Artigo – A SOMBRA FÚNEBRE DE 11 DE SETEMBRO – Por Leila Bijos

A agenda de negociações internacionais ampliou-se consideravelmente para incluir os temas de violência e paz como parte da estrutura de desenvolvimento global, objetivando “reduzir significantemente todas as formas de violência e mortes a ela relacionados”.  A omissão se justifica em face de áreas afetadas pelo conflito e violência, países que perderam a trilha do desenvolvimento, e são classificados como “rogue states”, em comparação com países pacíficos e estáveis. Os indicadores de desenvolvimento humano são os piores em áreas de conflito. As dificuldades para se alcançar este utópico desenvolvimento se tornam mais difíceis devido à contínua onda de violenta insegurança, divisões politizadas e militarização, o que demandaria soluções importantes, como alarmes, monitoramento, rastreamento, com forças de segurança treinadas para proteger a população, coibir a ilegalidade, clandestinidade e violência que alimentam o terror e bloqueiam o desenvolvimento.

A data de 11 de setembro de 2001 continua a repercutir na nossa memória, quando os Estados Unidos da América sofreram o pior ataque de todos os tempos. As imagens dos aviões lançados às torres gêmeas do World Trade Center, contra o Pentágono, e um avião de passageiros, com milhares de mortos, perpetrado pelo grupo terrorista Al-Qaeda, liderado por Osama Bin Laden, nos remete aos choques culturais e ideológicos.

Violentos ataques simultâneos se fizeram sentir em Paris em 2015. Na análise dos fatos,em 7 de janeiro de 2015, Paris foi palco de atentado direcionado ao jornal semanal francês Charlie Hebdo que tem por histórico sátiras antirreligiosas e esquerdista. As entidades islâmicas interpuseram ações judiciais, em razão de charges sobre o profeta Maomé, líder religioso para os mulçumanos. As ameaças recebidas do grupo Al-Qaeda não intimidou os jornalistas, e as publicações continuaram, o que gerou revolta no grupo. O atentado ao Charlie Hebdo trouxe à baila questões como o direito à liberdade de expressão, liberdade de imprensa, bem como o respeito à cultura e a liberdade de credo, que deve ser respeitado por todas as pessoas. Apesar das críticas à filosofia editorial do jornal, ninguém poderia imaginar que outros ataques a Paris seriam planejados, com o massacre ocorrido na noite de 13 de novembro de 2015, em seis locais simultâneos, com 129 pessoas mortas, e mais de 352 feridas em estado grave. A população reunida no Stade de France, no “Bataclan Concert Hall’, em dois restaurantes e bares, abalou o mundo, como uma mostra de atentado ao Estado democrático de direito do mundo civilizado.   

A análise das questões terroristas inclui tópicos como as divergências de credo, o choque de civilizações entre Oriente e Ocidente, além da questão das liberdades e dos direitos fundamentais. Os termos avaliativos dos direitos fundamentais são interpretados de forma diversa conforme a ideologia de cada intérprete. O que se tem é uma definição genérica do que são os direitos que pertencem a qualquer ser humano enquanto ser vivo, sem distinção de classe ou etnia.

Um ambiente cinza, pesado de nuvens negras apresenta uma violência exacerbada que grassa o Afeganistão dominado pelo grupo Talibã, a África do Sul, a Guiné, a Nigéria, e o Paquistão. A capacidade de cada sociedade enfrentar os impactos da violência e transformar-se em bastião da paz depende da existência de instituições democráticas legítimas. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, embora aprovada em 1789, mostra que os direitos ali consagrados eram um pequeno ponto de luz que guiaria o caminho aos direitos e garantias individuais ao longo de nossa evolução em sociedade.

Urge limitar quando o direito de alguém começa e quando o do outro termina. Tarefa nada fácil, para que se possam solucionar pacificamente os conflitos que venham a surgir no decorrer da evolução dos direitos, adentrando um contexto analítico social-cultural e jurídico, a fim de se possa solucionar os conflitos sem que haja a necessidade do uso da força. Note-se, que ambos os direitos precisam ser resguardados de forma que nem um, nem o outro sejam privados de suas garantias fundamentais. O objetivo da comunidade internacional é a busca de um bem comum, mas o que se sabe é que este instituto se trata praticamente de uma ficção jurídica, pois não se tem a possibilidade de resguardar o direito de alguém, sem ferir o de outrem que acredita ser merecedor de um direito diverso. Assim, é necessário o bom senso nas relações, onde ambos cedem, a fim de alcançar uma sociedade harmônica.

