Coluna : Obstinado – Raul de Taunay

OBSTINADO

Encontro em mim o que não quero,
Chuva, vento, tosse, obrigações;
Mesmo em meio aos tubarões,
Nada do que anseio a mais espero.

Floresce a vida por entre a aurora,
Míngua a água na fonte sortida,
Sobre a escarpa me atinge a brisa,
No barco sem vela deslizo na rota.

Estranho pulsar do poema demente,
Estou a boiar onde a lira é purista,
Na beira da onda a sintaxe é de artista,
Teimoso é o manejo do verbo inclemente.

Para onde me vou, esqueço até a alma,
Poeta, se o sou, envio-me às favas;
Atrás dessas moitas, as feras amargas
Aspiram botim, não o aroma da mata.

Varou-me no peito o assombro calado,
No escombro fui rei do jardim encantado;
A mágoa dormiu em silêncio velado,
Deixando-me a lua no verso obstinado.

Compartilhe

Raul de Taunay

Diplomata de carreira do Ministério das Relações Exteriores, Embaixador e Escritor,serviu o Brasil em várias missões pelo Mundo. O plenário da Academia Brasileira de Letras outorgou-lhe em dezembro de 2005, por unanimidade, a Medalha João Ribeiro.