Um gigante faminto e não assustador-Foto Jornalista Fabio Raposo-DF

Algo interessante a respeito da política externa brasileira é a sua equilibrada e pragmática capacidade de reger-se a favor do contexto que presencia_ ao mesmo tempo em que possui identidade marcada, com caricatas posturas que se observa repetir ao longo da história da execução da política internacional “à brasileira”, detêm uma volatilidade tal de adaptação que não facilmente se nota em outros estados._.

Embora claramente notável que a agenda de prioridades nas escolhas de suas relações internacionais seja instrumento de escolha e barganha de cada governo em exercício, sofrendo bruscas divergências de preferências de alianças, pauta de assuntos e certa variedade de interesses condizentes com o aparelho governamental vigente, há alguns traços perenes. Negar e brigar, por exemplo, são verbos praticamente inconcebíveis na política externa do país, cujo emprego só se dá em situações extraordinárias e tendenciosamente abordadas tão diplomaticamente quanto possível. Impera-se evitar o mal estar com outros atores, ainda que a duras penas e a custa de estratégicas recuadas, que fazem jus ao popular jogo de cintura do brasileiro que se alarga ao campo das negociações, revelando uma maneira particular de esquivar-se evitando as negativas até o último instante.

Política de boa vizinhança a parte ‘’ o gigante nada assustador’’ tem armas a seu favor além da intimidação que não lhe apraz nem interessa transmitir. Nota-se que desde os primórdios de suas interações interestatais, iniciadas com os sutis escambos feitos entre indígenas e portugueses, e ademais de todas as toneladas de soja que se exporta a cada mês ao exterior, a commoditie tradicional brasileira é a gentileza, simultaneamente é também o seu artigo de luxo. Aqui se planta e brota aos montes este espírito de cordialidade, que uns interpretam como traço cultural pela própria natureza e há ainda quem alegue ser o tempero final e exclusivo do comportamento desta nação, que incrementa o bom, apimenta o insosso e torna suportável o que é difícil de engolir.

Quando Milton Nascimento indaga em uma de suas canções ‘’ por que você não verá o meu lado ocidental?’’ muito bem se exemplifica um dos anseios da conjectura nacional no cenário exterior. O ensejo de mostrar-se semelhante, ainda com toda áurea exótica que lhe concerne, quando para muitos países nem é considerado ocidental ou frequentemente enquadrado na expressão ‘’novo ocidente’’ de maneira pejorativa, como um experimento, uma tentativa, e não uma entidade consolidada dentro das relações internacionais. Curiosamente para alguns de seus vizinhos também a sua própria latinidade é contestada, pela língua que lhe isola, o gigantismo _ tanto nas estancias geográficas como econômicas e sociais_ que lhe discrimina, mas na mesma música do compositor mineiro a mensagem poderia se estender à postura da diplomacia brasileira quando questionada sobre suas origens ‘’ não precisam mais temer, não precisam de solidão ‘’. Fronteiras geográficas são interpretadas como possíveis fronteiras de cooperação e nenhum ”grandalhão” tão bem comportado como o Brasil no convívio com seus ”hermanos fronteiriços”.

Ciente do próprio porte o Brasil procura inserir-se em outros Nortes, e eventualmente um ou outro Sul (a política Sul-Sul é uma das principais agendas estratégicas de inserção internacional do país atualmente), e não hesita em usar da sua história de imigrações, miscigenação e interferências culturais para avançar por novos horizontes. A empatia brasileira de colocar-se na posição do outro tem algo de natural, de sua própria formação. Por possuir tantas intersecções que o capacitam de entender as realidades de outras entidades, que em algum ponto coincidem com a sua própria.

Uma metáfora provocadora para sugerir uma possível explicação à abertura espontânea e ímpar do Brasil ao desconhecido, forasteiro e externo é relembrar um hábito costumeiro entre algumas tribos indígenas, descrito por navegantes de outras terras, no tempo dos primeiros ensaios dos contatos internacionais por aqui: o canibalismo. Quando chegava a uma tribo que praticava a antropofagia, um guerreiro de tribo distinta lhe eram preparados festivos e rituais por dias e noites, com fartura de alimentos, dança e comemorações. Findo este primeiro momento chegava a parte da execução, e a tribo alimentava-se da carne do guerreiro forasteiro crendo assim apoderar-se de suas virtudes. A vontade de conhecer e ser o outro, sem, contudo, perder a essência própria é algo seminal da cultura brasileira, que tem uma fome do tamanho do mundo.

Sissa Santos

Sissa Santos é colunista do brasiliainfoco.come cursa o último período de Relações Internacionais na Universidade Catolíca de Brasilia,estudou também na Universidade de Coruña,na Espanha.

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