Artigo – AMAZÔNIA BRASILEIRA: TRAJETÓRIAS E RESISTÊNCIAS – Por Leila Bijos

Leila Bijos

Felipe Sakai de Souza[1]

O sacrifício da asa corta o voo no verdor da floresta. Citadino serás e mutilado, caricatura de tucano, para curiosidade de crianças e indiferença de adultos, […] projeto da natureza interrompido ao azar de peripécias, e viagens do Amazonas ao asfalto da feira de animais”.

Com estas palavras o poeta Carlos Drummond de Andrade escreveria em 1987 o que seria seu último poema. Mais do que um relato pessoal a respeito de uma ave traficada que pertencera a seu neto, o texto expõe a realidade de uma criatura que tão bem representa a biodiversidade amazônica, e em sua dimensão simbólica desvela a interferência humana em um bioma que ao longo dos anos sofre com a exploração antrópica a serviço de interesses externos. Passados mais de 30 anos desde a publicação de “Elegia a um tucano morto”, pouco se pode afirmar a respeito das mudanças nesse paradigma exploratório, em que pesem os inúmeros esforços da sociedade civil e de outros atores empenhados na construção de um modelo de desenvolvimento que respeite a biodiversidade local e os modos de vida das populações que vivem na região da Amazônia brasileira.

O mês de junho de 2022 foi de extrema tristeza para a sociedade civil, com o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Philips, colaborador do jornal The Guardian, que desapareceram no dia 05/06, assim que iniciaram sua viagem de pesquisas na região da reserva indígena do Vale do Javari, com mais de 8,5 milhões de hectares. Apesar da prisão de Amarildo da Costa Oliveira e comparsas, as respostas sobre as verdadeiras causas e os mandantes permanecem obscuras.

Fatos chocantes como este fazem parte do acirramento dos confrontos devido à pesca predatória e garimpos ilegais, que compõem o cenário de devastação da floresta amazônica nativa, levada a cabo por madeireiros, garimpeiros e empresários ligados ao setor do agronegócio, e estimulada – à revelia dos acordos internacionais firmados pelo Brasil em sede de negociações climáticas pelo governo federal, que pouco parece depreender esforços para a contenção do desmatamento que se alastra pelo país.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) demonstram que até 2020, foram desmatados no Bioma Amazônia 729.781,76 km2, e na Amazônia Legal 813.063,44 km2. A Mata Atlântica abrange cerca de 15% do território nacional, em 17 estados. Na verdade, é o lar de 72% dos brasileiros e concentra 70% do PIB nacional. Dela dependem serviços essenciais como abastecimento de água, regulação do clima, agricultura, pesca, energia elétrica e turismo. Lamentavelmente, hoje restam apenas 12,4% da floresta que existia originalmente. Urge monitorar e recuperar a floresta com ações efetivas do Ministério do Meio Ambiente, investimentos orçamentários, fortalecimento da política ambiental e enrijecimento da legislação que a protege.

Além da mera letargia, a inatividade do governo federal indica operar estrategicamente em favor de setores beneficiados pelo afrouxamento das medidas de combate à destruição do meio ambiente. Em que pese os recentes episódios ilustrarem de forma dramática a condução dos projetos voltados a essa região do país, a formação histórica da Amazônia é perpassada por dinâmicas de conflito de interesse, que de modo geral desprezam as territorialidades próprias, sobretudo no que diz respeito às terras indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Praticamente isolada do restante do Brasil até as décadas de 1950 e 1960, a Amazônia iniciou sua integração tardiamente, primeiramente por meio da construção de estradas e, posteriormente, através das redes de telecomunicações, que mudariam a forma como a Amazônia se relaciona nacional e internacionalmente.

A formação da malha viária mudou radicalmente a forma de ocupação territorial da região, criando núcleos urbanos no interior das florestas, ao longo das estradas; expandindo fronteiras agrícolas, e deslocando força de trabalho para novas zonas, sem planejamento urbano. Do ponto de vista econômico, ao longo da década de 1980, a Amazônia passa por importante transformação, deixando em segundo plano o caráter de região extrativista, e se tornando um polo de produção mineral e de bens de consumo duráveis.

Paralelamente, o cenário internacional na segunda metade do século XX é marcado pela proliferação de discussões e tratados em matéria de meio ambiente, como a Conferência de Estocolmo, de 1972, e a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Clima, além da Cúpula de Líderes sobre o Clima – Leaders Summit on Climate, abril de 2021. O presidente Jair Bolsonaro participou da cúpula do clima para mostrar 200 anos de ativos, uma imensidão de florestas, rios caudalosos, e energia elétrica nacional com geração hídrica há mais de um século. Em contrapartida, a comunidade de líderes mundiais enfatizou a devastação da Floresta Amazônica.

A Amazônia brasileira desperta a atenção de todo o mundo. Trata-se de um novo olhar para a região, agora valorizada como capital de realização futura. Embora a consolidação do regime internacional do meio ambiente tenha tido o condão para fortalecer a legislação ambiental brasileira, hoje amplamente reconhecida como uma das mais avançadas do mundo, o recente processo de desmonte do arcabouço normativo ambiental e a catástrofe que se abate sobre a região amazônica põem em cheque o comprometimento do Estado brasileiro com a causa ambiental, e a própria efetividade do regime internacional de meio ambiente. Ressalte-se, o greening ou esverdeamento dos tratados internacionais de direitos humanos que representa um uso indireto dos mecanismos de proteção dos direitos civis e políticos para resguardar direitos ambientais. No âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, o greening consubstancia-se, sobretudo, quando se protegem direitos de cunho ambiental por meio de dispositivos da Convenção Americana de Direitos Humanos, voltados, em princípio, à garantia de direitos civis e políticos. Populações locais, notadamente as comunidades tradicionais, se encontram em uma disputa solitária pela própria capacidade de agenciamento e defesa dos territórios que ocupam.


[1] Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Fronteira e Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). E-mail: felipesakai@gmail.com.

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Leila Bijos

Pós-Doutora em Sociologia e Criminologia pela Saint Mary’s University, Halifax, Nova Scotia, Canadá. Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (CEPPAC/UnB). Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI), Universidade Federal da Paraíba (2020). Coordenadora de Pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos (CEEEx), Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP), Ministério do Exército (2019-2020). Aigner-Rollet-Guest Professor at Karl-Franzens University of Graz, Áustria Centro Europeu de Formação e Investigação dos Direitos Humanos e Democracia, Uni-Graz (2018/2019). Pesquisadora Visitante no International Multiculturalism Centre, Baku, Azerbaijão (2018). Professora do Mestrado Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília (2000-2017). Oficial de Programa do PNUD (1985-1999). Professora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual Transferência de Tecnologia para a Inovação – PROFNIT, Universidade de Brasília (UnB), CDT, Brasília, DF desde 2016.