Expressar-se hoje é prática comum na sociedade, com o advento das novas tecnologias e rede sociais, o dinamismo com que esse direito se propaga é ao mesmo tempo divino e assustador. Assim como há boas ideias, em prol de direitos e divergências que agregam esse meio de comunicação traz consigo preconceitos, chacotas que agora se estendem não só a um pequeno grupo, mas a uma rede internacional em que poucas horas pode suscitar milhões de acessos, causando perseguições, mortes e depredações ao patrimônio público. A visão ocidental é de um regime democrático, com ideias liberais que respeitem as diferenças e acima de tudo preservem a segurança humana. É nesse sentido que devemos respeitar o direito islâmico, a Sharia, base do sistema de Justiça em países islâmicos, que tem como referência o Alcorão.

Acompanhamos atentamente o julgamento sobre os atentados em Paris, ataques simultâneos no Stade de France, em cafés e no Bataclan, que deixaram 130 mortos e mais de 350 feridos na França. Foi o pior atentado na França desde a II Guerra Mundial.

  A crescente globalização das interações entre pessoas de diferentes civilizações e o amplo fluxo migratório intensificam o consenso e a consciência das diferenças entre as civilizações e comunidades. O conflito entre a civilização ocidental e o oriente perdura por mais de 1.300 anos.

No início do século VIII, os mouros invadiram a Península Ibérica e se instalaram numa ampla área da Espanha. Posteriormente, atravessaram os Pirineus e penetraram na França, mas foram derrotados por um exército cristão no ano 732. Impulsionados pela derrota dos mulçumanos na França, os cristãos da Península Ibérica deram início ao catolicismo agressivo e militante, o qual resultou no movimento de Reconquista da Espanha e Portugal. Esse processo culminou séculos mais tarde em uma versão cristã da Guerra Santa, voltada principalmente contra os muçulmanos, as famosas Cruzadas. Sem dúvida, as Cruzadas foram o mais longo e violento confronto entre cristãos e islamitas, perdurando por quase duzentos anos (1096-1291).

Após a Segunda Guerra Mundial, o Ocidente, por sua vez, começou a recuar; os impérios coloniais desapareceram, redundando no ressurgimento do islamismo. Devido à abundância de petróleo nos países do Golfo Pérsico os países muçulmanos tornaram-se mais ricos e se armaram, principalmente quando os Estados Unidos e outros países da Organização do Atlântico Norte (OTAN) enviaram um expressivo exército para o Golfo Pérsico para defender o Kuwait invadido pelo Iraque sob o comando de Saddam Hussein.

O aumento acelerado de grupos fundamentalistas que optam por ações terroristas como meio de luta, identifica o Estado Islâmico, que conta com grande adesão de jovens simpatizantes vindo de países europeus, até mesmo de origem não islâmica. O contexto demográfico deve ser incluído na presente análise, uma vez que é um importante fator agravador no conflito entre o Ocidente e o Oriente. O crescimento populacional elevado nos países árabes, particularmente no Norte da África, levou ao aumento da migração dos povos para a Europa Ocidental impulsionados por fatores econômicos e políticos. Os migrantes islâmicos buscam cidades sem conflitos étnicos ou políticos, e com melhores condições de trabalho. A imigração tem uma face cruel, acaba transformando expectativas e tirando a identidade dos cidadãos. Ao contrário da migração global contemporânea, o processo de migração inter-europeu do passado, ressalta o perfil dos imigrantes que eram brancos e cristãos, populações rapidamente assimiladas na Europa Ocidental. A recente onda de migração originada da Ásia e da África implica na inserção de indivíduos com cultura e religião diferentes, limitando sua incorporação cívica no meio social onde decidem viver.

Em suma, a crise migratória sinaliza a necessidade de uma mudança mental e nos sentimentos humanos, com a aceitação do outro, inserindo-os em processos de treinamento, desenvolvimento e acolhida.   Todas as sociedades hoje são multiculturais e assim permanecerão no futuro. A diversidade cultural permite grandes oportunidades criativas, o direito de participação política, reuniões da cidade e sugestões para a melhoria da comunidade, numa coexistência pacífica, com novos espaços de diálogo e reflexão.

Fonte: Multiculturalismo. Google.com
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Leila Bijos

Pós-Doutora em Sociologia e Criminologia pela Saint Mary’s University, Halifax, Nova Scotia, Canadá. Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (CEPPAC/UnB). Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI), Universidade Federal da Paraíba (2020). Coordenadora de Pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos (CEEEx), Núcleo de Estudos Prospectivos (NEP), Ministério do Exército (2019-2020). Aigner-Rollet-Guest Professor at Karl-Franzens University of Graz, Áustria Centro Europeu de Formação e Investigação dos Direitos Humanos e Democracia, Uni-Graz (2018/2019). Pesquisadora Visitante no International Multiculturalism Centre, Baku, Azerbaijão (2018). Professora do Mestrado Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília (2000-2017). Oficial de Programa do PNUD (1985-1999). Professora do Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual Transferência de Tecnologia para a Inovação – PROFNIT, Universidade de Brasília (UnB), CDT, Brasília, DF desde 2016.