse universo, que não está mais longe de nós graças aos meios que a ciência nos forneceu, os quais nos aproximam uns dos outros, anulando diferenças geográficas e abrindo uma porta, a partir da qual podemos nos olhar mutuamente, sem barreiras de diferenças de identidade, religião, raça, ou qualquer outro tipo de afiliação.

*O embaixador Qais Shqair (foto acima) é chefe de Missão da Liga dos Estados Árabes no Brasil

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